TCU e CGU querem que Ministério da Saúde explica necessidade e preço de 80 milhões de aventais hospitalares usados por equipes de saúde durante a pandemia
Nos últimos anos, o Brasil protagonizou sucessivos escândalos envolvendo o superfaturamento de contratos – os mais recentes envolvem suspeitas de fraudes em compras milionárias relacionadas a insumos de saúde no Rio de Janeiro e atingem o governador Wilson Witzel e outras operações policiais contra desvios de recursos para o combate ao novo coronavírus. Hoje, um impasse peculiar paira sobre um contrato específico celebrado em meio à pandemia: o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-geral da União (CGU) resistem em dar aval para que o Ministério da Saúde compre aventais hospitalares mais baratos.
O imbróglio envolve a empresa Inca Tecnologia, que, em abril, venceu a disputa para o fornecimento de 80 milhões de aventais, ao custo de 11,40 reais cada um. O valor global da compra é de 912 milhões de reais. A segunda e terceira colocadas orçaram o produto em cerca de 23 reais a unidade. Apesar de a Inca ter oferecido preço cerca de 50% menor do que o das concorrentes, o Ministério da Saúde cancelou o contrato e pediu informações adicionais à empresa. A área técnica da pasta aprovou os esclarecimentos da Inca e uma amostra do avental que será fornecido ao governo e retomou a parceria, mas o TCU e a CGU barraram o processo.
Os órgãos de controle cobram agora garantias extras do Ministério da Saúde de que a companhia vencedora é capaz de entregar os aventais. A compra de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), fundamentais para a proteção de profissionais de saúde que atuam na linha de frente do combate à Covid-19, é de responsabilidade dos estados e municípios, mas o Ministério da Saúde tem utilizado seu poder de compra para tentar garantir que os produtos, escassos no cenário de pandemia, cheguem ao Brasil.
Fontes do TCU informaram a VEJA que o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, se reuniu com integrantes do tribunal para questionar se compras emergenciais durante a pandemia poderiam ser agilizadas e, a despeito de eventualmente não seguir todos os passos previstos na Lei de Licitações, não resultar em acusações de improbidade administrativa contra os gestores públicos. O tribunal concordou com a agilidade e exemplificou, de acordo com relatos obtidos por VEJA, que respiradores poderiam ser comprados até por telefone, sem o passo-a-passo da Lei de Licitações, desde que não houvesse corrupção nas aquisições.
No caso dos aventais hospitalares, porém, o Tribunal de Contas questionou o governo sobre os termos do contrato, se o Ministério da Saúde avaliou os riscos de os produtos, vindos da China, acabarem não chegando ao Brasil por problemas logísticos, se a Inca Tecnologia tem estofo para entregar os insumos e se a pasta considera que o preço de 11,40 reais – metade do apresentado pelas demais concorrentes – é mesmo adequado. A equipe de auditoria do TCU também quer esclarecimentos, entre outros pontos, sobre o fato de o governo ter celebrado contratos com dispensa de licitação, apesar de a medida provisória 961 ter flexibilizado as regras de licitações e contratos da administração pública por causa da pandemia, e sobre a razão de ter se decidido pela compra específica de 80 milhões de aventais. “Não há elementos que indiquem minimamente a necessidade desses oitenta milhões de aventais. Faltam dados, por exemplo, a respeito do consumo anual ou mensal desses insumos no Sistema Único de Saúde, para que se possa avaliar, mesmo que de forma genérica, a razoabilidade do quantitativo”, diz o TCU.
Apesar de na concorrência de abril a Inca ter apresentado o menor valor unitário para cada avental hospitalar, o Tribunal de Contas afirmou que o governo deve considerar que, já durante a pandemia, EPIs foram adquiridos a preços muito mais modestos. Em março, por exemplo, o 11º Grupo de Artilharia de Campanha/RJ e do Comando da 6ª Região Militar compraram aventais a 1,75 real a unidade. Para o Ministério da Saúde, porém, esses valores estão desatualizados e não podem mais ser obtidos em novas compras.
A Controladoria-geral da União (CGU), por sua vez, quer que o Ministério informe, antes de avalizar a compra, quantas unidades serão distribuídas para cada estado ou município. A CGU diz temer que, sem organização, outros agentes do SUS, como hospitais e o Ministério da Defesa, possam comprar produtos semelhantes e os aventais acabarem encalhando. Em nota à VEJA, a Controladoria-geral não comentou o caso específico da Inca Tecnologia e disse que “tem atuado na análise de processos de aquisições e contratações realizados pelo Ministério da Saúde para o combate à pandemia” que totalizam 6 bilhões de reais.
FONTE: VEJA.COM
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