Em Linhas Gerais

Em Linhas Gerais: Ninguém pode gloriar-se de saber que Deus existe ou não -por Gessi Taborda

DIGRESSÕES FILOSÓFICAS

Somos a unidade da federação com um filósofo no comando. Isso faz a alegria de nossos concidadãos responsáveis pela dupla vitória desse filósofo. Aproveitemos desse espaço para fazer também nos finais de semana o nosso prazer de filosofar, na esperança difícil de se realizar, que é o encontro desse homem do mais profundo conhecimento nessas terras de Rondon.

 

A(S) PERGUNTA(S)

Qual é a constituição da razão, que inevitavelmente coloca perguntas que depois não sabemos responder? Essas perguntas, diz Kant, têm a ver com a liberdade: somos livres ou estamos inseridos na cadeia do determinismo causal?

Com a imortalidade: tudo acaba com a morte ou continuamos para lá dela?, Com Deus: há Deus ou Deus realmente não existe? Perguntas decisivas a que a razão científica não sabe responder.

Ninguém pode gloriar-se de saber que Deus existe ou não existe e que haverá ou não vida futura. Se alguém o souber, escreva, pois “esse é o homem que há muito procuro, porque todo o saber é comunicável e eu poderia participar nele”.

 

SEM AVANÇOS

Sobre aquilo que decisivamente nos interessa estamos praticamente na situação de sempre: nesses domínios, o saber no sentido científico estrito não avança. Mesmo sobre a morte o que é que sabemos?

Tenho meus pais morto, enterrados defronte à UNIR. Às vezes sinto que estou próximo a também baixar a tumba onde eles foram colocados. E confesso: não tenho nenhuma comprovação do que é morrer.

Aliás, ninguém sabe o que é morrer. Será como li em M. Heidegger: “A morte do outro revela-se como uma perda, mas sobretudo como a perda que experimentam os que ficam. A perda sofrida não lhes dá, porém, acesso à perda de ser enquanto tal que o moribundo “sofreu”.

Nós não experimentamos no sentido forte desta palavra “o falecimento dos outros”. “Quando muito, a única coisa que fazemos é “assistir” a ele.” Por isso, ninguém sabe também o que é estar morto, nem sequer para o próprio morto.

 

SEM SENTIDO

Depois, as palavras deslizam para o sem sentido, quando, perante o cadáver, dizemos, por exemplo: o meu pai está aqui morto, a minha mãe está aqui morta, o meu amigo está aqui morto, a minha amiga está aqui morta… De fato, o que falta é precisamente o sujeito: o pai, a mãe, o amigo, a amiga…

Como não faz sentido dizer que os levamos à última morada, que os cremamos ou enterramos. Quem se atreveria a enterrar, a cremar o pai ou a mãe, o amigo, a amiga, o filho? E, quando vamos ao cemitério, que jogo de linguagem é esse que nos leva ao atrevimento de dizer que os vamos visitar?

 

TERRA DE NINGUÉM

De fato, nos cemitérios, com exceção dos vivos que lá vão, não há ninguém – o Evangelho é cru: ali, só há “ossos e podridão”. Assim, pergunta-se: o que há lá então, para que a violação de um cemitério seja um crime hediondo? O que lá há é uma interrogação infinita, para a qual não há resposta adequada: O que é o Homem? O que é o ser humano?

ASSUNTO EVITADO

Para quem, como eu, que se aproxima do ponto final, é importante falar (escrever) sobre esse assunto. Mesmo sabendo que hoje não é de bom tom falar ou escrever sobre estes temas. Mas não é a morte, fato perfeitamente natural, que se torna espaço de e da cultura? Sem a morte e a sua consciência, haveria religiões e filosofias? E nem muitas músicas imortais (“me dê as flores em vida, o carinho e a mão amiga […] Depois que eu me chamar Saudades não preciso de vaidades”, como disse Nelson do Cavaquinho) seriam compostas.

 

CRISE DO NOSSO TEMPO

O sintoma mais claro da crise deste nosso tempo – uma crise financeira, social, econômica, religiosa, moral – é a morte tornada tabu, o único tabu. Para ser o que é, a nossa sociedade não teve apenas de fazer da morte tabu, ela é a primeira na história a colocar o seu fundamento sobre o tabu da morte: disso não se fala e vive-se como se ela não existisse.

 

FILÓSOFOS

Não sei se o filosófico governador consegue esgrimir a palavras para a compreensão desse tema tabu como outros filósofos de alto saber. O que se passou é que, como analisou Max Weber, na distinção entre Zweckrationalität (racionalidade referente a um fim condicionado, no quadro de imperativos hipotéticos) e Wertrationalität (racionalidade referente a valores morais categóricos), a primeira assumiu o primado e até o monopólio.

A razão instrumental ou racionalidade técnica substituiu a razão prática enquanto racionalidade moral. Assim, como escreve o filósofo Luc Ferry, o nosso mundo é completamente dominado pela concorrência total, “o benchmarking, competição das empresas entre si, mas também dos países, das culturas, das universidades, dos laboratórios, etc”.

 

MUNDO MELHOR

A história já não avança animada pela representação de uma finalidade, pelo projeto de construir um mundo melhor. Ela nem é animada por objetivos como a liberdade, a felicidade e o progresso. Já não avançamos referidos à representação de uma finalidade, mas apenas impelidos pela obrigação absoluta de fazer crescer os meios de que dispomos.

LIQUIDAÇÃO POLÍTICA

Daí, “a liquidação progressiva do sentido que caracteriza a vida política moderna”. É preciso produzir, competir, inovar sempre, cada vez mais, mas, agora, “sem saber porquê nem para quê, em virtude de que finalidade”, de tal modo que o homem moderno se tornou “o funcionário da técnica”, como já tinha refletido M. Heidegger.

 

CIRCULAÇÃO RESTRITA

E por essas reflexões, fácil é concluir por que Rondônia vive essa realidade. Aqui amor genuíno é uma moeda em circulação restrita. Não é extensível a todos por igual. O amor e o dinheiro são as divisas vigentes no mercado vivencial da capital e do estado, e são responsáveis pelo seu secionamento em classes. Nem todos podem escolher a última morada em frente a UNIR.

Estamos, pelas ingerências políticas, cercados de pobres do amor – para quem o amor apenas é possível por caridade ou subsídio.

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