Com tirinhas ilustradas em aquarela e textos sobre o cotidiano, o artista Caetano Cury oferece um recorte sensível sobre o ano em que a Terra (quase) parou
Deixar um emprego relativamente estável para viver de arte no Brasil pode não ser considerada uma opção viável para muitas pessoas, mas foi o que escolheu, há pouco mais de um ano, o radialista e ilustrador Caetano Cury Nardi.
Mineiro da cidade de Guaxupé e radicado em São Paulo (SP), ele não poderia imaginar que, além de todas as dificuldades características do ofício, estaria de mãos dadas com seu projeto Téo e o Mini Mundo em meio a uma pandemia.
Foi com a mesma surpresa e desorientação sentida por todos nós que Caetano recebeu as restrições de circulação para reduzir o contagio pela covid-19, instituída pelos governos estaduais no início do ano, logo após o carnaval. Sem poder vender Téo e o Mini Mundo — O Livro nas feiras literárias e eventos de tirinhas Brasil afora e com a loja virtual em baixa, restavam a ele duas alternativas: tentar voltar para o antigo trabalho ou se reinventar. E esse texto não existiria se ele tivesse escolhido a primeira opção.
O artista resolveu criar uma campanha de assinaturas através da plataforma Apoia-se. A ideia é bem simples: fãs das histórias do Téo contribuem pagando um valor mensal a partir de R$ 3 e, em troca, têm diversos benefícios — inclusive, e principalmente, a garantia de continuidade das histórias do menino, a borboleta e o microscópio.
As tirinhas são leves e simples, com textos curtos e falam sobre questões do dia a dia a partir de uma perspectiva filosófica. São obras para ver e refletir. Como já haviam conquistado um público fiel em plataformas como o Instagram e o Facebook, a meta de assinaturas estabelecida pelo autor para continuar com o trabalho foi alcançada logo e ele pode dedicar-se a entregar aos fãs três histórias novas a cada semana pelas redes sociais.
Passando grande parte do período de distanciamento social sozinho, em casa, Caetano teve outra ideia que pode ter sido o segundo maior ponto de virada para o trabalho dele em 2020: fazer transmissões ao vivo pelo YouTube e pelas redes sociais em que compartilhava o processo criativo de muitas das tirinhas. Deu certo! Durante meses ele foi acompanhado dos seguidores enquanto traçava seus personagens e refletia sobre a vida e sobre os acontecimentos ao seu redor.
O resultado de todo esse percurso é um livro que não poderia ter um nome mais apropriado para resumir 2020: O lugar do outro. Com quadrinhos sobre temas difíceis, como a perda de entes queridos, a contaminação pelo coronavírus, mas também com tiras leves e gracejos que poderiam ser uma piada de Natal, como a ilustração de uma ovelha e uma “ó velha”, publicada no último dia 28 de novembro.
São 120 páginas produzidas ao longo deste ano e que formam uma obra capaz de contar aos leitores, mesmo daqui a muitos anos, como foi passar por uma doença tão avassaladora, não só para os indivíduos, como também para a humanidade enquanto coletivo.
Medo, negação, tristeza, luto e também amor, solidariedade, esperança, consolo e riso são encontrados nos quadros em histórias como “O homenzinho estrelado”, “A Fadinha e o Espantalho”, e, claro “O lugar do outro”, tira que dá nome ao livro.
A publicação que intitula a obra foi publicada em 14 de janeiro de 2020 e é quase uma premonição sobre o exercício que seríamos forçados a fazer ao longo do resto do ano, mesmo que não quiséssemos: pensar que a vida do próximo é tão valiosa quanto a nossa própria e promover cuidado coletivo.
Para quem quer uma lembrança das lições dadas por estes doze meses, a leitura é mais do que recomendada. Mas o livro também pode ser encarado como um convite para quem não pode ter tantas oportunidades de refletir sobre tudo o que passou.
Por fim, e também muito importante, a obra vale muito a pena, claro, pelos desenhos que são, ao mesmo tempo, simples, delicados e ricos. Cada quadro vem de um original pintado a mão a partir de traços de nanquim e coloração em aquarela.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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