Ele também avalia que Congresso não pode alterar Constituição para voltar a permitir execução da pena já na segunda instância
Relator das ações que levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a rever a orientação que permitia prisões após condenação em segunda instância, o ministro Marco Aurélio Mello avalia que a Corte não poderá reanalisar o tema, a menos que haja uma mudança no texto constitucional. Mas ele também entende não ser possível alterar esse ponto da Constituição, uma vez que se trata de cláusula pétrea, ou seja, um direito ou garantia individual que não pode ser abolido.
Ele e o ministro Celso de Mello, que votaram pela prisão apenas depois do trânsito em julgado, ou seja, quando não é mais possível apresentar recursos, farão 75 anos em 2021 e 2020 respectivamente. Com isso, terão de deixar o STF e serão substituídos por ministros indicados pelo presidente Jair Bolsonaro, que é favorável à prisão já na segunda instância. Essa mudança pode levar a uma mudança no equilíbrio de forças da Corte, o que poderia fazer com que o STF mudasse mais uma vez seu entendimento sobre o momento em que a pena deve ser executada.
É possível o Congresso aprovar uma mudança na Constituição?
Sob minha ótica não há, porque eu disse em meu voto que essa cláusula é pétrea. Se não for direito fundamental aguardar o trânsito em julgado para ter a execução da pena, o que será direito fundamental? Porque o (artigo) 60 da Constituição obstaculiza PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que vise afastar direitos e garnatias fundamentais. O ministro Dias Toffoli sinalizou muito, não sei por que, quase sugerindo que o Congresso aprove uma PEC, mas aí ficou como uma opinião dele. Isso não foi julgado.
No ano que vem, haverá a saída do ministro Celso de Mello, favorável ao trânsito em julgado, e em 2021 o senhor vai deixar o tribunal em razão da aposentadoria compulsória…
Aí sairemos nós dois. Vai surgir nova discussão. Como é que fica? É possível reexaminare o tema? Em processo objetivo, penso que não. Se a decisão tivesse sido em sentido contrário, eu passaria a decidir admitindo a execução provisória. Então, essa decisão em processo objetivo tem aquela eficácia, para utilizar uma expressão latina, erga omnes (vale para todos) . É diferente, ou seja, o tribunal não poderá rever sem modificação do texto constitucional. Não poderá rever a interpretação que prevaleceu.
Para críticos da decisão do STF, a combinação de trânsito em julgado e restrição do foro privilegiado, decidido em 20818, poderá ajudar os políticos, porque antes era uma instância apenas, no Supremo, e o processo acabava. Agora são quatro instâncias.
Aos críticos, ressalto: em Direito, o meio justifica o fim, não o fim ao meio, sob pena de ter-se justiçamento. Se a consequência da ordem jurídica é essa, pouco importa se beneficia ou prejudica. O importante é que prevaleça a ordem jurídica constitucional.
O senhor teme que o mecanismo da prisão preventiva possa ser usado para driblar a decisão do STF e manter os condenados em segunda instância presos?
Isso aí é sempre possível. Numa visão punitivista, pode. Mas apenas numa visão punitivista, e não numa visão jurídica, considerado o direito posto.
Pode acabar aumentando o número de prisão preventivas?
Pode, se distorcer o sistema jurídico, tudo é possível. Você veja que, afastada a condução coercitiva (numa decisão dada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF) , aí se passou a potencializar — tenho sérias dúvidas quanto à harmonia com a Constituição Federal — a prisão temporária, a antiga prisão do regime militar para a averiguação.
O STF discutiu brevemente, mas não decidiu, sobre a possibilidade de prisão imediata após condenação no tribunal do júri.
Por que excepcionar o tribunal do júri se é cabível pelo Código de Processo Penal, numa via afunilada, recurso contra o pronunciamento? As situações jurídicas que respaldam recurso estão exemplificadas no artigo 593 do Código de Processo Penal. Então não dá para excepcionar. Eu vi o ministro (Toffoli) falando muito sobre isso, mas não decidimos nada a respeito.
Ficou definido no julgamento de que vai ser caso a caso, que não haverá uma decisão liberando de forma geral os condenados em segunda instância.
Eu coloquei em meu voto, mas ficou como opinião minha, a consequência imediata do pronunciamento do Supremo, ou seja, a soltura de quem está está preso ante a execução provisória da pena. Coloquei, mas aí o colegiado não enfrentou. Ficou como minha opinião. Penso que é consequência normal, natural da decisão do Supremo é a soltura. Agora, claro que as defesas deverão pleitear, a Defensoria Pública também, porque o Brasil é acima de tudo um país cartorário, burocrático.
Então, na opinião do senhor, não seria necessário haver pedidos da defesa.
Para mim, não. Situação enquadrável, consequência natural.
Condenados que foram presos em razão do entendimento anterior e que agora poderão ser soltos poderão pedir algum tipo de reparação pelo tempo em que ficaram presos?
A responsabilidade do Estado no Brasil engatinha. Você veja. Nós quando estamos dirigindo numa via pública, há uma cratera que não poderia existir, nós quebramos uma roda e fica por isso mesmo. Então claro que a possibilidade de responsabilizar o Estado é latente. Mas não estou sugerindo que busquem isso, não. Estou apenas esclarecendo a matéria.
FONTE: ÉPOCA
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