A decisão do STF em criminalizar a homofobia é alvo de críticas por parte do governo e da bancada religiosa
No momento em que aliados de Jair Bolsonaro no Congresso articulam propostas para acabar com o que chamam de “ativismo judicial”, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, intensificou encontros com parlamentares e partidos políticos fora de sua agenda oficial para blindar a corte.
Nas últimas semanas, Toffoli vem pedindo conversas com as principais bancadas do Legislativo. Já esteve com parlamentares do PSL que, nos bastidores, coletam assinaturas de deputados em favor de um projeto da deputada Chris Tonietto (PSL-RJ).
O texto prevê que o Congresso possa sustar atos do Supremo que ultrapassarem a competência do Judiciário, chamado de “ativismo judicial” pelos apoiadores de Bolsonaro.
A proposta vem enfrentando resistência entre parlamentares de centro, de quem Toffoli vem se aproximando com mais desenvoltura.
Até agora, o resultado é que o PSL ainda não conseguiu atingir o número mínimo de assinaturas na Câmara. No PRB, por exemplo, que tem 31 deputados, a ordem foi não embarcar no embate com o Supremo.
O deputado Marcos Pereira, que é vice-presidente da Câmara e comando o partido, deve promover um encontro de sua bancada com Toffoli nas próximas semanas.
Nesse período, o presidente do Supremo se reuniu com parlamentares do PSD e, há duas semanas, pediu que o presidente do DEM, ACM Neto, organizasse um jantar com o partido -que comanda a Câmara e o Senado, além de três ministérios.
O jantar, na Trattoria da Rosario, em Brasília, reuniu deputados, senadores, dois governadores e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. O encontro foi articulado também pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de quem Toffoli se aproximou e com quem mantém frequente interlocução.
No jantar, o ar de informalidade só foi quebrado quando o deputado Alan Rick (AC), que também é pastor evangélico, pediu a palavra e criticou o fato de o Supremo tratar da criminalização da homofobia.
Dois dias depois, em 13 de junho, a corte enquadrou a homofobia e a transfobia na lei dos crimes de racismo até que o Congresso aprove uma legislação sobre o tema.
Para tentar melhorar a relação com os religiosos, Toffoli articula encontros com a bancada evangélica.Nas conversas que teve até o momento, o ministro afirma que o Supremo só entra em campo decidindo temas afeitos ao Congresso porque recebe ações e questionamentos, especialmente de partidos da oposição, de leis aprovadas e medidas do Executivo.
A ideia é deixar claro que o Congresso precisa cumprir seu papel, especialmente em temas polêmicos, e que o Supremo não tem o protagonismo que os partidos ligados a Bolsonaro acham que ele tem.
No caso da criminalização da homofobia, a maioria do plenário do STF reconheceu uma demora inconstitucional do Congresso em votar projeto sobre o tema que tramita no Parlamento desde 2001.
O tribunal começou a julgar o caso em meados de fevereiro, motivado por dois processos abertos pela ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) e pelo PPS (hoje, Cidadania).
Durante a votação, o ministro Gilmar Mendes defendeu que a demora do Congresso levou o Supremo a “preencher essa lacuna”. “A ausência de criminalização acaba contribuindo para restrições de direitos fundamentais”, disse.
Para evitar um dano maior, Toffoli propôs que a decisão valesse até que o Congresso decida sobre o assunto.
Mesmo assim, parlamentares religiosos viram na solução para o caso não só “usurpação” da competência do Congresso como ativismo. Isso porque, segundo eles, o Supremo “deu um jeito” ao interpretar a Constituição para enquadrar a homofobia dentro dos crimes de racismo.
Tentando vacinar o Supremo contra esse tipo de avaliação, Toffoli vem batendo na mesma tecla. Nas conversas com os partidos, diz sempre que o plenário vem sendo forçado a decidir em temas que seguem engavetados no Congresso.
Toffoli vem se esforçando para cumprir essa agenda porque não quer ver repetido no STF o que ocorreu com Bolsonaro.
Recentemente, o presidente da República teve o poder de sua caneta restringido pela trava no número de medidas provisórias definidas pelo Congresso. Agora há regras forçando o Planalto a negociar apoio para suas medidas junto à Câmara e ao Senado.
O ataque ao ativismo legislativo do Supremo, especialmente na pauta dos costumes, é promessa de campanha de Bolsonaro.
A proposta apresentada por Chris Tonietto diz que “o Poder Judiciário tem invadido, de forma flagrante, a competência do Legislativo, passando, então, a legislar, contrariando também a vontade popular e, por conseguinte, ferindo a democracia norteadora do Estado de Direito”.
Nos últimos meses, o Supremo já tomou uma série de decisões que contrariou o governo Bolsonaro. A mais recente no último dia 24, quando o ministro Luís Roberto Barroso derrubou, em decisão liminar, medida provisória editada pelo presidente que devolveu ao Ministério da Agricultura a atribuição de demarcar terras indígenas após o Congresso ter barrado tal iniciativa.
Dias antes, o tribunal já havia barrado a decisão de Bolsonaro de extinguir conselhos federais e suspendido a privatização de uma subsidiária da Petrobras.
A tensão entre o governo e o STF começou com o caso de uma deputada do PSL de Santa Catarina que, em sua página nas redes sociais, pedia para estudantes gravarem professores que estivessem fazendo “doutrinação” em favor de partidos de esquerda ou contra Bolsonaro.
A iniciativa da deputada replica um dos artigos de um projeto de lei apresentado na Câmara sobre o Escola sem Partido que pretende assegurar aos estudantes o direito de gravar aulas como forma de coibir doutrinações.
O ministro do Supremo Edson Fachin barrou a deputada e, logo em seguida, o projeto saiu da pauta no Congresso.
FONTE: FOLHAPRESS
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