Brasil espera pico de nova onda nas próximas semanas, mas ações entre instâncias do Executivo continuam sem coordenação
A disparada de casos de Covid-19 tem suscitado novos embates entre as instâncias do Poder Executivo. Enquanto o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, cobra ação de estados e municípios para acelerar a vacinação e realizar mais testagens, os governadores unem-se para demandar assistência do governo federal na adoção de medidas sanitárias para o enfrentamento à pandemia e abertura de leitos. Em meio à dinâmica de bate e rebate, o Brasil assiste à Ômicron dominar quase 98% das amostras sequenciadas sem que o país tenha ainda atingido o pico da nova onda, como avalia o Ministério da Saúde.
Pelas estimativas da pasta, baseadas na análise do comportamento da nova variante em outros países, o Brasil está entrando na pior fase da nova onda. “Ainda não chegamos ao pico da onda causada pela Ômicron”, já disse Queiroga, com base nas análises epidemiológicas semanais. O monitoramento indica a chegada a esse patamar até 20 de fevereiro, já que ele “acontece cerca de 45 dias após o início das infecções”, segundo o ministro.
A expectativa do ministério, no entanto, é que haja um declínio mais rápido desse novo pico em relação às demais ondas. Ainda assim, Queiroga segue alertando que “o enfrentamento da doença continua” e cobra ações por parte dos entes federados. “O ritmo heterogêneo da vacina mostra que é preciso haver um empenho dos estados e municípios. Não basta o Ministério da Saúde. Pelo contrário: o ministério tem trabalhado fortemente para levar vacinas para o povo brasileiro.”
A necessidade de acelerar a vacinação foi reconhecida pelos líderes estaduais. Na última reunião do Fórum dos Governadores, os gestores firmaram a meta de chegar a 15 de março com mais de 80% da população do Brasil completamente vacinada. Outras três medidas foram pactuadas entre os governadores e levadas ao Ministério da Saúde, por intermédio do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde).
Para conter a transmissão e por recomendação do comitê científico de combate à Covid do Consórcio Nordeste, a suspensão de festas carnavalescas é ponto-chave para minimizar os impactos da nova onda. Segundo o porta-voz da reunião, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), o objetivo é “garantir a suspensão de eventos públicos e privados, não só do Carnaval, mas de outros programados para os próximos 30 dias”.
Haverá revisões periódicas sobre o momento epidemiológico a fim de flexibilizar ou restringir medidas. “Todos os estados devem manter, pela recomendação, as medidas voltadas para a prevenção: uso da máscara, distanciamento, higiene e devemos ampliar a capacidade de triagem de contatos”, afirma Dias.
Ao ministério, os entes federados solicitam mais controle nas fronteiras do país, com medidas efetivas de exigência de testes laboratoriais para entrada em território nacional. Pedem, ainda, que seja retomado o modelo de credenciamento de leitos de UTIs que vigorou até janeiro de 2022, para permitir o credenciamento de uma reserva técnica 20% maior do que a demanda atual.
O Ministério da Saúde prorrogou, neste ano, o custeio de mais de 14 mil leitos para adultos e pediátricos para atender a pacientes com Covid-19, mas Queiroga tem ressaltado que cabe aos estados realizar as demandas. Sobre a realização de testagem, o desempenho dos estados é ainda mais cobrado. “Nós passamos os testes para os estados e municípios, mas muitas vezes esses dados não são informados com a tempestividade devida.”
A cobrança, na avaliação do presidente do Conass, Carlos Lula, é indevida, uma vez que o governo federal não adotou, durante a pandemia, uma política de testagem em massa. “O ministro está enganado em relação ao que fizemos ou deixamos de fazer. Os estados compraram testes, entregaram aos municípios no momento em que o ministério não comprou teste nenhum. É papel da pasta coordenar isso. Agora, a essa altura, querer jogar a culpa no colo dos estados é difícil”, disse ao R7.
Quem também voltou a se isentar da responsabilidade no combate à pandemia foi o presidente Jair Bolsonaro. Em visita a obras de transposição do rio São Francisco no Rio Grande do Norte, na quarta-feira (9), ele disse não ter cometido erros no enfrentamento à pandemia. “Fui atacado covardemente o tempo todo, mas a decisão de conduzir a questão da pandemia, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, foi para governadores e prefeitos”, declarou, mencionando que “a política do fica em casa, lockdown, toque de recolher, foi desumana” e, segundo ele, não evitou contágios, apenas agravou a situação econômica.
Fato é que, em dois anos de enfrentamento à pandemia, o Brasil é o segundo país com mais óbitos por Covid-19, em números absolutos, e no ranking mundial de mortes proporcionais está em 13º lugar, com mais de 632 mil vidas perdidas. Com a transmissão pela Ômicron, os números voltaram a subir.
“O Brasil está vivendo uma terceira onda da Covid muito séria. Essa variante é quatro vezes mais transmissível que a Delta. Ocorre que essa nova onda, que ainda não está no pico, já produziu um número de casos que é duas vezes maior ao que tivemos em junho do ano passado, quando tínhamos, em média diária, 75 mil novos casos. Agora já temos 180 mil”, destaca Sérgio Resende, coordenador do Comitê Científico do Consórcio Covid.
A Ômicron já está presente em todo o território brasileiro e domina quase a totalidade dos sequenciamentos feitos pela Rede Genômica Fiocruz. Segundo os resultados da vigilância genômica, enquanto em dezembro de 2021 a variante representou 39,4% dos genomas sequenciados, em janeiro de 2022 esse índice chegou a 97,8%, sendo encontrada em todas as regiões do país.
Diante do cenário, o comitê coordenado por Resende recomendou as medidas restritivas acatadas pelos governadores. “Nós sabemos que essas recomendações trazem desconforto e até prejuízo econômico. Mas, infelizmente, são recomendações que temos que fazer para salvar vidas. Elas sim não têm preço”, completa Resende.
Apesar dos números alarmantes de novas infecções, por causa da vacinação as mortes têm crescido em menor patamar. Por outro lado, a transmissão acelerada põe em risco os que não estão completamente protegidos, como os que ainda carecem de completar o esquema vacinal primário ou tomar reforço, além das crianças que, apesar de serem proporcionalmente afetadas de forma menos grave, estão mais suscetíveis por terem iniciado recentemente a imunização contra a Covid.
O cientista de dados e coordenador da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt, atribui à vacina a redução no agravamento de casos e óbitos, na comparação com o surgimento de novos casos, mas pondera: “Temos uma variante muito mais transmissível. Mesmo os poucos casos graves que temos em vacinados podem gerar um número absoluto complicado de lidar nos hospitais”.
A nova nota técnica do Observatório Covid-19 Fiocruz revela que nove unidades federativas e 15 capitais estão na zona de alerta crítico de ocupação de leitos de UTI, quando a lotação é igual ou superior a 80%. Outros 11 estados e cinco capitais estão com alerta intermediário. “Se o Ministério da Saúde não financiar mais leitos Covid, podemos ter problemas mesmo com muito menos demanda, simplesmente por não termos leitos”, alerta Schrarstzhaupt.
Mesmo após passar o pico, o especialista recomenda atenção para que não haja um novo aumento da onda causada pela Ômicron, como ocorreu em outros países, como a Áustria. “Podemos ter uma queda durante o mês de fevereiro, mas que pode emendar com um novo aumento no início de março”, analisa Schrarstzhaupt, ressaltando, portanto, a necessidade de intensificar a campanha de vacinação e manter as medidas não farmacológicas, sobretudo evitar aglomerações nos festejos de Carnaval.
FONTE: R7.COM
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