‘Come-cotas’ antecipa o imposto de renda de quem investe em fundos. A cifra arrecadada pelo governo é no mínimo R$ 600 milhões maior do que a Receita recolheu há seis meses
Lembra do Pac Man? O joguinho do “come-come”? Pois, ele chega nesta sexta-feira (31) no seu bolso. Com o nome de “come-cotas”, ele vai levar mais do que os fantasminhas para casa.
Em um cálculo conservador, pelo menos R$ 5,836 bilhões devem sair das contas dos investidores de fundos de renda fixa, DI, multimercado e cambiais hoje.
O come-cotas é o nome simpático para uma cobrança de imposto (nada simpática) e significa o pagamento antecipado de imposto de rendaque alguns fundos de investimentos possuem. Sim, o governo cobra o imposto antes mesmo de você embolsar o lucro. E os fundos de renda fixa, DIs, multimercados e cambiais estão sujeitos ao come-cotas.
Se você investe em algum fundo desse tipo, já coloque na sua agenda as datas de aparição do “come-come dinheiro” na sua vida. É no último dia útil dos meses de maio e novembro.
Sim, o abatimento no seu dinheiro é semestral e automático. Não tem como fugir.
Quanto isso rende ao governo?
No ano passado, a Receita Federal recolheu R$ 4,4 bilhões em come-cotas na 1ª “parcela”, em maio, e na 2ª “parcela” foi ainda maior, de R$ 5,2 bilhões.
Para o recolhimento de 31 de maio, pelo menos R$ 5,8 bilhões devem ser apurados pela Receita Federal. Ou seja, o governo deve embolsar no mínimo R$ 600 milhões a mais em imposto do que recolheu há seis meses.
O cálculo feito pelo Valor Investe leva em consideração os seguintes dados:
- patrimônio líquido de R$ 1,276 trilhão em fundos de renda fixa, cambial e multimercado, segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais)
- Rentabilidade de 3,05% do CDI (índice de referência de aplicações em renda fixa) nos últimos 6 meses
- Estimativa de rendimento de R$ 38,911 bilhões
- Alíquota do come-cotas de 15%
- Estimativa de arrecadação de R$ 5,836 bilhões
Em linhas gerais, esse crescimento na arrecadação deve acontecer por dois motivos: tinha mais gente investindo e mais dinheiro aplicados nos fundos que são atingidos pelo come-cotas nos últimos seis meses.
E muitos desses fundos deram retorno positivo ao investidor. Afinal o imposto antecipado é sobre os ganhos dos investimentos. A diferença no come-cotas é que você paga imposto de renda antes mesmo de colocar os ganhos na sua conta.
Foi levado em consideração a rentabilidade do CDI que é, na maior parte desses fundos, a meta a ser batida pelos gestores.
Imposto antecipado?
A razão para muita gente reclamar do come-cotas é que, além de ser um imposto (algo que todo mundo já reclama mesmo), ele acaba corroendo uma parte da sua cota no fundo, ou seja, um “pedaço” do que você comprou do investimento.
Em português claro, a informação que aparece em seu extrato de investimentos é de que houve um resgate de cotas, mesmo sem você ter retirado um mísero real de lá. Não estranhe, é “só” o Pac Man (ops, o come-cotas) agindo.
“É ruim para o investidor porque ‘adianta’ uma parte do imposto de renda da pessoa e, por isso, o composto sobre o patrimônio inicial é sempre menor. O ponto crítico é que há uma redução de cotas do cliente”, diz Vitor Miziara, sócio da Criteria Investimentos.
Qual o tamanho do “beliscão”?
A alíquota cobrada é de 15% para fundos de longo prazo, com carteira formada por títulos com vencimento médio acima de 365 dias, e de 20% para fundos de curto prazo, com vencimento máximo de 365 dias.
O imposto de maio é cobrado com base no ganho acumulado desde dezembro. Já a cobrança de novembro incide sobre a rentabilidade registrada a partir de junho.
Se não houver ganho no período, não há cobrança de imposto via come-cotas.
A tabela de imposto de renda que incide sobre o ganho no momento do resgate do investimento é a regressiva, em que o tamanho da “mordida” diminui ao longo do tempo.
Quando o investidor decidir resgatar seus investimentos no fundo, o valor já pago no come-cotas será descontado do imposto de renda que ele irá pagar naquele momento de saída da aplicação.
Como fugir do come-cotas?
Uma aplicação sem come-cotas sempre vai ser mais vantajosa do que um investimento com imposto antecipado, avalia Marcelo d’Agosto, blogueiro do Valor Investe e consultor de investimentos com registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
“O come-cotas atrapalha um pouco a rentabilidade quando comparado com outros investimentos que não têm essa cobrança”, diz Vitor Miziara.
Embora d’Agosto considere a diferença pequena mesmo no longo prazo – em 10 anos os ganhos de outro investimento que renda 6,50% ao ano (aa) e que não tenha o come-cotas é de apenas 0,21% ao ano superior -, há opções para quem quer evitar esse imposto.
Existem fundos de investimentos que não têm a incidência de come-cotas, como os fundos de ações. Já existe até fundos de ações sem taxas de administração, saiba mais aqui.
Os fundos de investimentos estão entre as aplicações financeiras mais procuradas por brasileiros, segundo a CVM. Mas eles também têm restrições e não são recomendados para todos os bolsos.
Os fundos de índice, os ETFs (uma sigla para Exchange Traded Fund), também são uma opção. Parece complicado, mas é bem simples entender.
