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Preso por engano, ator detalha fase: descaso com ser humano

 Ele foi preso por engano. O equívoco custou ao ator Vinícius Romão o que ele chama de “16 dias no inferno”, provável nome do livro que lançará até o mês de agosto sobre o período que ficou injustamente enfurnado em uma cela – que, diga-se de passagem, abrigava 15 detentos podendo comportar apenas 6. Mais de dois meses depois do ocorrido, ele falou sobre a experiência, a precariedade do sistema carcerário no Brasil e a nova fase de sua vida em entrevista concedida por telefone ao portal Terra.  “Nunca tinha sentido dessa forma o racismo, ir parar na prisão”.

Vinícius foi preso suspeito de ter cometido um assalto no dia 10 de fevereiro na zona norte do Rio de Janeiro. Dona Dalva Maria da Costa havia saído do hospital em que trabalhava como copeira e estava em um ponto de ônibus quando teve a bolsa roubada. Um policial à paisana que passava pelo local ofereceu ajuda. Ela descreveu o criminoso como um homem alto, de cabelo black power. Vinicius voltava do emprego, trabalhava como vendedor em uma loja de roupas de em um shopping. Dona Dalva o viu no viaduto e afirmou que ele era o ladrão.

O ator foi levado para a 25ª DP e o depoimento da vítima fez a polícia pedir sua prisão preventiva. Vinícius foi encaminhado para a Casa de Detenção Patricia Acioli, em São Gonçalo. “Quando fui para o presídio rasparam minha cabeça e fizeram uma ficha, com nome e dados. Me perguntaram a que facção eu pertencia. Eles fazem isso para não deixar que facções rivais fiquem juntas. Eu disse que eu era neutro”.

A falta de higiene e itens básicos na cadeia lhe marcaram: um sabonete, duas escovas de dente para 15 presos. Em sua cela eram três beliches, seis camas, para o mesmo número de detentos. “Senti o descaso com o ser humano”.

Vinicius disse que se não fosse o barulho que os amigos fizeram nas redes sociais e na imprensa, estaria lá até hoje. E admitiu que o fato de ser ator contribuiu para chamar a atenção. “Vendedor é confundido não daria tanta repercussão como ator é confundido”, explicou. Seu mais recente trabalho na TV foi durante a novela Lado a Lado (2012-2013), da Globo.

Confira a entrevista na íntegra:

Terra – Você ficou preso por 16 dias. Quais as principais lembranças desses dias?

Vinícius Romão – Ficou marcado o descaso, descaso com o ser humano. Vivi uma realidade que não imaginava que existia. Se o hospital a gente já vê esse caos, imagina os presídios. É falta de higiene, falta de itens básicos. Um sabonete para 15 presos, aí um tem problema de pele e não dá para usar o mesmo. Uma ou duas escovas de dente. Eu escovava com o dedo, né.

Antes da confusão, você já tinha sofrido com a polícia alguma vez?

Com a polícia não. Nunca sofri. Até trabalhei em delegacia. Fiz estágio de psicologia no balcão de atendimento do IML (Instituto Médico Legal) e na 23ª DP. Na hora em que fui preso, até pensei que me levariam para lá e achei que iam me reconhecer, mas fui para a 25ª.

Como era sua relação com o preconceito? Era algo que sentiu desde a infância?

Quando pequeno teve. Na van, voltando do colégio um colega ficou me insultando. Aí minha mãe tapou meus ouvidos. Sempre estudei em colégio particular, sempre fui o único negro da turma. Um ou dois negros entre 30. Me acostumei a ser exceção.  Mas eu também nunca aceitei apelido.

Quando adulto uma vez, no aniversário de um amigo, na zona Sul. A brincadeira foi  – sabe aquela música: ‘Mamãe passou açúcar em mim?’ Então, ele falou passaram carvão. Sabe como é, eles tem poder aquisitivo alto, acham que mandam. Mas foram casos isolados.

Teve contato com outros presos? Como foi? Fez amigos?

Sim. Convivência. 16 dias só convivendo com eles. A gente falava sobre as nossas vidas, a vida deles. Muitos estavam lá por tráfico, Maria da Penha (lei), 157, roubo. Fiquei onde não tinha facção. Um dia, quando fiquei em uma cela sozinho, estava de frente para outra com três que respondiam por homicídios. Minha cela era mais usuário de drogas que entraram como tráfico.

O que fazia para passar o tempo na cadeia?

Para passar o tempo jogava dama e dominó, feitos com papelão e lápis, e tinha a leitura da bíblia também. O uniforme era branco, escrito ressocialização. Disso não tinha nada, nem biblioteca, nada.

Como era o tratamento na cadeia? Sabiam quem você era e sobre a confusão? 

Não…Lá somos contados duas vezes ao dia. Não sofri nem vi agressão. A agressão é moral né.  Mãos para trás, dormir no chão. Na minha cela eram três beliches, seis camas.  Éramos em 15…não tinha cama para todo mundo. Também quando precisávamos de alguma coisa era só pedir, os presos iam passando. Tipo caneta, bíblia. Sempre alguém tinha alguma coisa. Não são todos que conseguem pegar tudo que é levado pela família. Algumas coisas passam outras não.

