Não é questão de puro saudosismo, claro que não. Mas sempre que nos aproximamos do 7 de abril, Dia do Jornalista, me bate a lembrança de como era fazer jornal lá pelos idos de 1970. Às vezes chego a ficar assustado de como o jornalismo desses tempos se acanalhou tanto, não importando em que plataforma é produzido e nem o tamanho do veículo.
Queria o que? Vê lá se chegávamos a imaginar ligar a TV para ver uma mocinha de rosto bonito fazendo o papel de repórter e atendendo pelo apelido de “Rabo de Arraia”, por sinal de péssimo gosto, por jornalista (âncora) tão experiente como o Marcelo Rezende, em rede nacional. Afinal nos tempos idos o máximo a que se poderia chegar era a Gil Gomes, tão imitado, mas nunca igualado. Hoje é isso: um jornalismo caricato, com “focas” fazendo o papel de comediantes sem graça nenhuma.
Depois vêm as aberrações do jornalismo impresso, onde não se cultiva mais nem os métodos de se “pentear o texto”, de preservar rudimentos da última flor do Lácio, pois a figura do revisor foi morta e enterrada para sempre. E então, com a absoluta falta de tempo dos dias atuais, quando muito só se usa a ferramenta de correção do próprio “Word”.
O pior de tudo, creio, foi terem matado a reportagem. E ai vem o saudosismo das reportagens que li, das que participei produzindo e das grandes figuras das redações do meu tempo.
Não faltavam figuras pitorescas nos jornais de antigamente. E assim lembro com ternura dos paginadores dos tempos da composição de chumbo, como a figura inesquecível do “sô” Décio, que ia seguindo o diagrama na montagem das linhas de linotipo nas ramas.
E aqui em Porto Velho, logo que cheguei, e encontrei o mestre Natalino, na diagramação, o Flávio Gelensk, no fotojornalismo, o Carlinhos Araujo, no past-up…
É comum em conversas com colegas mais antigos de profissão divagações sobre como conseguíamos fazer jornal antes do advento da internet. Quando comecei a trabalhar em redação, no século passado, os textos eram escritos em laudas e datilografadas em duas vias (um bom papel carbono era essencial na mesa do repórter).
E parece que foi ontem se não tivéssemos perdido nas curvas do tempo a verdadeira plêiade de colegas tão repórteres, tão jornalistas e ao mesmo tempo tão humanos em sua mais bela dimensão.
Os melhores jornalistas eram os formados nas melhores redações. As reportagens, depois de passadas pelo crivo de editores, eram diagramadas com base no número de linhas e largura das laudas, e o texto enviado para digitação, revisão, past up, enfim, uma trabalheira inadmissível diante dos avanços tecnológicos.
Os jornalistas da jovem guarda não podem imaginar como a profissão tinha o sacerdócio como um de seus melhores ingredientes. Isso no tempo em que o grande avanço era o telex.
Os textos das agências nacionais e internacionais chegavam via telex. Os vários aparelhos receptores ficavam numa salinha apertada, no fundo da redação, e as notícias, depois de devidamente separadas por tema (economia, internacional, política), por um assistente, eram encaminhadas às respectivas editorias para a feitura do copydesk.
Isso porque os textos, como em qualquer telegrama, vinham em letras maiúsculas (forma de escrever que, na internet, é considerada ofensiva e grosseira) e sem acentuação ou pontuação. O responsável, então, tinha de grifar as letras maiúsculas, indicar parágrafos etc. e então encaminhar para a digitação. Hoje, já está tudo no “sistema”, graças à internet.
Nenhum jornal na minha época tinha “fechamento” antes de 22 horas. E quase todos ainda mantinham um plantão preparado para, se necessário, fazer o segundo clichê, mostrando ao leitor como estávamos capacitados a acompanhar de fato e praticamente em cima da hora os mais importantes acontecimentos das últimas 24 horas.
Então é isso, meninos. Estou no rol dos jurássicos. Vim dos tempos em que jornalistas tinham o hábito a obrigação de ler sempre, livros e mais livros. Assim como tinham (os melhores repórteres) o caderninho de fontes que eram constantemente consultadas para confirmar simples informações, bem diferente de hoje quando o socorro e a pesquisa chegam viam Google e nada mais.
Era assim, meninos, que nós das redações evitávamos nosso maior pesadelo, a “barriga”, uma espécie de bola fora que deixava morto de vergonha o profissional da imprensa!
Gosto de lembrar esses tempos não por uma simples questão de saudosismo, mas para não esquecer de algumas boas práticas do jornalismo, que incluem não só a simples checagem da grafia dos nomes, mas, principalmente, a checagem de informações.
E se me pedem algum tipo de opinião não deixo de dizer: jornalista não deve, nunca, desligar o “desconfiômetro”, principalmente no mundo virtual. Com a internet, esse instrumento riquíssimo de possibilidades e informações, o simples ato de desconfiar de qualquer coisa parece ter se perdido.
Hoje há enormes “vantagens” de se praticar essa profissão que no passado era desenvolvida como uma espécie de religião cheia de dogmas.
E graças a isso, para aproveitar melhor esses dias de descanso no feriado prolongado da Páscoa, estou usando o espaço da coluna para a crônica, exatamente para não ficar preso ao desconfiômetro fundamental ao jornalista que se dedica ao colunismo político.
Nesse jornalismo em que o press-release passou a ser matéria prima principal até o simples ato de desconfiar de que alguma coisa pode estar errada na informação parece ter se perdido, fazendo com que as erratas e o direito de resposta – especialmente na mídia virtual – se transformassem em mera rotina.
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