Imagine que você vai ao supermercado e coloca no carrinho dois quilos de arroz, cinco tomates, seis quilos de carne e um abacaxi. Seu amigo te liga, você explica o que comprou e ele pede pra você comprar a mesma coisa pra ele. Se você comprar tudo da mesma marca e na mesma pesagem, vocês terão cestas exatamente iguais, não? Como se fossem espelhos.
O ETF segue o mesmo princípio. Ele espelha uma cesta de ativos, que pode ser, por exemplo, um índice ou um fundo. No Brasil, o ETF mais conhecido é o que replica o Ibovespa, o principal índice de ações da bolsa de valores, a B3.
Mas já há opções de ETFs de renda fixa no Brasil, como o do Itaú, que tem uma cesta composta por títulos do Tesouro Nacional atrelados à inflação, e da gestora coreana Mirae Asset Global Investments, que tem como referência o índice “S&P/BM&F de Futuros de Taxas de Juros – DI 3 anos”.
Nós não vamos pagar nada
Tem investimento livre de impostos também. E no longo prazo a diferença entre eles e os fundos com cobrança de imposto é bem maior.
Um fundo com come-cotas que tenha rentabilidade de 6,50% ao ano (exatamente igual à taxa Selic), renderia 5,51% ao ano, ao longo de uma década, enquanto uma aplicação isenta, como LCI e LCA, que pague 90% do CDI (ou seja, abaixo da Selic) renderia 5,85% ao ano em 10 anos.
Vale lembrar que esses tipos de investimentos também costumam ser mais arriscados. Veja as opções disponíveis:
LCI e LCA
Esses dois conjuntos de letrinhas são siglas de investimentos de renda fixa que significam Letras de Crédito Imobiliário e Letras de Crédito Agrícola. São títulos de dívida que os bancos emitem e vendem a pessoas físicas.
Mas, fique atento. Há uma especulação de que o governo comandado pelo presidente Jair Bolsonaro, poderá tirar a LCI e a LCA da lista dos investimentos isentos. Acompanhe o Valor Investe para ficar sempre atualizado.
Entenda mais sobre a LCI e a LCA e como investir nesses títulos em nossa matéria só sobre o assunto. Clique aqui.
CRI e CRA
Outra dupla de letrinhas que nada dizem, mas que podem ajudar quem procura um investimento de longo prazo e que renda mais que a poupança, o CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários) e o CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) são bem parecidas com a LCI e a LCA.
Além de serem também investimentos de renda fixa, os dois são títulos de dívida que tem como destino final os setores imobiliário e agropecuário.
Entenda mais sobre o CRI e CRA e como investir nesses títulos em nossa matéria só sobre o assunto. Clique aqui.
Debêntures incentivadas
Da tradução do economês para o bom português, debêntures são títulos de dívida de empresas.
As debêntures incentivadas são papéis de dívida de empresas específicas – de infraestrutura (como estradas, aeroportos e portos) -, cujo setor o governo quer incentivar, daí o nome de debêntures incentivadas. Podem ser projetos de obras ou até serviços, mas com esse foco.
Algumas, inclusive, são chamadas de debêntures de infraestrutura. Há também a opção de investir em fundos de debêntures incentivadas, que compram diversos desses papéis (de várias empresas, projetos). Assim como os papéis isolados, os fundos não pagam imposto de renda.
Entenda mais sobre debêntures incentivadas e como investir neste títulos em nossa matéria só sobre o assunto. Clique aqui.
Fundos Imobiliários
Tem algumas regras para o investidor ser isento do imposto de renda nos rendimentos mensais dos fundos imobiliários. O fundo deve ser negociado em bolsa de valores e ter mais de 50 cotistas.
Essas são as duas principais regras. Além disso, o interessado não pode ter em seu nome mais de 10% do patrimônio do fundo.
Ações
Tem outras duas situações que você não paga imposto de renda, ambas ligadas a investimentos em ações.
Uma é quando recebe dividendos e quando você tem ganhos até R$ 20 mil ao mês, na venda de ações.
Dividendos – Uma ação é, na essência, uma fração de uma empresa negociada livremente no mercado (bolsa de valores, a B3 no Brasil). Quando você investe em ações, você pode ter dois rendimentos. Uma é a valorização da empresa (caso as ações subam e você consiga vender por um preço maior do que quando comprou) e a outra é quando a companhia tem lucro e distribui dividendos.
A maioria das empresas listadas na B3 distribuem aos acionistas (quem investe em ações) pelo menos 25% do lucro na forma de dividendos. O legal é que o IR sobre o lucro é cobrado diretamente das empresas e não dos investidores que compraram essas ações.
Venda de ações – Se você vender ações por um valor total de até R$ 20 mil apurado em um mês, por lei, você não terá desconto de imposto de renda. Se o valor de venda dos ativos somados ultrapassar R$ 20 mil, aí, meu filho, sinto muito, vai ter que pagar os impostos sobre o lucro (valor da venda menos o da compra do papel).
Agora que você já sabe que há outras opções isentas de imposto de renda, além da poupança, vale estudar os ativos e decidir qual poderia se encaixar mais na sua fase de vida e nos seus objetivos. Faça nosso teste sobre quais investimentos são mais indicados para você.
Você pode ver os detalhes de todas essas aplicações na nossa reportagem “8 investimentos isentos de imposto de renda“
FONTE: VALOR INVESTE
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