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Por 9 a 1, Supremo decide que direito ao esquecimento é ‘incompatível com a Constituição’

Ministros julgaram se alguém pode reivindicar que meios de comunicação não divulguem fato considerado prejudicial. Decisão terá repercussão em outras instâncias da Justiça.

Supremo Tribunal Federal (STF) negou nesta quinta-feira (11) o reconhecimento do chamado “direito ao esquecimento” — pelo qual alguém poderia reivindicar que meios de comunicação fossem impedidos de divulgar informações de um fato verídico considerado prejudicial ou doloroso.

Dos 11 ministros, nove se manifestaram contra o direito ao esquecimento e um a favor — Luís Roberto Barroso não votou porque se declarou impedido.

A decisão do STF tem repercussão geral, ou seja, servirá de orientação para casos semelhantes nas demais instâncias da Justiça.

A tese aprovada pelo plenário foi a seguinte:

“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como um poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.”

O julgamento começou na quarta-feira da semana passada (3). A sessão desta quinta-feira foi a quarta em que os ministros debateram o assunto.

Na semana passada, o relator, ministro Dias Toffoli, apresentou seu voto. Ele entendeu que o direito ao esquecimento é “incompatível com a Constituição”. Para o ministro, impedir o acesso a informações verdadeiras e obtidas de forma legal fere a liberdade de expressão.

Acompanharam o relator os ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Rosa Weber. O ministro Edson Fachin votou a favor de que o tribunal reconhecesse o direito ao esquecimento.

O debate, que confronta liberdade de expressão e direito à intimidade, chegou ao STF em razão de um caso ocorrido em 1958.

Após uma tentativa de estupro, a jovem Aída Curi, então com 18 anos, foi jogada de um terraço em Copacabana, no Rio de Janeiro, a fim de que o caso parecesse suicídio.

A família argumenta que, além de tristeza e indignação com o crime, o noticiário da época deu notoriedade ao sobrenome Curi, que teria ficado estigmatizado.

Os familiares de Aída Curi pedem ainda indenização pela veiculação em 2004 no programa “Linha Direta – Justiça”, exibido pela TV Globo, de reportagem que reconstituiu o assassinato.

A defesa dos herdeiros afirma que, embora o tempo tenha se encarregado de levar a “sinistra notoriedade que por tantos anos os perseguiram”, a tragédia voltou a ter dimensão pública com o programa.

“Não há que se falar em liberdade de expressão e imprensa quando o ato cometido pela empresa jornalística atinge direitos de personalidade”, argumenta o pedido.

O pedido de indenização foi negado nas instâncias inferiores da Justiça.

Votos dos ministros

 

Conheça os argumentos dos ministros:

Ministros que votaram nesta quinta:

  • Cármen Lúcia – A ministra acompanhou o relator e votou contra o direito ao esquecimento e contra o pagamento de indenização à família. “Esquecer não é desfazer, não é apagar. É não lembrar”, afirmou. Segundo a ministra, o esquecimento suprime fatos e ajuda a acobertar fatos. “Alguém pode ter o domínio de fato histórico que retrata não apenas seu próprio caso, mas a circunstância de um caso que mostra algo maior do que a linha protagonizada? É de histórias comuns que a história de um povo se constrói”, afirmou Cármen Lúcia. “Parece-me que, de forma genérica e plena, não há no sistema jurídico brasileiro que se extrair o esquecimento como direito fundamental limitador do direito de expressão e, portanto, como uma forma de coatar outros direitos que cada um de nós temos à memória coletiva.”
  • Ricardo Lewandowski – O ministro também acompanhou o relator e afirmou que o direito ao esquecimento nunca encontrou abrigo no direito brasileiro. “Um dos próprios irmãos da vítima já teria publicado dois livros acerca do crime”, afirmou. Para o ministro, a humanidade, ainda que queira suprimir o passado, é obrigado a revivê-lo”. “Liberdade de expressão é um direito de capital importância. O direito ao esquecimento, se é que existe, só pode ser apurado caso a caso, numa ponderação de valores, de maneira a sopesar-se qual deve ter prevalência”, disse.
  • Gilmar Mendes – Acompanhou o entendimento do ministro Nunes Marques, contra o direito ao esquecimento, mas a favor de indenização à família de Aída Curi. Para o ministro, ao dizer que a ingenuidade da vítima contribuiu para o crime, o programa de TV extrapolou o direito de informar, “expondo a vida de forma vexatória”. Ainda segundo Gilmar Mendes, é preciso avaliar caso a caso os conflitos entre a liberdade de expressão e a intimidade. “É possível compatibilizar direito à privacidade com a liberdade de informação mormente ao assegurar que fatos distantes possam ser divulgados desde que presente o interesse público, histórico”, afirmou.
  • Marco Aurélio Mello – O ministro votou com o relator. Segundo o decano (mais antigo ministro) do STF, a Constituição diz que “a manifestação do pensamento, a criação e a informação, sob qualquer forma, não sofrerão qualquer restrição”. “O Brasil deve contar com memória, considerados os fatos positivos e negativos.” Para Marco Aurélio, observou-se o direito de informar as novas gerações, por isso, “não cabe simplesmente passar a borracha e partir-se para um verdadeiro obscurantismo, um verdadeiro retrocesso em termos democráticos”.
  • Luiz Fux – O presidente do STF defendeu ser possível a aplicação do direito ao esquecimento a casos específicos, mas não quando as informações são de interesse público. “O direito ao esquecimento não pode obstaculizar o direito à informação”, afirmou. Segundo Fux, “é inegável que o direito ao esquecimento é uma decorrência lógica da tutela da dignidade da pessoa humana”, mas, no caso julgado, a liberdade de expressão supera o direito ao esquecimento. “A verdade é que esse fato [assassinato de Aída Curi] tomou conta do cenário nacional como um fato relevantíssimo no tocante à criminalidade contra a mulher, do abuso contra a mulher, do assédio contra a mulher”, destacou. “Há fatos que são notórios e importantes para a história de um país”.
  • Ministros que votaram nas sessões anteriores:

