Soldado Eduardo Miquelino é investigado por sete mortes. Ele nega ser autor das execuções
Uma sequência de mortes assusta os moradores do Morro do Índio, no Capão Redondo. Desde dezembro de 2014, sete jovens (cinco deles, negros) foram executados por um matador solitário, que surge em uma moto e utiliza sempre um revólver 38. Em ao menos três casos, a Polícia Civil tem um suspeito: o soldado da PM Eduardo Alexandre Miquelino, conhecido como Tartaruga.
Segundo as investigações, no bairro corria à boca pequena a história de que Tartaruga havia prometido matar 48 pessoas até o último Natal.
No fim do ano passado, porém, a Polícia Civil localizou uma testemunha que reconheceu Tartaruga como o autor do último homicídio da série e o soldado acabou preso.
Duas semanas antes de morrer, a vítima do último crime, Adam de Aguiar Santana, teria sido abordada por Tartaruga. O rapaz também já havia afirmado a um familiar que o soldado o havia ameaçado.
O inquérito da morte de Adam foi relatado à Justiça. Ao pedir a prisão temporária de Tartaruga, a Polícia Civil comparou a ação do soldado à de grupos de extermínio.
“Embora praticado por um só agente, a ação de Eduardo Alexandre Miquelino é típica daquelas praticadas por grupo de extermínio, haja vista que aparentemente visa a morte de pessoas, simplesmente pelas suas condições de marginalizadas, algumas com passagens criminais e por isso estigmatizadas como perigosas, que vivem na região periférica da cidade, onde o homicídio é usado como solução para a ‘limpeza’ social ou demonstração de poder”, afirma o documento.
Questionada sobre as mortes em série, a Secretaria de Estado da Segurança Pública informou que Tartaruga foi também indiciado por outras duas mortes: a de Leonides Blenait Batistão e a de Mayk Alencar Cruz. As investigações, porém, não foram concluídas.
Também continuam abertos os inquéritos — sem que Tartaruga tenha sido indiciado — sobre as mortes dos outros quatro jovens no bairro.
Ao acolher o pedido de prisão preventiva, em 18 de dezembro, a juíza Patrícia Silva citou os outros seis casos em que há “eventuais indícios de autoria em desfavor do denunciado” e afirmou que detenção de Tartaruga se fazia necessária.
“Há testemunha protegida a ser ouvida em juízo, a qual certamente se veria atemorizada caso o denunciado estivesse solto, o que influenciaria negativamente na instrução criminal”, escreveu a juíza.
Na mesma época em que ocorreram os sete homicídios, Tartaruga envolveu-se em dois supostos confrontos, que terminaram com um morto cada um. Nos dois casos, o soldado afirmou à Polícia Civil só ter atirado depois de atirarem contra ele.
A Secretaria da Segurança afirmou que foram abertos IPMs (inquéritos da PM) no batalhão da área. “O inquérito do caso do dia 9 de abril de 2015 foi redistribuído pela Justiça Militar à Justiça Comum, e o outro está em apuração.” De acordo com a pasta, em 28 de agosto de 2015, foi determinado o afastamento de Tartaruga das atividades operacionais devido ao seu envolvimento nessas duas ocorrências.
O motivo
A Polícia Civil suspeita que a matança tenha se iniciado depois de a soldado PM Edivania Ribeiro de Carvalho Serra ser ferida em um ataque na região. Em 23 de agosto de 2014, dois criminosos abordaram a PM próximo a um bar da rua Damasco. Edivania tentou brigar com os criminosos, mas um deles conseguiu tomar a pistola da PM e atirou duas vezes contra ela.
Tanto Tartaruga como Edivânia trabalham no 37º Batalhão, responsável pela área. Após o caso, o soldado teria começado a exigir aos jovens do bairro que devolvessem a arma roubada da PM.
A pistola acabou recuperada em 18 de outubro de 2014, por dois outros PMs do 37º Batalhão. Na ocasião, os PMs afirmaram que haviam recebido uma denúncia de comércio de arma na rua Cipotuba. Chegando lá, teriam visto duas pessoas fugindo e uma sacola no chão. A pistola estava na sacola.
