Técnica x emoção: constante na seleção do mundo da Fifa, zagueiro mantém bons números no PSG, mas busca recuperar confiança do técnico após falhas de liderança
O ato do jornal italiano “Corriere dello Sport” de apontar Thiago Silva como melhor zagueiro da história da seleção brasileira é apenas mais uma demonstração de que o jogador segue com moral elevada na Europa, principalmente nos países que estão no seu currículo, Itália (Milan) e França (PSG). Mas o defensor não conta com o mesmo prestígio com Dunga, por isso ficou fora das últimas convocações. Se Thiago vai tão bem no futebol europeu, onde estão os melhores campeonatos do mundo, o que falta para ele voltar a ser chamado pelo técnico da Seleção?
A explicação para a ausência do zagueiro não passa pela técnica. A dele é acima da média e fica ainda mais em evidência quando falham Miranda e David Luiz, os atuais titulares, como aconteceu no empate frustrante com o Uruguai pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2018, na semana passada. O problema de Thiago, na visão de Dunga e de muitos outros, é emocional.
Desde os tempos de Fluminense, onde era chamado de “Monstro”, Thiago Silva é conhecido pela técnica, claro, mas também pela segurança e pela liderança. Com carreira sólida, chegou à Copa do Mundo no Brasil como capitão da seleção brasileira. Mas esses atributos passaram a ser questionados justamente na reta final da competição, quando chorou antes da disputa de pênaltis contra o Chile, pelas oitavas de final, e inclusive pediu a Luiz Felipe Scolari para ser a última opção de cobrador de todo o time, atrás até do goleiro Julio Cesar, por não se sentir confiante. Atitude mal vista para um capitão.
Mais à frente, com Thiago suspenso por acúmulo de cartões amarelos, o Brasil levou a histórica goleada de 7 a 1 da Alemanha na semifinal da Copa em casa. O zagueiro já disse certa vez que a eliminação não foi culpa dele pelo fato de não ter jogado esse duelo. Mas os acontecimentos do torneio acabaram causando certa depressão no então capitão, como já admitiu em entrevista.
– O presidente (do PSG) me deu muitos conselhos. Ele me disse: “Você é o melhor zagueiro do mundo, mas deve continuar trabalhando”. Eu respondi: “Presidente, trabalho sempre, mas na minha cabeça… Não sei o que está acontecendo, tem algum problema” – disse ao “Canal +”.
Após o fiasco na Copa do Mundo, a CBF trocou o comando: saiu Felipão, voltou Dunga. E o início de Thiago sob o novo comando também não foi dos mais tranquilos. Primeiro, reclamou de não ter sido comunicado da perda da braçadeira de capitão para Neymar. Depois, falhou em momento importante ao cometer pênalti infantil que permitiu o empate do Paraguai e a vitória rival nos pênaltis nas quartas de final da Copa América de 2015. Recebeu mais críticas, algumas de nomes expressivos, como Romário.
– Acabou para ele, o trem deixou a estação. Ele demonstrou que não tem personalidade suficiente para vestir a camisa do Brasil. Se eu fosse treinador, não o convocaria. Eu não estou questionando sua qualidade como jogador. Eu só quero saber da sua força psicológica. A esse respeito, ele falhou – disse o “Baixinho” ao jornal francês “L’Equipe”.
THIAGO MANTÉM BONS NÚMEROS E PRÊMIOS
Ao passo que está em baixa com Dunga, Thiago Silva vem se mantendo em alta na Europa. É titular absoluto do Paris Saint-Germain e foi escolhido para a seleção do mundo da Fifa nos três últimos anos (2013, 14 e 15). Os prêmios fortaleceram o desejo de retornar à Seleção.
– É um momento diferente, de eu olhar para mim e falar se tenho ou não condição para estar na seleção brasileira. A partir do momento em que eu achar que não tenho mais condições, vou ser o primeiro a pedir para não ser convocado. Até então, estou trabalhando para voltar e esse prêmio é uma prova disso – disse ele na Festa de Gala em janeiro deste ano.
