O presidente ainda não desistiu de buscar uma solução para o tema, que preocupa sua equipe de campanha e é visto como obstáculo à reeleição
Integrantes do governo Jair Bolsonaro (PL) avaliam a possibilidade de aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para abrir caminho a medidas de combate à alta no preço dos combustíveis.
A estratégia é uma das opções que estão na mesa para ser acionada na tentativa de baixar os preços. Ela seria uma alternativa ao decreto de calamidade pública, que voltou a ser defendido pela ala política do governo, mas enfrentava resistência de técnicos da área econômica, como mostrou a Folha.
A opção do decreto acabou perdendo força em meio à repercussão ruim das negociações, embora não tenha sido totalmente descartada. No entanto, o presidente ainda não desistiu de buscar uma solução para o tema, que preocupa sua equipe de campanha e é visto como o principal obstáculo à reeleição.
A preferência do governo é por uma medida que não imponha travas a gastos como concessão de reajuste salarial a servidores, como ocorreria no caso de decretação de calamidade.
Uma reunião no Palácio do Planalto, com a presença de Bolsonaro e dos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), Paulo Guedes (Economia), Adolfo Sachsida (Minas e Energia), Célio Faria Junior (Governo) e Bruno Bianco (Advocacia-Geral da União), foi convocada às pressas para discutir o tema. O compromisso não consta na agenda oficial do presidente.
Segundo fontes do governo, a principal referência para a discussão em torno da PEC é o dispositivo da antiga PEC emergencial, convertida em emenda constitucional em março de 2021 e que permitiu a prorrogação do auxílio a vulneráveis.
Em 2020, no início da pandemia de Covid-19, o governo decretou calamidade e criou o auxílio emergencial para as famílias mais necessitadas, mas ambos só duraram até dezembro daquele ano.
Sem ver brechas para enquadrar os gastos da pandemia como imprevisíveis, dado que a crise já levava meses, e tendo de lidar com os efeitos prolongados da Covid-19 sobre a economia, o governo optou por uma PEC para autorizar novos gastos extrateto. O texto permitiu a prorrogação do auxílio emergencial e estabeleceu um limite de R$ 44 bilhões para a ação.
Fontes envolvidas nas discussões afirmam que ainda não há um valor estipulado para a despesa extrateto com combustíveis na nova PEC, mas dizem que essa é a linha em estudo. Ainda não há uma decisão tomada dentro do governo.
Técnicos contrários à calamidade admitem reservadamente que a PEC seria a via “mais segura”, para evitar futuros questionamentos. Há um temor entre servidores de assinar documentos para chancelar medidas que, depois, podem ser contestadas por instâncias de controle. No entanto, isso não significa apoio desses técnicos a um furo no teto.
A discussão ocorre no momento em que Guedes está sob pressão para oferecer uma saída. Segundo políticos próximos ao presidente, se não houver uma solução para os combustíveis, pode haver nova ofensiva para retirá-lo do cargo. Há a leitura de que a letargia na Economia poderia comprometer o projeto de reeleição de Bolsonaro.
Nova edição do Datafolha mostrou ampliação da vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em relação a Bolsonaro na pesquisa de intenção de voto. O petista aparece com 48% no primeiro turno, ante 27% do presidente.
Por outro lado, há o reconhecimento de que, a quatro meses da eleição, não será fácil aprovar uma PEC, tipo de proposta que tem tramitação mais demorada e requer apoio de 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores.
O calendário tem sido um adversário das intenções do Planalto de tirar do papel alguma medida que contenha o preço dos combustíveis. Mesmo a troca no comando da Petrobras ainda não foi efetivada e deve demorar a sair. A assembleia de acionistas só é realizada 30 dias após a convocação, que, por sua vez, depende do envio das indicações do governo ao conselho de administração.
No Congresso, aliados governistas são taxativos ao dizer que o governo precisa tomar alguma atitude para não deixar a conta do aumento dos combustíveis e também de tarifas de energia recair sobre o bolso dos mais pobres. Nos últimos dias, lideranças aliadas já têm defendido nova mudança no teto de gastos.
Segundo fontes do governo, um decreto de calamidade teria a vantagem de afastar as restrições da lei eleitoral à criação de um subsídio para combustíveis e driblar algumas amarras da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) à criação de despesas.
No entanto, técnicos da área econômica são taxativos em afirmar, nos bastidores, que não veem justificativa plausível para decretar calamidade neste momento e abrir créditos extraordinários para bancar despesas fora do teto de gastos (regra que limita o avanço de despesas à inflação).
Interlocutores políticos do presidente queriam emplacar a medida com base na Guerra na Ucrânia, que impulsionou os preços de petróleo no mercado internacional, e no risco de desabastecimento de diesel. A leitura era a de que a calamidade afastaria os requisitos formais de urgência e imprevisibilidade para abertura de crédito extraordinário. Para os técnicos, porém, os argumentos não são suficientes.
No governo Michel Temer (MDB), quando houve a criação de um subsídio para o diesel, o crédito extraordinário que bancou a medida veio após dez dias de paralisação dos caminhoneiros —o que colocava o problema de desabastecimento como um fato, não como risco.
Em meio à pressão de uma ala do governo por um decreto de calamidade, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente, disse à Folha que a decisão sobre a solução para baixar o preço dos combustíveis será tomada após algumas “etapas”.
Segundo o parlamentar, que coordena a campanha à reeleição do pai, é preciso aguardar a aprovação do PLP 18, que define um teto para a alíquota do ICMS sobre combustíveis e energia elétrica, para ver se irá surtir efeitos na bomba.
Caso isso não ocorra, o governo pode, segundo ele, acionar outras medidas para reduzir a alta dos preços, sem detalhar quais seriam.
Em entrevista à CNN Brasil, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou que o governo pode decretar estado de calamidade pública a “depender da situação do país”.
O chefe da principal pasta do governo não descartou usar o instrumento, mas disse acreditar que atualmente ele não é necessário.
“A população está sofrendo hoje. Eu não vejo necessidade desse estado de calamidade atualmente, mas se chegar a um ponto de uma situação como essa, nós teremos que decretá-la. Mas eu espero que isso não seja necessário”, disse.
Em entrevista à Folha, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse ser justamente a alta nos combustíveis o que está segurando o crescimento de Bolsonaro nas pesquisas.
Ele defendeu ainda usar R$ 15 bilhões do lucro da Petrobras para criar algum tipo de subsídio. “O que está segurando ainda [o avanço de Bolsonaro] é o preço dos combustíveis. Mas, mesmo assim, ele [Bolsonaro] está crescendo”, disse.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta quarta-feira (1º) que a implementação de subsídios para mitigar os impactos sociais da alta nos preços das commodities (como petróleo) é uma “boa solução”, mas ponderou que medidas nesse sentido carregam o risco de se tornarem gastos públicos permanentes.
FONTE: FOLHAPRESS
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