Um tiro no posto
Além das mortes atribuídas ao soldado pelos moradores do bairro, outro episódiostambém contribuiu para a fama de Tartaruga: ele teria disparado um tiro dentro de um posto de gasolina da avenida Henrique San Mindlin, também no Capão Redondo, para acabar com um pancadão.
Segundo uma testemunha ouvida pela Polícia Civil, Tartaruga havia se irritado com o volume do funk que um motorista ali parado escutava e foi de moto até o posto pedir para que ele abaixasse o som. O motorista teria obedecido, mas voltou a aumentar o volume após o soldado ir embora.
Tartaruga teria, então, voltado armado e disparado para o alto. O teto do posto ficou marcado.
Morte de DJ Lah
O posto de gasolina da avenida Henrique San Mindlin era, segundo as investigações, um local bastante frequentado por Tartaruga. Algumas testemunhas chegaram a dizer que o soldado seria, nas horas de folga, vigia do local.
A superior imediata de Tartaruga na segurança do local, ainda segundo as testemunhas, seria a cabo Patrícia Silva Santos, também do 37º Batalhão.
A cabo Patrícia chegou a ser acusada de envolvimento na chacina do Jardim Rosana, em 4 de janeiro de 2013, em que foi morto Laércio de Souza Grimas, 33 anos, o DJ Lah.
O caso teve grande repercussão na época. As investigações apontaram que a cabo teria adulterado a cena do crime, recolhendo as cápsulas. A cabo acabou inocentada.
Chamada para depor no inquérito que investiga Tartaruga, a PM Patrícia negou ser responsável pela segurança do local. Disse que apenas havia indicado um vigia ao gerente. E acrescentou que conhecia Tartaruga, pois atuavam na mesma unidade da PM, mas não o via há muito tempo por causa da escala de trabalho.
Tartaruga nega crime
Em depoimento à Polícia Civil no inquérito que investiga a morte de Adam, pela qual foi preso, Tartaruga disse não se recordar o que fazia no dia do crime, mas afirmou que, se não estivesse trabalhando em seu batalhão, estaria provavelmente no bico, como segurança de uma transportadora responsável por entregas de produtos comprados pela internet.
Ele admitiu que possuía uma motocicleta de cor prata, e que, antes de comprá-la, em setembro de 2015, usava a motocicleta de cor vinho da mulher. Tartaruga negou ainda fazer bico no posto de gasolina, mas disse que conhecia os seguranças do local e que já havia conversado com a PM Patrícia.
Tartaruga disse que tem sido acusado injustamente pelas testemunhas, que, segundo ele, podem estar querendo prejudicá-lo por ser muito atuante na região.
O R7 procurou o advogado Paulo Cesar Pinto, que consta como defensor do policial, mas não obteve resposta.
Confira abaixo, todas as mortes pelas quais o policial é investigado:
29 DE SETEMBRO DE 2015
VÍTIMA: Adam de Aguiar Santana.
LOCAL: rua Gagliano Netto, Capão Redondo.
O QUE APONTAM AS INVESTIGAÇÕES: testemunha diz ter visto Tartaruga atirando contra Adam quando o rapaz andava de bicicleta. Duas semanas antes, a testemunha afirma que estava com a vítima quando o policial, em serviço, os havia abordado, não encontrando nada de irregular.
22 DE SETEMBRO DE 2015
VÍTIMA: Douglas Mendes Silva, o Gordão.
LOCAL: rua Simão Caetano Nunes, Capão Redondo.
O QUE APONTAM AS INVESTIGAÇÕES: neste inquérito, os indícios são mais fracos. A Polícia Civil ainda não localizou uma testemunha que tenha presenciado o crime. Imagens de segurança mostram o matador chegando em uma moto vermelha, semelhante a uma das que Tartaruga costuma utilizar. Testemunhas de outros inquéritos atribuem a morte ao policial. No entanto, exame balístico da perícia apontou que a arma do crime é a mesma de outro homicídio — cuja vítima foi Maicon Douglas Silvestre — que não está entre as execuções atribuídas a Tartaruga.
28 DE JULHO DE 2015
VÍTIMA: Claudinei da Silva Santos, o ET.
LOCAL: rua Abilio César, Capão Redondo.