Os números por temporada também jogam a favor de Thiago Silva, que ajudou o PSG a dominar o futebol francês nos últimos anos. Nesta temporada o zagueiro fez 37 jogos até agora. Na anterior, havia feito 40 partidas – vale lembrar que o PSG muitas vezes poupa jogadores importantes em jogos de menor importância. Ou seja, ele segue com a mesma importância e o mesmo fôlego para o time, que busca conquistar sua primeira Liga dos Campeões e vai encarar o Manchester City nas quartas de final a partir da semana que vem.
IMPRENSA EUROPEIA TENTA ENTENDER AUSÊNCIA
A cada vez que Thiago não é chamado por Dunga, a imprensa europeia, principalmente a francesa, tenta entender o porquê. O jornalista Arnaud Hermant, que acompanha o dia a dia do PSG para o jornal “L’Equipe”, exaltou o “melhor zagueiro do mundo”.
– Eu só posso julgar o Thiago como jogador. E como jogador ele é um dos melhores do PSG nesta temporada. É um jogador emotivo, é verdade. Isso pode ser um problema. Mas é um dos melhores jogadores, senão o melhor do PSG neste ano. Aqui é considerado o melhor zagueiro do mundo e tenho quase a certeza de que será votado como um dos três melhores (de todas as posições) de todo o Campeonato Francês. Após a Copa do Mundo, em 2014, ele não voltou tão bem, não jogou bem alguns jogos, teve uma queda, mas o Laurent Blanc manteve a confiança e ele respondeu. Agora está bem regular. Ele gosta de Paris, é um jogador que tem um bom “feeling” com a torcida, e nós aqui não sabemos por que não é convocado para a seleção brasileira. Porque, repito, ele foi um dos melhores, senão o melhor do PSG nesta temporada.
Para Mario Torrejón, da rádio espanhola “Cadena SER”, o estilo Dunga é muito defensivo para Thiago Silva. O jornalista usou o lateral-esquerdo Marcelo, do Real Madrid, como comparação.
– Acho que o Thiago Silva é um dos melhores zagueiros do mundo, e para mim o Dunga não o convoca por causa da “maneira Dunga” de entender futebol, que é mais defensiva do que o normal. Dunga era muito disciplinado taticamente quando jogador, e agora como treinador é a mesma coisa. Por isso o Dunga pensa que o Thiago Silva não é tão duro como zagueiro, que gosta de sair para o jogo. O Dunga gosta de zagueiros que fiquem atrás, que não arrisquem. Essa é a imagem que temos dele. É parecido com o que acontece com o Marcelo. Ele é ofensivo, imagina bem o jogo, e é pouco convocado pelo Dunga. O Filipe Luís, que é o titular da seleção brasileira hoje, é um pouco mais disciplinado e mantém mais a posição.
COMPANHEIROS APOIAM VOLTA À SELEÇÃO
Se depender dos companheiros de Thiago Silva na seleção brasileira, o zagueiro voltará a ser convocado. O lateral-direito Daniel Alves, do Barcelona, faz coro firme pelo antigo capitão. Assim como o meia Willian, do Chelsea.
– Eu não sou quem convoca, mas, se fosse, o Thiago estaria na Seleção. Porque, para mim, ele é o melhor zagueiro do mundo, sem dúvida alguma, pela qualidade e pelo destaque que sempre tem. Infelizmente, para ele, eu não convoco. Porque, se convocasse, ele estaria na minha seleção. Insisto que, para mim, o Thiago é o melhor zagueiro do mundo – disse Dani Alves.
– Todos sabem da qualidade dele. Para mim, sem dúvida é um dos melhores zagueiros do mundo. Ele tem tudo para voltar à Seleção. Jogando como ele vem jogando, sem dúvida tem chance de voltar – afirmou Willian.
