Piadinhas machistas, elogios constrangedores, brincadeiras de mau gosto e comportamentos abusivos configuram assédio passível de punição
Imagine um carro antigo, desses com ‘chiqueirinho’, e a criançada toda aboletada lá, junto do cachorro da família, prontos para pegar a estrada. Para alguns, a cena gera saudosismo. Para outros é apenas um absurdo.
“As mudanças de comportamento em um ambiente de trabalho seguem a mesma lógica. Aquilo que já foi considerado “normal”, hoje em dia não cabe mais”, explica o psicólogo e criminologista empresarial Antônio Carlos Hencsey, sócio da Protiviti, consultoria que atua, entre outras áreas, com Gestão da Ética.
Da mesma forma que ninguém se arriscaria, em 2019, viajar sem que todos estivessem em segurança, crianças na cadeirinha e até o cachorro com cinto, os que insistem em agir no escritório desrespeitando os colegas, seja exercendo uma liderança tóxica, ou fazendo piadinhas inapropriadas, não têm mais cabimento.
Além de ser condenável socialmente, certas atitudes poderão até resultar em cadeia. A aprovação do Projeto de Lei 4742/01, que tipifica o crime de assédio moral no ambiente de trabalho, tem forçado as organizações a se preocuparem ainda mais com essa questão, para evitar manchas na reputação e sanções penais. Caso a emenda seja aprovada pelo Senado, a pena estipulada será de detenção de um a dois anos e multa, aumentada de um terço se a vítima for menor de 18 anos.
Qual é a dificuldade, então, de entender que certas atitudes não são mais aceitáveis? Hencsey explica que há pessoas que não querem mudar porque são saudosistas. Para outros, está bom como está. “Se sou o agressor, por que vou mudar agora? É como o veterano de uma faculdade, que não entende porque não pode pegar o calouro e transformar a vida dele num inferno, se na sua vez foi assim. A consciência vai ter de vir através de punição”, explica o consultor. “É preciso que entendam que não vale mais a pena ser assim.”
Também existem os que não mudam porque não entenderam que a mudança é necessária. “É como a secretária que aguenta gritos do chefe ou elogios constrangedores por achar que é normal, acreditar que o mercado funciona dessa forma. A cultura é a forma automatizada de resolução de problemas, e há quem não enxergue outra saída”, avalia Hencsey.
A falta de um canal adequado para denúncia é outro empecilho, as pessoas podem até querer mudar, mas não sabem como. Tânia Moura, vice-presidente da Apbrh e membro do comitê executivo do grupo Mulheres do Varejo, acredita que algumas empresas, mais estruturadas, já estão implementando códigos de ética e conduta, que determinam claramente os comportamentos esperados.
“Não basta só implantar, é preciso ter um trabalho de conscientização. O óbvio não é tão óbvio para todo mundo. O ideal é que os canais de denúncia sejam terceirizados”, recomenda Tânia.
Antônio Carlos Hencsey explica que o assédio moral é o tipo mais grave de agressão moral. “É fruto de um comportamento sádico do agressor, perverso. A intenção é destruir a vítima, sempre escolhida por uma característica, que pode ser gênero, raça, religião. É um assassinado psicológico”, explica.
Muitas vezes, o agressor inteligente não usa só da agressividade explícita e vulgar, pode usar o humor, uma ironia malvada que reforça a humilhação.
Esse comportamento pode ser de cima para baixo (do chefe com os subordinados), entre pares e também de baixo para cima, quando a equipe se une para derrubar o chefe.
Já a gestão por injúria é aquela em que o chefe não sabe lidar com frustrações, grita, ofende, berra. Ele é agressivo e explode, não sabe lidar com dificuldade. “Esse chefe pode até chamar a equipe para um almoço, ir ao happy hour, mas no ambiente de trabalho não tem competência técnica e emocional para lidar com os subordinados”.
No caso das agressões pontuais, há os chefes que por causa de um dia ruim acabam agindo com agressividade. “Bateram no carro dele, a mulher fugiu com outro, algo desencadeia o mal dia. Não é constante, e a empresa tem de aprender a lidar de formas diferente.”
O comportamento moral inadequado é o lugar da galera sem noção, o que ainda insiste em fazer piadas inadequadas. “Pode até não ter intenção de ofender, mas pode acabar sendo agressivo. A empresa precisa orientar e punir, segundo o grau de sua destrutividade.”
Na esfera sexual, há os comportamentos destrutivos, intencionais e danosos que são explícitos, como o chefe que condiciona uma promoção ao “só se sair comigo”, ou abre o zíper quando a funcionária entra na sala. “Se o ato é grosseiro, agressivo, feito para subjulgar a vítima, não há duvida sobre o assédio”, diz Hencsey.
Mas um indivíduo pode estar legitimamente interessado em uma colega, e a abordagem normalmente é diferente. “Diante de uma negativa, o cara para de convidar para sair, por exemplo. É importante deixar o ‘não’ bem claro. Desistimule a insistência.”
As empresas, aconselha, têm de focar em treinamento e definir o que é regra, se pode ou não pode haver relacionamentos entre os funcionários, se cabem abraços ou não. É preciso treinar as pessoas dentro desse valor e criar uma política de consequências que puna as pessoas que passem desse limite.
“Respeito é sempre. Não existe mais espaço para falta de respeito. Tratar mulher como ser inferior, comentários racistas, maus tratos, tudo isso é inquestionável.”
1. Humilhar funcionários (assédio moral típico)
2. Gritos em público (revela a incapacidade emocional do gestor)
3. Piadinhas machistas
4. Toques no corpo não autorizados (beijos, abraços, a menos que o código de conduta permita)
5. Elogios constrangedores (sobre decotes, roupas curtas, do tipo “venha sempre assim”)
6. Comentários ou piadas racistas
7. Discriminação por gênero
FONTE: R7.COM
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