    • Dias Toffoli – Na semana passada, o relator, ministro Dias Toffoli, entendeu que o direito ao esquecimento é “incompatível com a Constituição”. “É incompatível, incompatível, com a Constituição, a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”, afirmou o ministro. Para o ministro, impedir o acesso a informações verdadeiras e obtidas de forma legal fere a liberdade de expressão. Toffoli também rejeitou a indenização.
    • Nunes Marques – Primeiro a votar nessa quarta (10), o ministro Nunes Marques divergiu em parte do relator. Para o ministro, não há direito ao esquecimento no país, mas a família de Aída Curi deve ser indenizada por danos morais. Segundo Marques, o valor deve ser fixado pela primeira instância. “A liberdade de expressão é ampla e não pode ser limitada previamente. Não vislumbro nenhuma possibilidade de extrair-se do texto da Constituição, norma, seja sob que denominação for, que proíba a veiculação da notícia em si ou que exija autorização prévia dos envolvidos para ser veiculada”, afirmou Nunes Marques.
    • Alexandre de Moraes – O ministro também entendeu que não há direito ao esquecimento no Brasil e que eventuais abusos na divulgação devem ser avaliados caso a caso. “Não existe permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão”, afirmou. “Inexiste permissão para limitar preventivamente conteúdo do debate público em razão do efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. Isso é censura prévia”. Moraes entendeu que não cabe indenização porque houve uma narrativa objetiva do caso de Aída Curi. “Por mais sensíveis que sejam os fatos, jamais poderão ser apagados da crônica policial”. Segundo o ministro, “a narrativa de um fato cruel nem sempre, por si só, é desrespeitosa”, disse. “O fato é cruel em si”.
    • Edson Fachin – O ministro Edson Fachin divergiu do relator ao reconhecer a possibilidade de direito ao esquecimento. “Eventuais juízos de proporcionalidade em casos de conflito entre direito ao esquecimento e liberdade de informação devem sempre considerar a posição de preferência que a liberdade de expressão possui, mas também devem preservar o núcleo essencial dos direitos à personalidade”, afirmou. Para Fachin, no entanto, não há direito a indenização no caso de Aída Curi, porque, segundo ele, a “informação veiculada faz parte de um amplo acervo público”.
    • Rosa Weber – A ministra Rosa Weber acompanhou o relator, contra o reconhecimento de direito ao esquecimento. “Além de inconstitucional, a exacerbação do direito ao esquecimento é exemplo do tipo de mentalidade, que revestida de verniz jurídico, direta ou indiretamente contribui para, no longo prazo, manter um país culturalmente pobre, a sociedade moralmente imatura e a nação economicamente subdesenvolvida”, afirmou. “No estado de direito, a liberdade de expressão é a regra. Mostra-se incompatível com o estado de direito a imposição de restrições às liberdades de manifestação do pensamento, expressão informação e imprensa que traduzam censura prévia”, argumentou a ministra, que também votou contra a indenização à família.

    FONTE: G1.COM

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