Sentenças contra parlamentares no exercício do mandato nesse período envolveram variados tipos penais, mas nenhuma delas por fala
A condenação imposta ao deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) na quarta-feira (20) é inédita no STF (Supremo Tribunal Federal) desde a promulgação da Constituição de 1988.
Sentenças contra parlamentares no exercício do mandato nesse período envolveram variados tipos penais, mas nenhuma delas por fala. Para a maioria dos ministros, Silveira extrapolou em suas declarações e incorreu em crime.
O parlamentar foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão por ataques verbais e ameaças a integrantes da corte, além da cassação de mandato, suspensão de direitos políticos e pagamento de multa, estipulada em R$ 192 mil.
No dia seguinte, sob uma alegada proteção à liberdade de expressão, o presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu indulto ao aliado para livrá-lo da pena.
A primeira condenação de parlamentar pelo STF no exercício do mandato ocorreu em 2010. De lá para cá, pelo menos outros 22 deputados e senadores foram sentenciados pelos ministros.
São listados crimes como corrupção, peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa, fraude a licitações e falsidade ideológica, entre outros, segundo informações disponibilizadas pelo tribunal.
Entre os detentores de mandato que sofreram condenação figuram os ex-deputados Valdemar Costa Neto (PL-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP), envolvidos no escândalo do mensalão, e Nelson Meurer (PP-PR), investigado na Lava Jato e já falecido.
Silveira se junta ao grupo, mas por razões que até então não chegavam a esse desfecho. A Constituição diz que os parlamentares são invioláveis, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos. Escudado em sua imunidade, ele afrontou o Supremo.
Alvo de investigação no inquérito dos chamados atos antidemocráticos, o bolsonarista xingou e ameaçou ministros, de acordo com os autos. Alexandre de Moraes, relator das apurações, foi o principal alvo. Chegou a sugerir a convocação das Forças Armadas para fechar o Supremo.
Tecnicamente, o deputado foi enquadrado em dois tipos penais: coação no curso do processo (uso de violência ou de ameaça para obter vantagem em processo judicial) e incitação à tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes.
Autor do voto que levou o réu à condenação, Moraes afirmou que a liberdade de expressão não é “escudo protetivo para discurso de ódio e contra a democracia”.
A pesquisa processual no Supremo mostra uma série de ações relativas aos crimes contra a honra previstos no Código Penal, em que autoridades com prerrogativa de foro na corte são acusadas de difamar, injuriar ou caluniar alguém em suas manifestações.
São dezenas de casos, e há um estoque significativo de ações rejeitadas por se avaliar que as expressões apontadas como ofensivas estavam acobertadas pela imunidade parlamentar.
Ofensas e xingamentos durante as sessões plenárias foram considerados pelos ministros como parte do debate político e que se enquadravam dentro das atribuições dos congressistas.
Com a mesma justificativa também foram arquivadas situações em que as declarações foram feitas fora do Parlamento, incluindo redes sociais, e sem correlação com o mandato.
Nos últimos anos, porém, a jurisprudência do tribunal aponta mudanças, sendo consolidado um entendimento de que o dispositivo constitucional é uma proteção para o exercício do mandato, mas não pode ser usado para acobertar práticas criminosas.
No julgamento de Silveira, a ministra Cármen Lúcia disse que não se pode confundir a imunidade parlamentar com impunidade. “A liberdade de expressão não pode ser utilizada como instrumento de crime”, afirmou.
Em 2020, o deputado bolsonarista Eder Mauro (PL-PA) foi condenado por difamação depois de adulterar e divulgar em uma rede social vídeo de um discurso de Jean Wyllys, então no PSOL do Rio de Janeiro, para dar a entender que o ex-parlamentar teria preconceito contra negros e pobres.
Foi fixada uma pena de um ano de detenção, em regime aberto, mais multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por um valor a ser pago a Wyllys, no equivalente a 30 salários mínimos.
Relator do processo, o ministro Luiz Fux defendeu que Mauro não tinha o direito a reivindicar a imunidade parlamentar no caso. “Não se aplica nessa hipótese porque não foi debate praticado no ofício, isso foi delito no afã de incompatibilizar o parlamentar querelante [Wyllys]”, disse Fux.
Um caso envolvendo Bolsonaro é outro exemplo. Ele foi denunciado e é réu em duas ações penais no STF por incitação ao crime de estupro e injúria, após dizer que só não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT), ex-ministra do governo de Dilma Rousseff, porque ela “não merecia”.
Instaurados após pedidos da petista e da PGR (Procuradoria-Geral da República), os processos foram suspensos por ordem do ministro Luiz Fux, relator do caso, pois as condutas sob análise são anteriores ao mandato de presidente. Quando Bolsonaro deixar o Palácio do Planalto, eles voltam a tramitar.
Mudança de jurisprudência que desagrada ao bolsonarismo também vem ocorrendo na seara eleitoral e atinge políticos que propagam notícias falsas.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cassou o deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) devido à publicação de vídeo no dia das eleições de 2018 em que ele afirmou que as urnas eletrônicas haviam sido fraudadas para impedir a votação no então candidato a presidente Jair Bolsonaro. A corte também determinou a inelegibilidade do deputado por oito anos, contados a partir de 2018.
Nas disputas anteriores, a corte editou resoluções e recomendações sobre o tema, mas as medidas não foram suficientes, e a Justiça fracassou no combate às fake news.
FONTE: FOLHAPRESS
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