O QUE APONTAM AS INVESTIGAÇÕES: testemunha protegida afirma que Tartaruga já havia ameaçado a vítima, durante uma abordagem. Na ocasião E.T. indignou-se com a suposta truculência da abordagem e iniciou uma briga com o policial, que teria deixado o local afirmando que voltaria para “pegar” E.T.
28 DE JULHO DE 2015
VÍTIMA: Leonides Blenait Batistão, o Léo.
LOCAL: rua Cortegaça, Capão Redondo.
O QUE APONTAM AS INVESTIGAÇÕES: a mãe da vítima presenciou o crime e, posteriormente, reconheceu Tartaruga como o autor da execução de seu filho. Testemunha protegida afirma que o policial matou Léo porque considerava que a vítima havia “roubado” o seu antigo bico: Tartaruga teria sido substituído por Léo como responsável por escoltas de produtos na região.
14 DE JULHO DE 2015 (suposto confronto)
VÍTIMA: José Carlos da Silva Nogueira.
LOCAL: rua Alice Leo, Capão Redondo.
O QUE APONTAM AS INVESTIGAÇÕES: trata-se de um caso de morte em decorrência de intervenção policial. Tartaruga estava em serviço, quando decidiu abordar um carro do modelo I-30, em que estavam dois homens. De acordo com o depoimento do policial, na rua Alice Leo, o passageiro pulou do I-30 atirando e fugiu. O motorista, então, teria descido do carro e também atirado contra Tartaruga, que afirmou ter revidado e acertado a vítima. A rua Alice Leo, onde ocorreu o suposto tiroteio, é uma travessa da rua Gagliano Netto, onde Adam foi morto.
15 DE MAIO DE 2015
VÍTIMA: Jefferson de Araújo Nico, o Gê.
LOCAL: rua Gagliano Netto, Capão Redondo.
O QUE APONTAM AS INVESTIGAÇÕES: assim como no caso de Gordão, neste inquérito os indícios também são fracos. Testemunhas de outros inquéritos atribuem a Tartaruga o homicídio de Gê. Nenhuma testemunha direta do crime, porém, foi localizada. Este também é o único caso entre as sete mortes em que há a suspeita de que o atirador tenha recebido ajuda de uma segunda pessoa. O matador – ou os matadores – estariam em uma moto vermelha, semelhante a uma das que Tartaruga costumava usar.
17 DE ABRIL DE 2015
VITIMA: Mayk Alencar Cruz.
LOCAL: avenida Henrique San Midlin, Capão Redondo.
O QUE APONTAM AS INVESTIGAÇÕES: testemunha protegida afirma que estava com Mayk em um churrasco quando Tartaruga chegou de moto, estacionou e atirou contra a vítima.
9 DE ABRIL DE 2015 (suposto confronto)
VÍTIMA: desconhecido.
LOCAL: rua Frei Xisto Teuber, Capão Redondo.
O QUE APONTAM AS INVESTIGAÇÕES: trata-se de outro caso de morte em decorrência de intervenção policial. Tartaruga foi à região após um alerta de roubo à residência. Chegando lá, o dono da casa teria afirmado que os criminosos haviam fugido pelos fundos. Tartaruga e outro PM deram a volta no quarteirão e dizem ter encontrado um dos suspeitos. Os dois policiais afirmam que o suspeito disparou contra eles, que revidaram e o mataram. O suspeito foi reconhecido pelo dono da casa roubada como um dos ladrões que invadiram o local. Este caso ocorreu a cerca de 5 km da região onde foram registrados os outros homicídios, mas ainda no bairro do Capão Redondo.
24 DE DEZEMBRO DE 2014
VITIMA: Jose Carlos Cotrim da Silva, o Gago.
LOCAL: rua José de Aragão, Capão Redondo.
O QUE APONTAM AS INVESTIGAÇÕES: uma testemunha, conhecida da vítima, afirma que Tartaruga já ameaçava Gago. A testemunha disse ainda que estava com a vítima no dia do crime e reconheceu o policial como o matador. A testemunha acrescentou que Tartaruga ainda tentou matá-lo, apontando a arma contra ela e puxando o gatilho, mas já não havia balas no revólver.
Fonte: R7
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