FILOSOFANDO
“Quem não gosta de samba bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé.” DORIVAL CAYMMI (1914/2008), compositor, cantor, pintor, violonista e ator baiano. Compôs inspirado pelos hábitos, costumes e as tradições do povo baiano. Morreu aos 94 anos.
CARNAVAL É CULTURA
O carnaval é importante como data, mas indiferente para o comércio, porque – ao contrário do Natal ou do Dia das Mães – não se compram e nem se trocam presentes. E mesmo assim é fundamental para a economia, especialmente quando se trata de estimular o crescimento do turismo.
É verdade que o país entra por quatro dias em estado de (ruidosa) inércia. O que afeta de alguma forma o PIB.
HISTÓRIA
Poucos de nós conhecemos a história do Carnaval. Sabemos é uma festa baseada no calendário da igreja e comemorada sem data fixa, no mínimo a 3 de fevereiro e no máximo a 9 de março.
Numa conta de trás para frente, o Carnaval acaba 40 dias antes da Páscoa, que passou a ser lembrada todos os anos apenas a partir do século 11. É então uma despedida para o início da Quaresma, período durante o qual se proibia aos cristãos o consumo de carne.
COMEÇOU ANTES
Mas uma forma embrionária do atual Carnaval já existia bem antes do cristianismo. Em Roma, havia as Lupercais, em que o povo saia às ruas para açoitar transeuntes com tiras de pele de bode. Luperco era o deus dos pastores, e os açoites tinham a ver com o reforço da ideia de fecundidade. Outra explicação é a de que a festa protegia os rebanhos contra os lobos.
NO SÉCULO XVI
A palavra carnaval aparece em meados do século 16. Ela vem do italiano “carnevale” e significa subtrair o consumo da carne. Ou seja, a porta de entrada da quaresma. Outra palavra que circulou em algumas cidades europeias a partir do século 17 foi “charivari”, que significa barulho estrondoso ou música desafinada.
Vem do latim, “caribaria”, e designava uma folia anual marcada pelo travestimento ou inversão de papeis sociais.
HUMOR CÁUSTICO
O charivari mais bem estudado é o da cidade francesa de Lyon, por volta de 1650. A historiadora Natalie Zemon Davis, hoje com 89 anos, reproduz testemunhas que, ao simplesmente andarem pela cidade, cruzavam com muitos papas, cardeais, carrascos ou supostas freiras, todos comicamente paramentados. Uma das anomalias que esse tipo de festejo castigava era a intervenção dos mais velhos no mercado conjugal dos mais jovens.
Explicando melhor: foliões os arrancavam de suas casas e os amarravam no lombo de burros os homens mais velhos que se casaram com uma adolescente, ou mulheres viúvas que se casaram com um rapazinho.
MARIDO TRAIDO
Os cônjuges mais velhos eram punidos porque tiravam da juventude uma noiva ou um noivo, o que, indiretamente, condenaria alguém ao celibato.
O marido traído já era gloriosamente lembrado. Capturado, era amarrado sobre um burro, com a cabeça voltada para o bumbum do animal.
E, ao desfilarem com ele pela cidade, os foliões exortavam os passantes a atirar ovos podres ou frutas estragadas.
IDEIAS ORTODOXAS
Não são muito simples e nem unânimes as explicações para essa forma carnavalesca de punir dissidentes da moralidade pública.
Mas uma das versões mais aceitas é a de que, ao atacarem o que se consideravam impróprio, os foliões reforçavam as ideias mais ortodoxas e conservadoras de comportamento. Isso também valia para o empregado que se vestia de patrão, e cujo patrão, vestido de empregado, o transportava num carrinho pelas ruas movimentadas por foliões.
NO BRASIL
Já por volta do século 15 Portugal festejava uma forma rudimentar de entrudo, pouco antes do início da quaresma. No século seguinte, o Brasil importa da Ilha da Madeira o modelo de comemoração, mas apenas em alguns engenhos de Pernambuco e da Bahia. É algo pouco documentado para o período e, por isso, menos consensual entre os historiadores da cultura.
Com o passar do tempo, e com a liberação dos escravos pelos senhores para a efêmera folia, o carnaval passou a ganhar os mesmos instrumentos de percussão que, em Salvador, acompanhavam – com o consumo de toneis de cachaça – a lavagem das escadarias de Nosso Senhor do Bonfim.
CORRUPÇÃO MORAL
A partir de 1808, com a família real estabelecida no Rio de Janeiro, a tendência dos cortesãos e da polícia consistiu em domesticar o carnaval por meio de bailes com espaço e horário delimitados. A nobreza portuguesa e a oligarquia local consideravam o entrudo como algo lascivo, um fator de corrupção moral das classes mais pobres. Foi também no Rio, já com o início da República, que surgiram os cordões, ranchos e blocos.
ESPALHOU
A urbanização no século 20 e a concentração das riquezas com o café trouxeram o carnaval a São Paulo, onde, em 1914,saía às ruas o Cordão da Barra Funda (hoje Camisa Verde e Branco). Mas eram bem mais importantes, no Nordeste, os polos carnavalescos de Salvador e Recife, que criou sua própria música, o frevo.
No Rio, as gravadoras existiam, de início, apenas para as músicas de carnaval. Mas o nascimento do rádio (1923) se encarregou da difusão das marchinhas como fenômeno de massa, levando à prevalência, a cada carnaval, de um número limitado de melodias realmente populares.
E foi assim que somos todos descendentes desse conjunto complicado e muito rico de influências.
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