As ações vão se desdobrar em pelo menos duas frentes, uma de averiguação mais ampla em todos os municípios e outra concentrada nos locais onde o governo percebeu “movimentos atípicos” no período eleitoral
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai intensificar as ações de regularização do Cadastro Único após identificar um novo aumento de famílias unipessoais no fim de 2024, parte delas beneficiárias do Bolsa Família.
As ações vão se desdobrar em pelo menos duas frentes, uma de averiguação mais ampla em todos os municípios e outra concentrada nos locais onde o governo percebeu “movimentos atípicos” no período eleitoral.
O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome enviou à CGU (Controladoria-Geral da União) a lista dos cem municípios nos quais houve alta mais significativa de unipessoais e há suspeita de uso eleitoral do cadastro –que é porta de entrada para quase 2.000 benefícios em todo o Brasil.
A pasta pediu o apoio da Rede Federal de Fiscalização, da qual ambas fazem parte, para elaborar um plano de trabalho que envolva averiguação presencial nos municípios mais críticos, com entrevistas de gestores e visita domiciliar a famílias unipessoais cadastradas.
Embora o CadÚnico seja um instrumento federal, as prefeituras são responsáveis por atender às famílias e alimentar a base de dados com as informações. Se elas falham nessa tarefa, por erros involuntários ou burlas intencionais, há piora na focalização dos programas e repercussão nos gastos públicos.
No programa Bolsa Família, ações adotadas no governo Lula reduziram o número de unipessoais do pico de 5,9 milhões em janeiro de 2023 para 3,9 milhões em junho de 2024.
Mesmo com a queda significativa, a quantidade ainda estava acima dos 2,2 milhões registrados antes do crescimento explosivo ocorrido no fim do governo de Jair Bolsonaro (PL), quando as regras induziram a divisão artificial das famílias e turbinaram o programa às vésperas da eleição de 2022.
Além disso, nos últimos meses de 2024, os registros de unipessoais voltaram a crescer e alcançaram 4,13 milhão em No CadÚnico, que compreende um público mais amplo, houve um pico de 15,5 milhões de famílias em janeiro de 2024, que caiu a 12,15 milhões em agosto do mesmo ano após a exclusão de quem estava fora dos critérios. Em dezembro, o número já havia subido 12,64 milhões.
“As medidas trouxeram intensa melhora, principalmente na faixa de até meio salário mínimo. Na faixa de requerimento do Bolsa Família, embora também tenha havido intensa melhora, ainda é aquém do necessário”, afirma à Folha a secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único, Letícia Bartholo.
Na lista dos cem piores municípios estão locais que já tinham uma proporção de unipessoais fora da curva e, de julho de 2024 para cá (em pleno período eleitoral), continuaram incluindo famílias de um único integrante. Em alguns casos, os unipessoais foram quase 100% dos novos cadastros no período.
Algumas prefeituras nem sequer respondem ao MDS quando o órgão pede esclarecimentos diante de denúncias de fraude. Por isso, a percepção no governo é de que, nesses casos, não se trata apenas de inclusão indevida de famílias no cadastro, mas de um modelo de gestão que favorece irregularidades.
Entre os dez piores municípios, seis estão na Bahia, dois em Pernambuco, um em Minas Gerais e um no Rio Grande do Sul. São pequenas cidades que já tinham uma proporção muito grande de unipessoais e continuaram incluindo famílias dessa categoria durante o período eleitoral.
A primeira da lista é Pau Brasil (BA), onde 63,76% das famílias cadastradas eram unipessoais em julho de 2024, proporção que subiu a 69,24% até 10 de janeiro de 2025. A Folha procurou esta e as outras nove prefeituras da lista, mas não obteve resposta de nenhuma delas.
“Esses municípios específicos serão tratados no âmbito da Rede de Fiscalização do Bolsa Família do Cadastro Único. Isso significa ações mais firmes, com visitas em loco”, diz Bartholo.
“Existe um risco de fraude ao cadastro por motivos políticos”, afirma João Paulo de Faria Santos, consultor jurídico do MDS e coordenador da Rede Federal de Fiscalização. “A gente sabe que houve mudança em várias prefeituras, mas em outras não, ou pelo menos não houve mudança no grupo político. Então, há um alerta em relação a algumas prefeituras.”
A CGU ainda está elaborando o plano das fiscalizações, que deve envolver apenas parte dos municípios indicados pelo MDS, por uma questão de disponibilidade de equipes e recursos. O número de locais a serem visitados ainda não está fechado, mas pode ficar entre 50 e 60.
Os auditores devem elaborar um relatório, mas as situações mais graves serão antecipadas ao MDS para a adoção de providências.
A Rede Federal de Fiscalização também firmou um acordo com a Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) para reforçar os mecanismos de responsabilização dos gestores e, assim, encorajá-los a seguir as normas do cadastro.
“A fraude mesmo acontece no município, no Cras [Centro de Referência de Assistência Social]. E a gente não tem intervenção direta, nem o TCU [Tribunal de Contas da União]”, diz Santos. “A gente está tentando fazer essa coordenação com todos os tribunais de contas do país para ter quem realmente fiscaliza o município no pé dele.”
Os municípios também estão em fase de assinatura dos novos termos de adesão ao Bolsa Família, dado que os convênios vigentes ainda são de antes da reformulação do programa. Nesses termos, eles devem se comprometer em apoiar um plano de fiscalização local a ser executado pelo Conselho Municipal de Assistência Social.
Os resultados serão encaminhados aos respectivos tribunais de contas. A União também vai alimentar os tribunais de conta estaduais com as denúncias recebidas e, principalmente, com informações de prefeituras que não respondem aos questionamentos sobre fraudes.
O MDS ainda vai lançar em fevereiro um novo cronograma de averiguação de cadastros. As famílias unipessoais são um dos focos, mas haverá também ações de conformidade para adequar os registros das famílias à lei recém-aprovada pelo Congresso Nacional com exigências como cadastro biométrico.
“Vamos fazer a conformidade dos cadastros à nova legislação, começando dos mais jovens para os mais velhos”, afirma a secretária. Segundo ela, o governo federal também vai disponibilizar recursos para apoiar os municípios na tarefa.
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