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ARTIGO: Velhice, essa estrangeira

Como você considera a velhice? Já parou para pensar nisso? Como concebemos a velhice define como tratamos os velhos – indivíduos que estão na fase da velhice – e como consideramos o nosso próprio envelhecimento. Essa reflexão se torna necessária para se viver a velhice.  

Beauvoir (1976), em sua obra A velhice: a realidade incômoda, afirmava que essa fase é irrepresentável psiquicamente por quase toda a vida, sabemos que ela vai chegar, mas não nos antecipamos a ela, não nos preparamos para ela. A velhice vem de fora, pelo nosso corpo que nos traz a lentificação dos gestos, a diminuição da força corporal; pelo olhar do outro e pela aparência que, de repente parece nos surpreender, na imagem do espelho. Conforme Beauvoir, “antes de desabar sobre nós, a velhice é coisa que só diz respeito aos outros” (1976, p.10). O velho é o outro. 

A velhice, frequentemente, é considerada apenas em seu aspecto de perda, declínio, adoecimento e proximidade da morte. De onde vem isso? A história do conhecimento técnico científico – e sua consequente aplicação técnica – é recente: ela data de aproximadamente 150 anos. Os estudos iniciais sobre a velhice abordaram as características peculiares do envelhecimento do organismo humano, dos órgãos em geral, inclusive do cérebro. Da descrição de especificidades do adoecimento do organismo envelhecido (Charcot, 1874), o que foi uma conquista importante, a velhice “normal” passou a ser tratada como espécie de patologia “normal” (Nascher,1922), o que é um equívoco.  

Essa concepção da velhice, a meu ver, foi internalizada e transposta para os campos social e psicológico. Na dimensão psicológica, a ideia de um envelhecimento cerebral se tornou a base para pensarmos a depressão, confusão mental e inclusive demências – como puramente efeitos do processo orgânico do envelhecimento. Aspectos ambientais e subjetivos são, por esse ponto de vista, desconsiderados. A velhice, proposta dessa forma, promove um subdiagnóstico e subtratamento do adoecimento psicológico dos velhos, pois esse “faria parte da velhice” e já “seria tarde demais para o seu tratamento”. Pela perspectiva social, na atualidade, a velhice tem um lugar negativo, que é caracterizado por estereótipos, preconceitos e discriminação associados à idade, o que chamamos de etarismo. As consequências do etarismo para os velhos são altamente deletérias pois podem levá-los ao isolamento, solidão, depressão, adoecimento psicossomático, morte precoce e até ao suicídio (OPAS, 2022). 

Como podemos modificar essa realidade incômoda? Se o modo como concebemos a velhice determina inconscientemente como tratamos os velhos, inclusive a nós mesmos, é justamente ao pensá-la como sendo um tempo de desenvolvimento pessoal e social que podemos ir na direção contrária aos fundamentos do etarismo – a velhice não é feita somente de perdas, mas também de conquistas. No decorrer da vida aprendemos, não só cognitivamente, mas emocionalmente a cair e a levantar, o que vai nos dando a chamada experiência de vida. Precisamos nos tornar íntimos da velhice, essa estrangeira, nos apropriarmos subjetivamente dela. Não se trata de uma elaboração psíquica solitária, mas sempre na relação com o outro – combinando o social e o subjetivo – que podemos conquistar uma condição de um “saber-viver a velhice” e até também a capacidade de poder morrer, que está no horizonte mais próximo, como fazendo parte do ciclo vital.  

 

Flávia Maria de Paula Soares é coordenadora da pós-graduação EAD em Psicologia e Velhice da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Psicóloga, psicanalista e autora do livro: Envelhescência: o trabalho psíquico na velhice. Curitiba: Appris, 2020.  

FONTE: ASSESSORIA PG1

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