Bíblia? Se apegavam à religião?

Minha cela não tinha facção, era chamada de Povo de Israel. Tinha pastores lá, que faziam culto a noite. Toda noite rezávamos antes de dormir. A maioria era evangélico. Eu tenho religião, sou católico.

Já começou a escrever o livro sobre o período que passou na prisão? Já está em conversa com editoras? 

Já comecei a escrever. Pedi para o meu pai também escrever o que ele vivenciou nesse período do lado de fora. E também falei com um amigo meu que movimentou as redes sociais. Uma editora de São Paulo já se interessou  – Zannah. Também tenho um amigo que trabalha com isso. A primeira edição pode ser independente com meu amigo e dependendo da repercussão estudo com a editora. Acabo de escrever no final do mês. Aí tem as correções…deve ficar pronto início de julho, agosto. O nome do livro deve ser ’16 dias no inferno’.

O que você achou da atitude do jogador Daniel Alves em relação aos atos de racismo? E da repercussão?

Ele agiu de forma espontânea, achei a atitude legal. Ele mostrou que não se deixou abater, não o desestruturou. Se ele não comesse a banana, talvez o juiz nem colocaria o caso de racismo na súmula. Isso também não acaba com o racismo. E são racismos diferentes. Lá na Europa é mais escancarado, aqui é uma coisa mais implícita. Acontece sem ser mostrado, é maquiado.

O que tem a dizer sobre o caso do dançarino do programa Esquenta! Douglas Rafael da Silva Pereira (DG), morto após levar um tiro no Morro Pavão-Pavãozinho, Zona Sul do Rio?

É preciso lutar contra o auto de resistência, muitos jovens estão morrendo. Ele não foi o primeiro. Falam que é legítima defesa.

Faustão foi acusado de racismo nas redes sociais depois de um comentário polêmico feito no programa. Se referiu ao cabelo (crespo e tingido de vermelho) da dançarina de Anitta, Arielle Macedo, como “cabelo de vassoura de bruxa”. Acha que em alguns casos se torna exagero? 

O racismo é implícito. Tipo nas novelas. É difícil ter um negro no papel principal. Qualquer coisa dita é puxada para esse lado. Acompanho o Faustão e ele sempre faz brincadeiras. Foi uma brincadeira…e não foi recebida de bom grado.

Hoje, passado mais de dois meses do ocorrido, como você sente o fato de ter sido preso injustamente?

Sinto um misto..uma sede…não de vingança. Sede de luta por todos. Nunca tinha sentido dessa forma o racismo, parar na prisão. Aprendi muito. Aprendi a não julgar os outros.

Qual o respaldo que a Globo te deu durante o ocorrido? Seu pai recebeu alguma ligação? O fato de ser ator contrubuiu para a solução do caso? 

Minha voz foram meus amigos. Foram no viaduto, fazer manifestação pacífica. A imprensa também. Se o fato de ser ator contribuiu? “vendedor é confundido não daria tanta repercussão como ator é confundido”, aí as pessoas leem. Por pressão da mídia meu processo não ficou parado como os outros. Da Globo, eu fui em programas, como na Fátima (Encontro com Fátima Bernardes), depois que fui solto. Fui em outras emissoras também.

Já surgiram convites para voltar à TV?

Vou começar uma peça de teatro. Fizemos a leitura de ‘Causa da Liberdade’ – que retrata o período de escravidão no Brasil até a assinatura da lei áurea. Recebi convites para causas sociais.

E a carreira de modelo?

Ah..estou fazendo cursos para me aprimorar…fotografia…para ser modelo fotográfico..dança. Estão abrindo várias portas. Sou a voz de muitas pessoas.

Você deixou de ser vendedor?

Tive que sair da loja por não poder me dedicar. E também é um lugar público, shopping. Qualquer pessoa pode entrar e sair qualquer horário…medo de alguém forjar alguma situação, com uma roupa. Lidava com policiais. Não é medo é precaução.

Você acha que essa fatalidade de algum modo te ajudou a ser colocado em evidência? Os projetos surgiram também por causa disso?

Ah..acho que sim. O fato de eu perdoar a senhora também, algo que eu considero uma atitude comum…meu caráter chamou atenção.

Qual seu contato hoje com a mulher que te acusou, dona Dalva?

Eu perdoei. Falei duas vezes só por telefone. No programa da Fátima  e no Domingo Espetacular. Guardar rancor é beber veneno esperando que outra pessoa morra. Eu também fiz crisma, psicologia, sei que isso não é bom. Minha mãe, que morreu, foi referência de amor. Então…nada ver com essa coisa ridícula que aconteceu comigo.

Você já foi completamente inocentado? Quando você saiu da prisão ainda tinha que obedecer o status de liberdade provisória

Estou movendo um processo contra o Estado. O processo foi arquivado, mas precisa ser extinto. Mas posso sair do Rio, tudo normal. Só que meu nome fica no banco de dados por enquanto.

Chegou a ver o homem preso pelo crime que apontaram você como culpado?

Não vi e já me falaram que ele já foi solto. Um amigo meu viu o rapaz
Fonte: Terra

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