ESPANTANDO DEMÔNIOS
Os homens sempre rezarão para espantar demônios. Sempre tem sido assim e assim será. Os homens têm medo do desconhecido, das ruas escuras, quarto escuro, cachorro uivando em noite de lua cheia; tudo o que é desconhecido sempre dá muito medo, repito. E medos. E foi por ter tantos medos que o homem inventou a prece e, antes, Deus.
Tem sido assim desde o início dos tempos. E assim será sempre, até o momento em que o Sol esfriar… E Deus continua deixando os medos dos homens seguirem seu curso. E talvez Deus seja apenas Medo, o que um dia já me ocorreu.
DIREITO DO HOMEM
A cada homem é dado o direito da crença, por mais idiota que tal direito possa parecer. Muitos arderam nas fogueiras por acreditar que a Terra girava em torno do Sol, um fato tão óbvio como a existência das bactérias, do breganejo e do pagode. Mas não pergunte isso ao governador filósofo, esse que acabo sofrendo uma cassação porque não sabia que o abuso do poder político e econômico acaba sempre assim… Não perguntem, porque ele vai responder que não sabe de nada, nem do que acontece embaixo, em cima ou ao lado do seu gabinete filosofal.
CIÊNCIA DOS CURUPIRAS
A mim tanto faz. Por muitas e muitas noites acreditei que os meus demônios eram irmãos perdidos pelo universo. E tanto pedi, em rezas aprendidas com a minha avó, que levo a minha vida com um certo ar tranquilo. E assim aprendi a ciência das mulas-sem-cabeça, boitatás, curupiras, sacis e saçoas.
E também tenho alguma tenência com sereias, algumas poucas de mares, e muitas de rios, e com secretários de estado também, presidentes de estatal e superintendentes de empresas públicas, principalmente interinos e afins. Muitos deles parecem seres de outros mundos, principalmente quando agem de forma estranha fazendo mágica com o tal dinheiro público. Também tenho estrela de boa conversa e bem conheço um velho que é lobisomem, de pouca conversa mas de muitas histórias.
MEDOS HERDADOS
Fui assim criado ao medo dos meus antepassados. E viverei assim, com os medos herdados, até o fim dos meus próprios tempos, com os meus anjos caídos, vivendo em medo pelo Desconhecido. Certa vez criei espaços próprios, com nomes sofisticados do tipo “Excalibur” e Le Petit. Devo dizer, porém, que aprendi a cantar algumas canções e recitar versos de Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Oswald Barroso e Marina Colasanti. Com isso aprendi a não buscar atalhos para chegar aos muitos destinos que tenho em minha vida, enfrentando com todos os medos o mais longo e tortuoso caminho possível.
ATALHOS
O medo, aliás, é a minha emoção mais sincera. Dizem por aí que o caminho da retidão é o mais curto para se encontrar o Diabo. Não estou interessado em comprovar, adianto. Muito menos em desmenti-lo. E por isso desprezo o cômodo dos atalhos; prefiro seguir as estradas mais longas, aquelas que me desafiam a achar mentira na verdade que sai da boca do povo, visto que a voz de Deus jamais foi a voz dos homens; e jamais a vontade dos homens foi a intenção de Deus.
CUMPRINDO O TEMPO
Às vezes, e quase sempre, medos e dores se tornam prazeres ao longo do caminho da existência, desafios a serem superados pela coragem de viver. E que se cumpra o Tempo do novo Outono que ora chega com todos os seus romances, medos, angústias e dores; e, sobretudo, com todos os pequenos e misteriosos prazeres que as dificuldades guardam em suas dobras do Tempo, como se lenço fosse, e que, afinal, servem para enxugar o suor dos dias de sol ardido ou de serenas tardes gotejadas de mansa garoa.
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