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Brasil é mais violento que África do Sul ao organizar Copa, diz professor

Escolhidos para receber as Copas do Mundo de 2010 e 2014, África do Sul e Brasil enfrentaram atrasos nas obras, críticas sobre os gastos públicos com o evento e dúvidas quanto à viabilidade financeira de estádios erguidos para o torneio.

No entanto, enquanto a maioria dos sul-africanos aguardou o campeonato com grande expectativa e boa vontade, muitos brasileiros têm demonstrado – em protestos ou pesquisas de opinião – enorme descontentamento com o evento.

O que explica a disparidade nas posturas? E o que diferencia os preparativos da Copa brasileira da organização do Mundial sul-africano?

Coautor de A Copa da África, livro que analisou os impactos do Mundial de 2010 na África do Sul, o professor de história africana da Universidade do Estado de Michigan (Estados Unidos) Peter Alegi arrisca algumas respostas.

Para ele, os comportamentos distintos talvez reflitam as diferentes perspectivas enfrentadas no Brasil e na África do Sul pela classe média, grupo que detém enorme influência política nos dois países. Ele diz que, enquanto a classe média brasileira se sente pressionada e cobra melhorias urgentes nos serviços públicos, a sul-africana ainda desfruta de avanços recentes em seu padrão de vida.

“Na África do Sul, a classe média é formada principalmente por negros que acabaram de conseguir bons empregos, comprar casas, conquistar a liberdade de opinião e movimento. Para a classe média sul-africana, o cenário talvez pareça mais positivo que para a brasileira.”

Alegi cita, no entanto, o que considera uma diferença importante nos preparativos para a Copa dos dois países, que pode ter colaborado para inflamar os ânimos contra o Mundial aqui.

“O que a África do Sul quase não fez e o Brasil parece estar fazendo muito são as remoções forçadas de pessoas e um policiamento muito agressivo. Na África do Sul, não se via o Exército deslocando centenas ou milhares de soldados para policiar bairros pobres”, diz.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Alegi à BBC Brasil, por telefone.

BBC Brasil – Quatro anos depois da Copa de 2010, o que ficou do torneio para os sul-africanos?
Peter Alegi – Há um tipo de nostalgia por aquele período, por aquela sensação de unidade, solidariedade, de estar no centro do mundo. Os estrangeiros que foram para a Copa perceberam que os estereótipos negativos sobre a África do Sul não eram verdadeiros, e isso ainda faz o país se sentir bem. As emoções de um carnaval como a Copa são difíceis de bater.

BBC Brasil – Houve outros legados?
Alegi 
– O legado emocional foi importante de diferentes maneiras. Ele fez as pessoas sentirem um senso de unidade num país ainda muito dividido quanto a raças, classes e gêneros. Nos estádios sul-africanos, as pessoas cantam o hino abraçadas ou de mãos dadas, como nas igrejas. Num país onde o povo não tem muitas oportunidades de estar junto, a mágica do nacionalismo explodiu de uma maneira positiva.

Isso aconteceu só 16 anos após o apartheid. Sediar um evento bem sucedido fez com que os sul-africanos se sentissem muito orgulhosos.

O torneio também despertou sentimentos de panafricanismo. Por um ou dois meses, os sul-africanos se sentiram parte do continente africano. Isso foi encorajador, levando em conta os problemas do país com a xenofobia.

BBC Brasil – A Copa também deixou legados físicos?
Alegi 
– A Copa ocorreu em nove cidades, e algumas foram mais afetadas que outras. Nas maiores cidades, um dos efeitos positivos foi a melhoria do transporte público. Quando pessoas viram novas linhas de ônibus, de trens leves, sentiram que era bom ver o dinheiro delas gasto com coisas que durariam além da Copa.

Outra mudança física menos visível foi a melhoria nas telecomunicações. A África do Sul conectou um terceiro cabo de fibra óptica e melhorou os cabos no país.

Mas também houve mudanças negativas. Primeiro, os estádios. Construir um estádio para 70 mil pessoas na Cidade do Cabo era absolutamente insustentável. Os clubes locais não o usam, porque precisam preencher ao menos 14 mil cadeiras para pagar o aluguel, e nem isso eles conseguem.

O estádio em Nelspruit, com 42 mil lugares, raramente atrai mais de 2 mil torcedores. Num lugar com imensa pobreza, parte dos impostos vai para a manutenção do estádio, já que nenhuma companhia privada quer administrá-lo.

Só dois dos dez estádios erguidos ou reformados para a Copa são usados semanalmente pela liga profissional de futebol sul-africana. Quando vejo os estádios da Copa de 2014 em Brasília, Manaus ou Cuiabá, também me pergunto como essas lindas e caras estruturas serão bancadas depois do evento.

