Cultura

Nova versão de ‘Poderoso Chefão 3’ torna mais óbvia corrupção no Vaticano

“Cortei cenas, inclui outras, mudei algumas de lugar”, diz o cineasta

Num vídeo de três ou quatro minutos exibido antes de “O Poderoso Chefão – Desfecho – A Morte de Michael Corleone”, que estreia agora nos cinemas, o diretor Francis Ford Coppola explica ao público o que mudou em seu filme de 1990.

“Cortei cenas, inclui outras, mudei algumas de lugar”, diz o cineasta. Agora há um novo começo e um novo final. O filme perdeu cinco minutos -agora tem duas horas e 37 minutos-, mas ganhou em muita coisa. Está de fato muito melhor e mais fácil de assistir do que há 30 anos.

Coppola também analisa o fracasso de crítica de “O Poderoso Chefão – Parte 3”, nome do filme quando foi lançado no século passado. Ele e Mario Puzo, autor do livro original sobre a família Corleone, escreveram um roteiro que não deveria ter sido entendido como terceira parte da história, mas sim como uma revisitação aos personagens.

O nome do filme imaginado era “The Godfather – Coda – The Death of Michael Corleone”, o mesmo com que é lançado agora nos Estados Unidos. Coda é um termo musical que indica uma volta a compassos já tocados na música, uma revisitação a temas anteriores e depois para seguir até o final.

Mas a Paramount insistiu em lançar a obra como “Parte 3”, o que teria aumentado demais as expectativas do público, que não viu o que pensava que veria.

O filme de 1990 é lento demais, o conflito central da história só aparece aos 40 minutos e a crítica de então o considerou um equívoco. Para quem quiser checar, “Parte 3” está no streaming da Amazon Prime Video.

É interessante acompanhar como os dois filmes se desenvolvem no início. Atenção, aqui teremos spoilers de ambas as versões.

“Parte 3” começa com uma cena da “Parte 2”, de 1974, mostrando a casa de Michael à beira do lago em que mandou matar seu irmão Fredo. Barcos aparecem aos pedaços depois de uma tempestade ter devastado a região. Michael escreve -e lê- uma carta aos filhos convidando para uma condecoração que receberá no Vaticano. Ele se orgulha de se tornar um homem respeitado pela elite. Lembra a morte do irmão.

A condecoração acontece numa igreja. Passamos para a celebração, com cantoria, danças e muita comida italiana. Aparece na festa o novo Corleone, Vincent, papel de Andy Garcia, e seu rival Joey Zasa, vivido por Joe Mantegna. Brigam, Michael intercede.

Já estamos no minuto 39 quando o cardeal que o condecorou pede ajuda para cobrir um buraco de US$ 700 milhões no banco do Vaticano. Michael paga em troca de participação numa empresa imobiliária da Igreja. Este é o conflito central do resto do filme.

“Coda” começa diferente, direto na cena do cardeal pedindo dinheiro. Todo o início de “Parte 2” sumiu. A condecoração na igreja também foi retirada e entramos na festa de celebração. Na cabeça do novo espectador, a condecoração está acontecendo na festa.

Em metade do tempo do filme original “Coda” já mostra como a trama seguirá e quem está do lado de quem. É isso que Coppola fez na nova versão.

Agora, o Vaticano pede ajuda a ele e depois Corleone é condecorado, tornando muito mais óbvio o sistema de “toma lá, dá cá” pretendido pelo roteiro. Fica mais claro como o mundo das grandes corporações, Vaticano incluso, é tão corrupto quanto o dos mafiosos.

Houve outro quiprocó no lançamento do filme em 1990 -a escalação de Sofia Coppola, filha do diretor, como Mary, a filha de Michael Corleone, papel de Al Pacino.

Ela foi responsabilizada quase que sozinha pelo fiasco. O jornal Washington Post, por exemplo, a considerou “amadora e sem esperanças”, enquanto a revista Time decretou que “sua falta de graça de pequeno ganso quase destrói o filme”.

Curiosamente, Coppola parece ter acertado em cheio agora. Talvez tenha tirado as piores cenas e encontrado outras melhores, mas o fato é que Sofia Coppola não está tão constrangedora assim como atriz. Hoje ela é uma cineasta amada por seus próprios méritos, ao estrear como diretora de “As Virgens Suicidas”, de 1999, e, é claro, do megassucesso indie “Encontros e Desencontros”, de 2003.

Em se tratando do quesito revisão de filmes antigos, Coppola é um rival à altura de George Lucas. O criador de “Star Wars” incluiu naves e personagens, com a ajuda dos computadores dos anos 1990 e 2000, nos filmes que lançou nos anos 1970 e 1980. Mas, em vez de efeitos especiais, Coppola revisita os filmes extraindo novas edições, como fez com a “Parte 3” agora.

Em 2001, ele aumentou “Apocalypse Now”, de 1979, em 49 minutos, incluindo longas cenas e tramas que não haviam chegado ao corte final. O filme, que já tinha duas horas e 33 minutos, ficou com três horas e 16 minutos e ganhou o sobrenome “Redux”.

No ano passado, ele lançou a versão “Final Cut” da mesma obra, com três horas e dois minutos, e declarou que era a melhor. O filme reestreou, inclusive no Brasil, e passou no Festival de Cannes. Também no ano passado, ele reeditou “The Cotton Club”, desastre de 1984 com Richard Gere no papel principal.

Spielberg também se meteu nessa onda de revisitação depois de Lucas abrir o caminho. Numa das cenas mais famosas de “E. T., o Extraterrestre”, um grupo de agentes do FBI perseguia os garotos de bicicleta. Em suas mãos, os policiais exibiam armas.

Spielberg se culpou pelo que considerou um absurdo, policiais perseguindo crianças com armas, e anos depois trocou digitalmente as pistolas por rádios walkie-talkies. Isso não é o que George Lucas fez digitalmente em seus filmes. Passa por um conceito de higienização do passado aliado ao politicamente correto de hoje que pode ser perigoso.

O revisionismo de Coppola também é diferente. Seus filmes realmente saem melhores depois de ele pegar na tesoura. Mamma mia!

O PODEROSO CHEFÃO – DESFECHO – A MORTE DE MICHAEL CORLEONE
Quando Em cartaz nos cinemas; a partir de 8 de dezembro no streaming
Elenco Al Pacino, Andy Garcia, Sofia Coppola
Produção EUA, 1990/2020.
Direção Francis Ford Coppola

FONTE: FOLHAPRESS

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Marcio Martins martins

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