Presidente da Casa afirma que polêmica em torno das urnas eletrônicas foi “longe demais”. Proposta defendida por Bolsonaro foi rejeitada em comissão especial na véspera.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta sexta-feira (06/08) que vai levar a plenário a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, que foi rejeitada por uma comissão especial da Casa na véspera.
“Pela tranquilidade das próximas eleições e para que possamos trabalhar em paz até janeiro de 2023, vamos levar a questão do voto impresso para o plenário, onde todos os parlamentares eleitos legitimamente pela urna eletrônica poderão decidir”, disse o deputado em pronunciamento. “Não há nada mais livre do que deixar o plenário se manifestar.”
Lira acrescentou que o imbróglio em torno do voto impresso – foco dos recentes ataques de Bolsonaro a integrantes do Judiciário – teria ido “longe demais”. Com seus 513 deputados, “o plenário será o juiz dessa disputa que, infelizmente, já foi longe demais”, afirmou.
Na quinta-feira, uma comissão especial da Câmara rejeitou, por 23 votos a 11, o parecer favorável à PEC do voto impresso elaborado pelo deputado Filipe Barros (PSL-PR).
Lira já havia destacado, contudo, que comissões especiais são apenas opinativas, e não terminativas, e que, portanto, a proposta de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) ainda poderia ser discutida em plenário.
A oposição vê pouca chance de a PEC ser aprovada no plenário da Câmara, o que exigiria ao menos 308 votos a favor, em dois turnos de votação. No Senado, a proposta precisaria de pelo menos 49 apoiadores, também em dois turnos. Se aprovado, o texto teria que ser promulgado até o início de outubro para vigorar já nas eleições de 2022.
Horas antes do anúncio de Lira nesta sexta-feira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também afirmou que a tendência é de rejeição da PEC no Congresso.
“O que se avizinha é uma solução com a votação de ontem na comissão da Câmara dos Deputados, um reconhecimento, de que a tese do presidente, de seus apoiadores e parlamentares, é uma tese que a princípio será vencida. Sendo vencida, todos aqueles que foram vitoriosos na tese, e derrotados na tese, haverão de respeitar, porque isso é democrático, o resultado das eleições de 2022.”
Nova bandeira de Bolsonaro
O voto impresso é uma das principais bandeiras atuais de Bolsonaro e seus aliados. O presidente já afirmou diversas vezes, sem apresentar provas, que o sistema eleitoral brasileiro é vulnerável e que houve fraude nas eleições anteriores.
Críticos apontam que Bolsonaro, assim como fez o ex-presidente Donald Trump nos Estados Unidos, semeia dúvidas sobre o processo eleitoral para abrir o caminho para não aceitar o resultado do pleito presidencial do ano que vem caso seja derrotado.
Bolsonaro já sinalizou diversas vezes que poderia não aceitar o resultado em 2022 se não fosse adotado o voto impresso – ao qual ele se refere como auditável, apesar de a urna eletrônica já ser auditável, segundo garante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Nesta semana, o TSE tomou duas ações concretas contra o presidente em função de seus recentes ataques. Os ministros autorizaram, por unanimidade, a instauração de um inquérito administrativo para que a Corregedoria da Corte apure a ocorrência de crimes nessas condutas de Bolsonaro.
Na mesma sessão, também por unanimidade, o tribunal aprovou enviar ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma queixa-crime contra Bolsonaro pelo conteúdo de uma live que ele fez na semana passada, na qual exibiu teorias falsas, cálculos equivocados e vídeos antigos, já verificados e desmentidos, como supostas evidências de fraude no sistema eleitoral.
Em resposta à queixa-crime, o ministro do STF Alexandre de Moraes incluiu o presidente como investigado no inquérito sobre fake news e atos antidemocráticos que já tramita na Corte.
Atrito com Poderes
Em sua live semanal desta semana, antes de a comissão da Câmara rejeitar a PEC, Bolsonaro voltou a condicionar a realização de “eleições democráticas e transparentes” no ano que vem. Ele ainda se disse disposto a dialogar com os demais Poderes, mas novamente atacou os ministros do Supremo Luís Roberto Barroso, também presidente do TSE, e Alexandre de Moraes.
Diante das repetidas investidas de Bolsonaro contra o sistema eleitoral e o Judiciário, o presidente do STF, Luiz Fux, decidiu na quinta-feira cancelar uma reunião entre os chefes dos Três Poderes que deveria ocorrer nos próximos dias.
Em vez disso, Fux recebeu nesta sexta-feira o procurador-geral da República, Augusto Aras, para uma reunião “sobre a relação entre as instituições”, conforme nota divulgada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O encontro durou cerca de 50 minutos, e as autoridades deixaram o Supremo sem falar com a imprensa.
“Considerando o contexto atual, o ministro Fux convidou Aras para conversar sobre as relações entre o Judiciário e o Ministério Público. Ambos reconheceram a importância do diálogo permanente entre as duas instituições”, disse o STF em nota divulgada minutos após a reunião.
Também nesta sexta, Bolsonaro voltou a xingar autoridades do Supremo. Em vídeo compartilhado nas redes sociais, o presidente chama o ministro Barroso de “filho da puta” diante de apoiadores em Joinville, Santa Catarina.
Mais tarde, em discurso a empresários, Bolsonaro declarou que uma parte do STF quer ver o retorno “da corrupção e da impunidade”, mas negou ter ofendido qualquer ministro recentemente.
“Não ofendi nenhum ministro do Supremo, apenas falei da ficha do senhor Barroso, defensor do terrorista [Cesare] Battisti, favorável ao aborto, da liberação das drogas, da redução da idade para estupro de vulnerável. Ele quer que nossas filhas e netas de 12 anos tenham relações sexuais sem problema nenhum. Este mesmo ministro votou pelo direito das amantes”, disse o presidente.
Atual presidente do TSE, Barroso tem se posicionado contra o voto impresso e insiste que jamais foi registrado caso de fraude desde a implementação das urnas eletrônicas, em 1996.
FONTE: DEUTCHE WELLE
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