Iniciativa de ‘acabar’ com o modelo que cobra juros acima de 400% ao ano foi apresentada pelas instituições financeiras
O governo e o setor financeiro discutem uma série de alternativas para equacionar os altos juros do crédito rotativo, e uma delas envolve o fim da modalidade na prática. Outras ideias incluem desestimular o parcelamento sem juros, seja por meio de tarifas mais altas aos comerciantes, seja com preços diferentes em vendas no cartão para pagamentos à vista ou parcelados.
O assunto vem sendo discutido em grupo de trabalho criado pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) com o Ministério da Fazenda e o BC (Banco Central), anunciado em abril. Inicialmente, chegou-se a falar em um teto para os juros no rotativo, mas a ideia foi descartada após o setor mostrar os prejuízos para a cadeia de cartões. O presidente da CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras), Rodrigo Maia, disse na segunda-feira (22) que não há definições a respeito do tema.
Segundo um agente do setor, a proposta de “acabar” com o rotativo foi levada pelos bancos e não foi rechaçada pela Fazenda, que vinha apresentando outras soluções para tentar compensar uma redução nos juros do rotativo, como quer o governo. Entre as opções estão cobranças de taxas fixas no parcelado sem juros e elevação da tarifa de intercâmbio.
Funcionaria da seguinte forma: se o cliente não pagar a fatura ou pagar o mínimo, o saldo devedor, em vez de entrar no rotativo, poderia ser parcelado em até 12 vezes, com uma taxa menor do que a cobrada hoje no rotativo. Em março, a taxa anual chegou a 430,5% ao ano, o maior percentual desde março de 2017 (490,3%). No caso do parcelado, a taxa anual chegou a 192% em março.
Desde abril de 2017, há uma regra que obriga os bancos a transferir, após um mês, a dívida do rotativo do cartão de crédito para o parcelado, a juros mais baixos. A proposta levada pelos bancos seria, na prática, reduzir esse prazo de um mês para zero.
Apesar de enfrentar resistências no setor, por potencialmente criar mais uma “jabuticaba” brasileira, a proposta é vista como uma solução possível, ainda que não ideal. Conforme um representante do setor, “seria uma possibilidade”, pois “não prejudica o comércio, porque mantém o parcelado sem juros, e não prejudica os adquirentes, porque não precisa mexer na taxa de câmbio”.
Segundo um interlocutor, o diagnóstico sobre o rotativo é claro: há uma transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, pois é a classe baixa que costuma acessar o produto. No entanto, é um problema difícil de resolver, considerando a cadeia longa, e que cerca de 80% das transações no cartão, nas modalidades à vista e parcelado sem juros, não geram receita de crédito.
Por outro lado, o fim do parcelado sem juros teria forte impacto sobre o comércio em um momento em que o governo tenta fazer com que a economia acelere. O setor estima que de 40% a 45% das transações com cartões de crédito sejam através do parcelamento sem juros.
“Acabar com o parcelado poderia atrapalhar a eletronização dos pagamentos e a inclusão financeira […], justamente o oposto do que os reguladores tentam fazer”, escreveu o analista Jorge Kuri, do Morgan Stanley, em relatório divulgado na última semana.
Há discussões entre agentes do setor a respeito da atual estrutura do rotativo. Os bancos afirmam que os altos juros da modalidade financiam o parcelado sem juros. Em relatório recente, o JPMorgan diz que 25% da carteira de cartões no Brasil tem rendimento via juros, enquanto os outros 75% são remunerados apenas por mecanismos como anuidade ou tarifas de intercâmbio. Em outras economias, inclusive da América Latina, a porção da carteira que gera margens é maior.
Parte do setor considera que não é correto afirmar que os emissores de cartões não são remunerados pelo risco. Segundo um agente do segmento que pediu sigilo, os bancos já são remunerados pela tarifa de intercâmbio, que é mais alta no crédito. Os bancos rechaçam essa percepção.
O intercâmbio é a tarifa estabelecida pelas bandeiras e paga pelas empresas de maquininhas aos emissores dos cartões em cada transação, como forma de remunerá-los. No Brasil, há limites de 0,5% nas tarifas em transações com cartões de débito e de 0,7% em transações com cartões pré-pagos, estabelecidas pelo BC e que entraram em vigor em abril deste ano. No cartão de crédito não há limite, e as tarifas são superiores a 1%.
Questionado sobre as discussões do rotativo, o BC afirmou que não vai comentar. A Fazenda disse que não discute medidas ainda não anunciadas. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) responde que está em discussões técnicas com o BC e a Fazenda e que ainda não há uma definição.
FONTE: ESTADÃO CONTEÚDO – AGÊNCIA ESTADO
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