Mais de 400 membros do ‘alto escalão’ do país, como ex-presidentes, ministros, funcionários e acadêmicos já foram vacinados
Um ex-presidente, duas ministras, mais de 100 funcionários, acadêmicos, o dono de um restaurante chinês e o núncio do Vaticano estão na “lista da infâmia” de 487 peruanos que furaram a fila e se vacinaram contra o coronavírus.
Apelidado de “Vacunagate”, ou “VacunaVIP”, o escândalo estourou há oito dias, causando indignação no país. Em um primeiro momento, salpicou apenas no popular ex-presidente Martín Vizcarra, mas acabou se estendendo ao atual governo de transição de Francisco Sagasti.
Foi o próprio presidente que revelou, na segunda-feira, que 487 pessoas foram vacinadas de forma irregular, antes do processo nacional de imunização, iniciado em 9 de fevereiro com profissionais de saúde. A lista oficial foi divulgada pela imprensa local na terça.
As autoridades disseram que 122 funcionários públicos estão na lista, 16 deles do atual governo, já afastados de seus cargos. Um deles é o vice-ministro da Saúde, Luis Suárez Ognio, que foi vacinado com seis familiares. Também aparecem a ministra das Relações Exteriores, Elizabeth Astete, e a da Saúde, Pilar Mazzetti. Ambas renunciaram.
“A maioria das vacinações ocorreu em setembro e outubro”, no governo de Vizcarra, declarou Sagasti na quinta-feira (18) em uma videoconferência organizada pelo Wilson Center em Washington.
Os 487 privilegiados receberam algumas das 3,2 mil doses extras que o grupo farmacêutico chinês Sinopharm entregou para o pessoal encarregado do teste da vacina entre 12 mil voluntários peruanos.
Oito funcionários do Ministério das Relações Exteriores beneficiados pela “distribuição de vacinas” – conforme mencionado pela imprensa local – faziam parte da equipe que negociou a aquisição das doses com a China. Também foram afastados.
O profissional responsável pelos ensaios, o médico Germán Málaga, foi suspenso do cargo pela Universidade Cayetano Heredia.
Além disso, renunciaram o reitor desta universidade privada, Luis Varela, e os vice-reitores José Espinoza e Alejandro Bussalleude, todos os três imunizados.
Málaga não deu explicações convincentes ao Congresso sobre os critérios usados para autorizar a imunização destas 487 pessoas, entre as quais há vários empresários e seus familiares. Muitos destes vacinados constam como “convidados” no registro da universidade, e outros, como “consultores”.
Málaga também é questionado por ter-se aplicado três doses da vacina, em vez das duas determinadas pelo protocolo, o que também fez com outras 30 pessoas.
Os 487 vacinados estão no olho do furacão agora, já que o Ministério Público, o Congresso e o governo abriram investigações sobre o caso.
O escândalo estourou em meio à segunda onda da pandemia e à campanha para as eleições gerais de 11 de abril. Nesse sentido, complica o esforço de Vizcarra para conquistar uma cadeira no Congresso, mas também a situação do Partido Morado, de Sagasti, que não busca a reeleição.
“É claro que Martín Vizcarra tem todos os elementos para perder adesões, mas, sem dúvida, isso afeta o governo” de Sagasti, disse à AFP o analista político Fernando Tuesta.
Vizcarra foi vacinado em outubro, quando ainda era presidente, mas antes de a vacina chinesa receber sinal verde, em 31 de dezembro passado. Imunizou-se com sua mulher, Maribel Díaz, e seu irmão mais velho, César Vizcarra.
O ex-presidente alega ter sido um dos 12 mil voluntários, mas a Universidade Cayetano Heredia nega que tenha sido o caso.
Este escândalo transformou de heroína em vilã a agora ex-ministra Mazzetti, em um país de 33 milhões de habitantes que acumula 44.308 mortes por covid-19 e 1,25 milhão de casos confirmados.
Há uma semana, a então ministra declarou, no Congresso, que, como “capitã do navio”, seria a última autoridade sanitária a ser vacinada, embora já tivesse sido em 22 de janeiro.
“Os princípios da probidade, veracidade e transparência foram violados. São fatos gravíssimos”, disse à AFP a diretora da Associação Civil Transparência, Adriana Urrutia.
O núncio Nicola Girasoli afirmou que foi vacinado porque era “consultor em questões éticas” de Cayetano Heredia.
Apesar da explicação, o arcebispo de Lima, Carlos Castillo, declarou-se “indignado e entristecido”, e a Conferência Episcopal Peruana lamentou “o uso indevido de vacinas”.
A congressista de oposição Tania Rodas disse que se sentiu “traída” ao saber que seu parceiro, o médico Manuel Cedano (que não trabalha na linha de frente), era um dos 487. Sobre o assunto, comentou: “Mantenho uma relação com ele, mas não sou casada. Ele está casado com a diretora [nacional] de Epidemiologia”.
A vacinação, como “consultor”, do dono do restaurante de comida chinesa Royal, César Loo, gerou dúvidas, mas também piadas.
O dr. Málaga contou que Loo vendia comida chinesa para a delegação enviada por Pequim a Lima para negociar a venda das vacinas. “Essas pessoas (…) se cansam do Burger King. Como não vamos colocá-lo [Loo] na vacinação”, questionou.
Loo respondeu, dizendo que não conhecia Málaga e que não foi imunizado em troca de comida. Não explicou, porém, como teve acesso ao fármaco.
FONTE: AFP
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