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Polícia do Rio ignora STF e aumenta truculência em operações

Decisão que proibiu incursões em favelas durante a pandemia teve impacto inicial, mas letalidade policial voltou a disparar. Em janeiro e fevereiro, foram registradas nove chacinas em operações no estado.

Em meio à primeira onda de transmissão da covid-19 no Brasil, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu, em junho de 2020, a realização de operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia. Com algum impacto inicial, a determinação acabou esvaziada. Nos dois primeiros meses de 2021, foram registradas nove chacinas em operações policiais no estado.

As chacinas são definidas pela ocorrência de três ou mais mortes em uma única ação. Entre janeiro e fevereiro deste ano, eventos desse tipo produziram 39 mortes, de um total de 47 registradas nesse período durante operações policiais no Rio.

Em comparação com os dois últimos meses de 2020, a letalidade policial aumentou 161%, enquanto o número de feridos em incursões subiu 140%. E o total de óbitos provocados por ações policiais em favelas no primeiro bimestre deste ano supera em mais de 20% o número registrado no mesmo período do ano anterior, quando a determinação do STF ainda não havia entrado em vigor.

Os dados foram levantados pela Rede de Observatórios da Segurança, uma iniciativa de instituições acadêmicas e da sociedade civil dedicada a acompanhar políticas públicas de segurança e criminalidade na Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

A socióloga Silvia Ramos, especialista em Segurança Pública e coordenadora-geral da Rede, chama atenção para um novo modus operandi das polícias observado nos dois primeiros meses do ano, caracterizado justamente pelas chacinas.

“Não estamos falando do policial que entra na favela e troca tiros, resultando na morte de alguém acidentalmente. Parece haver o objetivo de eliminar pessoas ligadas ao crime, produzir letalidade e sair. Depois disso, os grupos armados que estão lá se tornam mais opressivos com os moradores locais”, comenta.

No último sábado (06/03), fora do período já analisado pela Rede, uma nova chacina foi registrada: cinco pessoas morreram durante operação da Polícia Militar no Morro dos Macacos, Zona Norte do Rio. Segundo relatos de moradores, ao menos duas das vítimas não tinham qualquer envolvimento com o tráfico.

A pesquisadora da Rede destaca o timing do aumento de operações com mortes múltiplas pelas polícias no Rio. Devido ao predomínio de notícias relacionadas à escalada da pandemia, temas da Segurança Pública ganham menos destaque.

“Aparentemente, está se aproveitando a pouca visibilidade que essas operações estão tendo para aumentar o número de incursões com mortes. Sabemos do desgaste dessa política, que parece ser a nova metodologia das polícias no Rio”, diz.

Nova orientação desde outubro

Os chefes das polícias fluminenses assumiram uma mudança de tom quanto à determinação do STF em outubro do ano passado, quando uma coletiva de imprensa foi convocada para reivindicar o direito de fazer operações.

“Vamos operar em qualquer cenário que for necessário. A PM não vai deixar de fazer operações”, declarou na ocasião o secretário estadual da Polícia Militar, Rogério Figueiredo.

A PM do Rio vinha adotando outro discurso até então, alegando que não podia operar em decorrência da decisão do STF. Os dados coletados mensalmente pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) refletem os efeitos dessa mudança de postura anunciada em outubro.

As polícias fluminenses mataram, em média, 148,8 pessoas por mês de janeiro a maio de 2020. Entre junho e setembro, após a suspensão das operações policiais na pandemia, a média de óbitos provocados pela polícia caiu para 47,75 a cada mês. Entre outubro e dezembro, o indicador subiu para 101,3 mortos.

A decisão e junho do ministro Fachin, confirmada pelo plenário do STF no mês seguinte, permitia que as incursões acontecessem apenas em “hipóteses excepcionais”. Nesses casos, deveriam ser comunicadas ao Ministério Público do Rio.

Na entrevista coletiva de outubro, que marcou a mudança de tom das polícias, o secretário estadual de Polícia Civil, Allan Turnowski, explicitou o novo “entendimento jurídico” das corporações policiais do Rio sobre a decisão do STF.

Ao caracterizar o cenário encontrado em diversas favelas do estado, enquadrou as comunidades na brecha deixada pelo texto. “A gente entende que não estão proibidas essas ações. É evidente que barricadas e traficantes armados de fuzil são excepcionais.”

Turnowski assumiu o cargo em setembro do ano passado, no início da gestão do governador interino Cláudio Castro (PSC). Ele ocupou o posto de Wilson Witzel, do mesmo partido, afastado em agosto por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Witzel é suspeito de participar de um esquema de corrupção que desviou verbas da Saúde durante a pandemia. Juiz federal, ele se elegeu em 2018 como um outsider, na esteira do bolsonarismo, tendo como bandeiras o combate à corrupção e a defesa da letalidade policial para eliminar a criminalidade.

Embora o governador afastado tenha participado pessoalmente de operações da polícia em helicópteros, foi observada uma preocupação bem mais efetiva com o cumprimento da determinação do STF sob seu comando. É o que mostra a já referida queda de mortes por policiais entre junho e setembro — com apenas dois óbitos em operações no primeiro mês da medida em vigor.

Questionamento no STF

No último dia 12 de fevereiro, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e outras 14 entidades de defesa dos direitos humanos protocolaram no STF um pedido para que a Corte se manifeste sobre a realização de ações policiais no estado.

As instituições citam, no documento, um “retorno da rotina de chacinas e mortes de crianças” no Rio e o esvaziamento da medida cautelar que suspendeu as operações durante a pandemia.

Em novembro do ano passado, Fachin determinou que o governo do Rio apresentasse os motivos para a realização das operações, com cópias dos ofícios encaminhados ao Ministério Público, assim como a descrição dos cuidados tomados durante as ações. Desde então, não houve nova manifestação do ministro sobre o caso.

Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança, destaca a importância de questionar quais razões levam as forças de segurança do Rio a insistir na lógica do confronto, sem que se obtenha os resultados desejáveis.

“A polícia entra, dá vários tiros, gasta um monte de munição, assusta os moradores e mata criminosos junto com inocentes. O que acontece depois? Os traficantes locais e milicianos se estruturam e encomendam mais armas para a próxima incursão”, analisa.

O líder comunitário da favela Santa Marta, Itamar Silva, lembra que as operações trazem um impacto psicológico adicional para os moradores de favelas, que estão lidando com a perda de parentes e amigos na pandemia e um cenário de crise econômica.

“Historicamente, as favelas lidam com essa truculência da polícia. Neste momento em que estamos todos mais fragilizados, isso contribui para uma instabilidade psicológica bastante grande, sem que haja um acompanhamento, no âmbito da pandemia, com o cuidado da saúde mental dos mais pobres”, diz.

FONTE: DEUTCHE WELLE

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