A deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSD) vai ter que dar explicações ao Conselho Tutelar, na próxima quarta-feira, sobre a adolescente tratada por ela como filha e mantida em situação irregular em sua casa há seis anos. A jovem nunca foi adotada e a parlamentar sequer possui sua guarda legal. A informação foi publicada na última sexta-feira, com exclusividade, pelo EXTRA.
De acordo com a presidente do Conselho Tutelar do Largo da Batalha, Eliana Virgílio, Flordelis será notificada nesta segunda-feira a comparecer na sede do órgão para dar esclarecimentos sobre a situação da adolescente. Após a averiguação que será feita, o Ministério Público estadual do Rio será informado do caso.
– Ela será notificada para comparecer à sede na próxima quarta-feira. Precisamos saber como essa criança foi parar na casa dela. Cadê os pais dessa menina? De que maneira ela está com essa menina? É preciso saber. Ela também será orientada a como proceder para regularizar a situação da adolescente. Nós nunca recebemos nenhuma notícia de nenhuma irregularidade na casa (de Flordelis) – afirma Eliana.
Em discurso em fevereiro deste ano, na Câmara dos Deputados, Flordelis citou a filha, alegando que possuía a sua guarda e tentava conseguir um registro de nascimento para a jovem, já que ela não possui o documento. Especialistas ouvidos pelo EXTRA, no entanto, garantem que a Justiça não concede a guarda de um menor sem determinar a expedição de uma certidão de nascimento no mesmo processo, ainda que com dados presumidos. Além disso, O EXTRA apurou que não há qualquer processo na Justiça sobre adoção ou guarda da adolescente.
Procurada pelo EXTRA, a assessoria de imprensa de Flordelis se negou a fornecer o número do processo de guarda que a deputada alega possuir e também o termo de guarda da adolescente. No discurso na Câmara em que cita a jovem, Flordelis admite que conseguiu, mesmo sem a certidão, matriculá-la numa escola, “mesmo que de forma ilegal”. Flordelis foi eleita deputada federal no fim do ano passado, com quase 200 mil votos. Uma de suas principais bandeiras foi a desburocratização da adoção no Brasil.
“Há seis anos eu luto para que minha filha tenha um registro de nascimento. Eu tenho a guarda legal da minha filha. Essa guarda tem sido renovada tempo a tempo. Minha filha hoje só frequenta uma escola porque eu tive que ir lá implorar para minha filha entrar naquela escola, mesmo que de forma ilegal”, afirmou Flordelis em seu discurso, que foi gravado e consta em vídeo obtido pelo EXTRA. Nessa quinta-feira, questionada sobre a situação irregular da adolescente, a assessoria de imprensa de Flordelis afirmou que a posição da deputada é “exatamente” o que ela diz na gravação.
De acordo com Eliana Virgílio, a escola da adolescente também será notificada para dar explicações, assim como as secretarias estadual ou municipal de Educação, caso ela estude em uma instituição da rede pública.
– Temos que saber como se deu a matrícula dessa adolescente – diz a conselheira tutelar.
A guarda citada pela parlamentar é a provisória, que é necessário renovar periodicamente. A advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA) da OAB/RJ explica que a certidão de nascimento é um documento extremamente necessário para a vida da criança. É direito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a regularização do registro civil dos menores.
– Não existe guarda sem a expedição da certidão de nascimento. É a certidão que torna a criança um sujeito de direitos, é um documento necessário para a vida dela. No processo de guarda, o juiz manda expedir a certidão. Uma criança sobre a qual não se conheça os dados, as informações (da certidão) serão presumidas – explica a advogada, que foi uma das palestrantes do “Cruzada da Adoção”, evento realizado na Câmara dos Deputados, em maio deste ano, e liderado por Flordelis. Silvana atua há 26 anos na área da Infância e Juventude.
Em outro pronunciamento este ano, durante uma sessão na Comissão de Seguridade Social e Família na Câmara dos Deputados, Flordelis voltou a citar a filha. A parlamentar contou que a jovem chegou em sua casa com um nome que seria de batismo, mas desejava ter outro. O EXTRA apurou que na família da parlamentar, pouco se sabe sobre a origem e história da adolescente. Há dúvidas, inclusive, sobre sua verdadeira idade. Flordelis chegou a relatar que a garota foi deixada por uma das avós dela na igreja fundada e dirigida pela parlamentar.
Flordelis está sendo investigada pela Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo pela morte de seu marido, o pastor Anderson do Carmo. Dois filhos da parlamentar já foram indiciados por participação no crime, no fim da primeira fase das investigações. A Polícia abriu um novo inquérito para continuar apurando o envolvimento de outras pessoas no crime.
Procurada pelo EXTRA, a assessoria de imprensa do Ministério Público estadual informou que a denúncia publicada na última sexta-feira, na matéria do EXTRA, foi distribuída para a 2ª Promotoria de Justiça da Infância de Niterói, que vai avaliar as medidas que serão tomadas.
Já a assessoria de imprensa da Câmara dos Deputados informou que questões envolvendo comportamento de parlamentares são avaliadas pela Corregedoria Parlamentar ou pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. “Ambas as instâncias agem exclusivamente mediante a apresentação de pedidos de representação contra um determinado parlamentar”, o que ainda não ocorreu.
A Procuradoria Geral da República informou apenas que “não antecipa posicionamentos”. A Polícia Civil do Rio ainda não respondeu os questionamentos feitos pelo EXTRA.
Outras polêmicas
Nessa quinta-feira, o EXTRA noticiou com exclusividade que Rayane, a primeira criança abrigada por Flordelis, também não foi adotada. Ela foi levada para a casa da parlamentar com poucos dias de vida, ficou sob os cuidados de Simone dos Santos, filha biológica de Flordelis, e foi registrada como sua filha sem passar pelo aval de um juiz. O EXTRA apurou que também não há nenhum processo na Justiça sobre a adoção da jovem. Registrar o filho de outra pessoa como seu é crime previsto no Código Penal. A pena para o delito é de dois a seis anos.
Ainda que desejasse adotar Rayane, Simone seria impedida por lei. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a diferença de idade entre quem adota e quem está sendo adotado precisa ser de, no mínimo, 16 anos. A diferença entre Simone e Rayane é de apenas 13 anos. Procurada pelo EXTRA, a assessoria de imprensa de Flordelis se recusou a dar uma resposta sobre o fato da jovem não ser adotada.
Rayane foi registrada como filha de Simone e de André Luiz de Oliveira, filho afetivo de Flordelis. André e Simone foram casados, mas se separaram há cerca de 10 anos. Pela previsão do ECA, André Luiz também não poderia sequer adotar Rayane, pois a diferença de idade entre eles é de 15 anos.
Outro caso na família de Flordelis no qual pairam dúvidas sobre a paternidade é de Daniel dos Santos Souza, de 21 anos. O rapaz sempre foi apresentado pela parlamentar e por Anderson como filho biológico do casal. Em seu depoimento à polícia, a mãe de Anderson, Maria Edna do Carmo, afirmou que o pastor não tinha nenhum filho biológico. Segundo Edna, Daniel é adotado. Não há, no entanto, nenhum processo de adoção do rapaz e ele foi registrado como se fosse filho de Flordelis e Anderson.
FONTE: EXTRA
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