O plenário da Câmara votaria sete destaques à regulamentação da reforma tributária. Como o presidente da Casa não compareceu, a sessão foi encerrada sem a apreciação
A volta das atividades no Congresso após o período eleitoral foi marcada pela pauta econômica, em especial a Reforma Tributária. A Câmara dos Deputados retomou, ontem, as discussões sobre o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/24, que institui o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS).
De acordo com a previsão inicial, o texto seria votado no plenário da Câmara dos Deputados ontem, mas a decisão final foi adiada, com o encerramento da sessão legislativa. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que endossa um movimento de resistência ao projeto, não apareceu na sessão em que a matéria já estava colocada em pauta para ser discutida.
O texto principal do projeto, enviado pelo Executivo, que tramita em regime de urgência, já havia sido aprovado em agosto. No entanto, ficou pendente a análise de sete emendas propostas pelos partidos para serem decididas no voto. Entre elas estão temas polêmicos, como a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas e uma nova taxação sobre distribuição desproporcional de dividendos.
Pela proposta, será classificado como Grandes Fortunas o conjunto de bens que ultrapasse os R$ 10 milhões. O tributo seria anual, com alíquotas de 0,5% para bens entre R$ 10 milhões a R$ 40 milhões; de 1% acima de R$ 40 milhões até R$ 80 milhões; e de 1,5% acima de R$ 80 milhões. Enquanto é de interesse do governo tributar os grandes patrimônios, o dispositivo encontra resistência do presidente da Casa, que se opõe à elevação da carga tributária. Antes da sessão na plenária que poderia definir a aprovação do PLP, o relator do grupo de trabalho da reforma na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) disse ao Correio que ainda havia “pontos para amarrar”.
O texto apresentado pelo relator, deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), também trata da regulamentação do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), incluindo planos previdenciários PGBL e VGBL no rol de incidência do imposto.
Esse tributo, que incide sobre doações ou transmissão por testamento de bens e direitos, atualmente é regulado por leis estaduais, com alíquotas e regras diferentes. Um dos destaques, de autoria do bloco União-PP, pede aprovação de emenda do deputado Domingos Neto (PSD-CE) para retirar a incidência do ITCMD sobre esses planos de previdência privada.
A proposta conta com o apoio do secretário de reforma tributária, Bernard Appy. Outra controvérsia é a divisão de contenciosos sobre os novos tributos. Disputas sobre o IBS, de responsabilidade dos estados e municípios, serão administradas pelo Comitê Gestor, enquanto questionamentos sobre a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, serão tratados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Comitê Gestor
A criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS), com autonomia inédita no Brasil, traz à tona uma série de questionamentos sobre sua eficácia e o impacto na arrecadação de estados e municípios. Especialistas analisam as dificuldades que esse modelo pode enfrentar e apontam possíveis conflitos, ressaltando a necessidade de mecanismos claros e transparentes para assegurar a equidade no novo sistema tributário.
O advogado Eduardo Brusasco Neto, sócio do escritório Brusasco e Corinti Advogados, destaca que o comitê gestor terá uma missão desafiadora ao assumir responsabilidades como zelar pela arrecadação, distribuir receitas entre os entes federativos e gerenciar a compensação de débitos e créditos. “Embora seja previsto que o comitê possua independência orçamentária e técnica, é inevitável que haja um período de ajuste inicial que pode afetar sua eficiência e controle. Além disso, os municípios menores podem sofrer mais com a falta de clareza na distribuição de receitas, pois o processo de adaptação ao novo sistema tributário será longo e marcado por disputas”, destaca Brusasco Neto.
Segundo o jurista e sócio da prática de Gestão patrimonial, família e sucessões do Mattos Filho, Alessandro Fonseca, a existência de um tributo para as grandes fortunas é prevista na Constituição Federal de 1988. Apesar disso, o especialista ressalta que, para ser aplicada efetivamente, a legislação deve contar com uma definição clara sobre o que constitui a grande fortuna.
“Para isso, precisamos de uma lei complementar. Portanto, juridicamente, embora o tributo esteja previsto na Constituição, o que falta é a complementação da hipótese de incidência com a descrição precisa do que seria essa grande fortuna”, considera.
O destaque que pretende votar a emenda que institui o imposto sobre grandes fortunas ainda pode gerar questões controversas, como explica o sócio da área tributária do Collavini Advogados, Flávio Molinari, que explica que, em alguns países, esse tipo de imposto se mostrou fracassado. “A instituição em alguns países, como na França, levou a fuga de capitais e desinvestimento. A justiça tributária que a emenda busca deve vir por meio de uma discussão séria e profunda sobre oImposto de Renda”, argumenta.
“No que se refere ao destaque que retira os planos de previdência da base tributável do ITCMD, a emenda parece adequar o texto a parte do entendimento jurisprudencial que afasta parcela da tributação desses planos, o que pode evitar possíveis judicializações dessa matéria no futuro”, completa o especialista.
Para o sócio da HRSA Sociedade de Advogados, João Paulo Krepel, a incidência do ITCMD sobre os investimentos previdenciários é um tema que deve ser mais aprofundado, visto que uma parte significativa desses ativos possuem uma natureza distinta de outras aplicações financeiras mais tradicionais. “É um plano de previdência. É um pecúnio. E, consequentemente, isso estaria fora, originalmente, da incidência do ITCMD”, avalia.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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