David Luiz, companheiro de Thiago Silva no Paris Saint-Germain e titular da Seleção, prefere não falar sobre o tema por achar antiético. Mas Marquinhos, outro companheiro de PSG e que também vem sendo convocado, fala, apesar de não entrar tanto na questão. Outra opinião forte é a de Sergio Ramos, do Real Madrid, que formou a dupla de zaga da última seleção da Fifa ao lado de Thiago.
– O Thiago é um grande profissional, grande ídolo que tenho, grande amigo. Ele está sempre focado, sempre trabalhando, dando melhor nos jogos, e está sempre disponível para a seleção e para ser lembrado – disse Marquinhos ao SporTV.
– Para mim, o Thiago sempre foi uma referência, ele é um competidor nato. Eu o considero um dos melhores zagueiros do mundo. Sinceramente não entendo por que não vai à seleção brasileira, é um dos melhores. Mas essas não são decisões minhas. Eu lhe desejo muita sorte, porque é um grandíssimo futebolista – declarou Sergio Ramos.
DUNGA TEM RESSALVAS
Apesar do coro pela volta de Thiago Silva, Dunga ainda não parece convencido disso. Chegou a mandar indiretas ao entorno do zagueiro por suposta pressão pelo retorno. E, em entrevista recente ao canal “Esporte Interativo”, tentou justificar sua opção.
– Jogador de Seleção tem que assumir suas responsabilidades. No Brasil a gente gosta de falar que é o paizão. Isso, eu já tenho meus filhos. Tenho que tratar profissionalmente. Tenho que tratar com respeito. É jogador que, se trouxermos para ficar na reserva, não vai ficar contente. Quando tiver oportunidade para jogar, não vai ter problema, se estiver em ótima fase. Mas também temos que pensar em outras opções, futuro, Marquinhos na seleção olímpica. Jogador que tem futuro não só na seleção principal, mas na olímpica. Também estamos trabalhando em várias frentes. Não posso falar com jogador através de vocês (da imprensa). E mesma coisa o jogador não pode falar através de vocês. Então só levo em consideração o que ele fala para mim. Não quero ter razão, quero ganhar. Quero ouvir, mas tem que ser ouvido em coisas concretas que vão ajudar a Seleção, e não individualmente. Hoje a gente está trabalhando com outro sistema que tem muitos assessores, não sabe se é o jogador que falou. Fico muito resguardado quanto a isso.
Vivendo mau momento no futebol, o Brasil de Dunga volta a campo nesta terça-feira, às 21h45 (de Brasília), pelas eliminatórias da Copa do Mundo, fora de casa contra o Paraguai, justamente o adversário que eliminou o país na última Copa América com falha boba de Thiago Silva, que por sua vez ficou fora desde então. Sem o antigo capitão, a zaga da Seleção precisa provar seu valor após os muitos erros contra o Uruguai. E a performance defensiva e o resultado podem fazer crescer – ou diminuir – a pressão pela volta de Thiago.
OPINIÃO DO SETORISTA
Por Alexandre Lozetti
Setorista da Seleção para o GloboEsporte.com
“Thiago Silva é o mais talentoso dos zagueiros brasileiros em atividade, mas, no que diz respeito ao comportamento, é uma espécie de “antiDunga”. Desde a Copa do Mundo, com lágrimas e cartões em horas erradas, passando pelo chororô no episódio da braçadeira de capitão que ele perdeu para Neymar, até o pênalti cometido contra o Paraguai, que tirou o Brasil da última Copa América, o jogador demonstrou um desequilíbrio surpreendente para quem sempre pareceu tão maduro.
Obviamente, não é o futebol que afasta Thiago Silva da Seleção. E é compreensível que o técnico se preocupe com outros aspectos. Ele precisa confiar em seus jogadores, dentro e fora de campo, e o zagueiro foi incapaz de conviver com momentos difíceis nos últimos dois anos. A vaga não será recuperada no grito. Pelo talento que tem, Thiago estará sempre na mira de Dunga. Cabe a ele se preparar mentalmente para se adequar a um time que dificilmente o colocará na condição de protagonista”.
Fonte: globoesporte
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