Segundo pesquisa divulgada nesta quarta-feira pelo IBGE, no último ano, 13,5 milhões de brasileiros viviam com menos de R$ 145 por mês
A gradual melhora dos indicadores econômicos em 2018 não foi suficiente para reduzir a extrema pobreza no país. Segundo dados da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais , divulgada nesta quarta-feira pelo IBGE , no último ano, 13,5 milhões de brasileiros viviam com menos de R$ 145 por mês. O número é o maior da série histórica, iniciada em 2012.
A pesquisa mostra ainda que, entre 2014 e 2018, 4,5 milhões de brasileiros passaram a integrar essa parcela da população em situação miserável em virtude dos efeitos da crise econômica. Ou seja, um aumento de 50% no número de miseráveis em quatro anos. Entre 2017 e 2018, foram 200 mil a mais, apontando que o processo não se interrompeu após a recessão.
Em 2014, 4,5% da população estavam na extrema pobreza. No ano passado, eram 6,5%.
O rendimento médio dessas pessoas foi de R$ 69 por mês. O valor é bem abaixo do padrão definido pelo Banco Mundial para estabelecer o recorte de pobreza. Pelos critérios da instituição são considerados extremamente pobres aqueles que vivem com até com até US$ 1,90 por dia — o equivalente a cerca de R$ 145 por mês.
O número de pobres, que vivem com menos de US$ 5,50 por dia, pelos critérios do Banco Mundial, diminuiu em 1 milhão de brasileiros. Porém, as famílias em situação de pobreza ficaram mais pobres e, por isso, o número de miseráveis aumentou.
Os dados permitem traçar um perfil da extrema pobreza do país: majoritariamente composta por pretos e pardos (75%), com idade até 59 anos (96%) e sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto (60%).
O Maranhão é o estado com maior número de pessoas com rendimento abaixo da linha da extrema pobreza (19%). Santa Catarina, por sua vez, é a unidade da federação com menos pessoas nessa situação (1,4%).
Segundo Leonardo Queiroz Athias, analista da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE, a inserção no mercado de trabalho registrada em 2018 não foi suficiente para superar a pobreza dessa parcela da população. Segundo a pesquisa, 13,6% dos brasileiros em situação miserável possuíam alguma ocupação em 2018. Athias ressalta, no entanto, que muitos desses vínculos eram informais, com remunerações baixas. Em 2018, dois em cada cinco trabalhadores estavam nessas condições.
— (A linha de pobreza) são pessoas que não estão sujeitas a entrar no mercado de trabalho, são pessoas que estão mais fora (do mercado). A melhora no mercado de trabalho não atingiu esse pessoal, atingiu um pessoal que estava em uma linha mais alta de renda — explica Athias.
Entre 2017 e 2018, apesar da massa de rendimento médio mensal real domiciliar per capita ter aumentado — de R$ 264,9 bilhões para R$ 277,7 bilhões — o crescimento não foi registrado em todas as faixas da renda. Enquanto os 10% mais pobres acumularam o quarto ano de queda nos rendimentos, os 10% mais ricos registraram ganho.
Segundo projeções feitas pelo IBGE, para colocar essas pessoas em extrema vulnerabilidade dentro da faixa de pobreza, seria necessário um investimento adicional de R$ 1 bilhão mensalmente ou de R$ 76 por pessoa por mês. Esse montante é um cálculo aproximado, pois considera a alocação de recursos, sem custos operacionais e sem eventuais efeitos inflacionários desse investimento.
Diminui a cobertura do Bolsa Família
Athias explica que o Bolsa Família, que garante R$ 89 por pessoa mensais, não é suficiente para tirar o beneficiário da estatística de extrema pobreza estipulada pelo Banco Mundial, uma vez desde 2015, a instituição mundial utiliza como padrão R$ 145 mensais. O valor foi estipulado dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, do qual o Brasil é signatário.
Para fins do programa de redistribuição de renda brasileiro, por exemplo, são extremamente pobres os que vivem com menos de R$ 3 ao dia, o que resulta em um rendimento mensal de R$ 90.
— O principal programa (Bolsa Família) tem uma linha de R$ 89, quando a linha de pobreza global é de R$145. Mesmo recebendo o Bolsa Família, ele vai estar nessa linha de pobreza — afirma o analista do IBGE.
Neste ano, o orçamento do Bolsa Família é de R$ 29,4 bilhões. Em 2020, o governo reservou R$ 30 bilhões para o programa. O total destinado não prevê um reajuste no valor do benefício.
Segundo dados da Pnad Contínua, que embasam o levantamento do IBGE, a parcela dos lares atendidos pelo Bolsa Família diminuiu. Passou de 14,9% em 2014, ano imediatamente anterior à crise que afetou fortemente o mercado de trabalho brasileiro, para 13,7% no ano passado.
O aperto na concessão do benefício veio junto com a queda de 14,3% da renda dessas famílias. O ganho per capita passou de R$ 398 para R$ 341. Entre os domicílios onde não há pessoas recebendo o auxílio, a queda foi muito menos intensa no mesmo período — 2014 a 2018 — de 1,4%.
Para o analista do IBGE, o retrato brasileiro só será melhorado caso haja uma melhora do mercado de trabalho e implantação de programas de redistribuição de renda.
— As facilidades de acessar um programa de erracadicação da pobreza, a possibilidade de entrar com um pedido de aposentadoria, todo esse tipo de ações tem influencia no recebimento de algum rendimento. Se você não tem acesso ao rendimento, não vai conseguir passar nesse critério de pobreza — destaca Athias.
Redução da pobreza concentrada no Sudeste
A despeito do crescimento da extrema pobreza, o número de brasileiros em situação de pobreza diminuiu em 2018. De acordo com o IBGE, a 25,3% da população (52,5 milhões de pessoas) possuíam rendimentos inferiores a US$ 5,50 por dia, aproximadamente R$ 420 mensais, o que equivale a cerca de 44% do salário mínimo vigente em 2018.
O número é 0,7 ponto percentual menor que em 2017, o que significa um milhão de pessoas a menos em situação de vulnerabilidade. No entanto, ainda é superior ao patamar de 2014, quando os pobres somavam 22,8% da população do país.
A pesquisa aponta que a ampliação da ocupação, em 2018, aliada ao crescimento do rendimento no trabalho, assim como do rendimento proveniente de aposentadorias e pensões, são fatores que ajudam a explicar esta dinâmica. O movimento, no entanto, foi concentrado na Região Sudeste, onde vivem 700 mil pessoas que deixaram a situação de vulnerabilidade.
“A incorporação de mais trabalhadores sem carteira ou por conta própria, embora não possa representar uma melhora no perfil do mercado de trabalho, que tende a se tornar mais informal, pode ser positiva para a redução de indivíduos vivendo em situação de pobreza”, destaca o estudo.
Mesmo com a redução da pobreza no intervalo de um ano, retirar essas pessoas dessa situação exige um grande volume de recursos. Nos cálculos do IBGE, seria necessário um investimento adicional de R$ 9,7 bilhões mensalmente para tirar os brasileiros dessa condição, ou R$ 186 mensais por pessoa.
FONTE: O GLOBO
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