BBC Brasil – Há diferenças na forma como o Brasil e a África do Sul organizaram a Copa?
Alegi – O que a África do Sul quase não fez e o Brasil parece estar fazendo muito são as remoções forçadas de pessoas e um policiamento muito agressivo. Na África do Sul, não se via o Exército deslocando centenas ou milhares de soldados para policiar bairros pobres – em parte porque esses bairros estavam longe dos hotéis e centros de treinamento, mas também porque a população da África do Sul apoiou fortemente o torneio.

Não houve incursões a comunidades pobres para limpá-las e removê-las à força. Essa é a diferença.

BBC Brasil – Você se surpreendeu com os protestos no Brasil contra a Copa? Por que eles não ocorreram na África do Sul?
Alegi – Todos os sul-africanos com que conversei antes, durante e depois da Copa sentiam que aquela era a Copa deles. Os sul-africanos sofreram por muitos anos com um sistema terrível de racismo governamental. Eles sabem como protestar – muitos se sacrificaram para trazer a democracia após o apartheid -, mas não queriam arruinar a festa.

E a África do Sul não é uma potência futebolística como o Brasil. No Brasil, as pessoas sabem que não precisam provar nada para o mundo em relação ao futebol, então puderam sair para protestar.

Ambos os países têm uma grande desigualdade entre ricos e pobres, e em ambos a classe média desempenha um papel central na política. Parece-me que aí está outra diferença. No Brasil, a classe média parece estar mais e mais pressionada, enquanto na África do Sul ela é formada principalmente por negros que acabaram de conseguir bons empregos, comprar casas, conquistar a liberdade de opinião e movimento. Para a classe média sul-africana, o cenário talvez pareça mais positivo que para a brasileira.

BBC Brasil – A Fifa tem sido bastante criticada por suas rígidas regras na organização da Copa. É possível enfrentar a entidade e sediar o Mundial de modo diferente?
Alegi – Os acordos impostos pela Fifa são a chave do problema, porque são contratos de negócios. Eles impõem tantas condições e restrições que basicamente forçam os países anfitriões a se alugar para essa máquina transnacional de dinheiro chamada Fifa.

Os acordos são muito amplos: cobrem até a criação de zonas de exclusão ao redor dos estádios, onde são suspensos os direitos constitucionais e a soberania nacional, porque são consideradas áreas extraterritoriais da Fifa.

Os acordos permitem à Fifa movimentar dinheiro dentro e fora do país sem restrições, seus funcionários ganham imunidade diplomática – coisas que nem o papa, quando visita um país, pode usufruir.

O único momento em que os países têm algum poder é antes de assinar os papéis. É nesse momento que deveriam dizer: por que devemos arcar com todos os custos de construir estádios, por que a Fifa não pode dividir os custos?

A Fifa tem cerca de US$ 1,3 bilhão em reservas na Suíça, embora seja uma organização sem fins lucrativos. Você já ouviu falar de uma organização sem fins lucrativos que tenha US$ 1,3 bilhão em reservas?

Eles levaram da África do Sul US$ 2,35 bilhões em lucros, sem impostos. Não poderiam usar parte desse dinheiro para cobrir os custos?

O problema é que o país anfitrião tem que ser cuidadoso. Se começa a jogar duro, a Fifa pode dizer: ‘então vamos para Catar ou a Rússia, onde distúrbios democráticos não são um problema’.

BBC Brasil – Foi uma coincidência que, num momento em que recebia tantas críticas, a Fifa tenha escolhido esses dois países, geridos por governos não democráticos, para receber as duas próximas Copas?
Alegi – Achei muito suspeito. Vladimir Putin (presidente da Rússia) e os catarianos são os parceiros ideais para Fifa para a proteção de seus interesses financeiros. O problema para a Fifa é que, do ponto de vista de imagem, eles levaram uma pancada forte. As mortes dos trabalhadores nos estádios do Catar são um pesadelo de relações públicas para eles.

BBC Brasil – Acha possível que a Fifa mude suas atitudes por causa das críticas?
Alegi – Eu acho que a Fifa vai se tornar uma máquina de relações públicas ainda melhor, mas não acho que fará reformas significativas num futuro próximo.

BBC Brasil – O Brasil deve a seu futebol alegre e vitorioso boa parte da boa fama de que desfruta no resto do mundo. Nas últimas décadas, porém, o futebol brasileiro vem se tornando mais defensivo e pragmático. A imagem do país sofre com essa mudança de estilo?
Alegi 
– Não acho que técnicos como Dunga ou Luiz Felipe Scolari façam muito pela imagem do futebol bonito do Brasil. As pessoas na África do Sul ficaram chocadas com o estilo do Brasil em 2010. Eu dizia que eles não jogavam aquele tipo de futebol alegre desde o Telê Santana (que comandou o time nacional na década de 1980).

É interessante ver como essa imagem de futebol-samba, que não existe mais, se prolongou com campanhas publicitárias bem-sucedidas. Se o Brasil não ganhar a Copa, talvez a imagem do país mude sim, e para pior.

Fonte:G1

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Gomes Oliveira

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