ASSESSORIA POLÍTICA (Crônica I)
Me liga um político. Por sinal um político que é verdadeira raposa. Sonha voltar prá valer à vida pública, encarando 2016. Queria conversar e pediu dicas. Fiz diversas observações, análises e previsões. Já tivemos no passado um bom relacionamento, me senti à vontade. E assim fiz alguns alertas sobre cenários e os obstáculos invisíveis que iria enfrentar. Ele desconhecia muitas das minhas observações que, para mim, eram perfeitamente claras diante da minha costumeira obrigação de estudar os cenários e suas mudanças quase diárias.
Em encontros posteriores esporádicos, por casualidade, voltamos a conversar. Sempre transparente, reforcei algumas armadilhas do paraíso da aparência.
Recentemente nos vimos num corredor de supermercado. Demonstrou desconforto, e quase cobrou mais opiniões e esclarecimentos dúvidas sobre as conversas anteriores. Entendi o recado. Decidi ser direto e não fui entendido. Não via ele de imediato as teorias que desenhei. O que havia lhe dito não correspondia. Prometeu que ligaria dois dias depois para aprofundarmos os contatos. Até parecia ter mantida acesa a chama da nossa amizade. Conversa de político: não ligou, não reforçou os contatos. Perdi a amizade, conclui.
E fiquei nos últimos tempos no silêncio forçado de nada dizer, mas observando muito, e sem entender como ele não via o óbvio.
No dia de hoje um amigo meu liga e comenta que encontrou o político. Entre os diversos temas fez um comentário em desabafo. Ele iria me ligar e pedir desculpas. As previsões dos obstáculos haviam se confirmado. A paisagem de brisa era ventania, sob a máscara da ponderação e equilíbrio.
Fiquei pensando nas diversas quedas de políticos importantes, que se julgavam verdadeiras raposas, que vi cair pelo caminho, alguns num poço tão fundo do qual não saíram até hoje. Políticos que nunca entenderam a diferença de um assessoramento profissional, que ultrapassa as simples observações de amigos.
Relato o fato aqui pela dificuldade do entendimento dos dias de hoje. As pessoas pedem a atenção. Elas querem a opinião, análise e argumentos. Por profundo respeito você antecipa etapas e detalhes até então obscuros. E elas duvidam, questionam e rejeitam até o último minuto o alerta.
Este é o nosso tempo. A verdade, o seu uso e desuso, estão a nos devorar. Talvez não seja o nosso tempo, mas sim o da história da humanidade. A propósito, para quantos políticos você mentiu na semana que passou? Para quantos exercitastes a mentira hoje? Nas últimas horas, quantas vezes dissestes a verdade para ti e para os outros?
Este é o nosso tempo. Perguntas, perguntas e perguntas. As respostam não são necessárias. Falar, e não ouvir, é o mantra dos nossos dias.
JURO QUE VI (Crônica II)
Estou na fila de um supermercado da região. A noite se espraia e esvazia os corredores então lotados. Na fila, em minha frente, uma mulher bonita distribuiu as compras sobre o caixa. Loira suave, discreta, esbelta e cabelos médios. É impossível não observá-la.
Diante da demora vou para o caixa ao lado. O supermercado segue seu movimento de fim de expediente. Jovens buscando bebidas, mulheres independentes em passos largos, ouço ao fundo alguém comentar sobre marcas de cervejas.
Eu fico na fila e a loira segue na fila ao lado. Eu permaneço pescando detalhes para entender o todo. Lembrei de Vinícius de Moraes e sua poesia. Salto médio, corpo definido, jeans, sapato em três cores discretas. Em dado momento localizo nas suas costas uma tatuagem. E as tatuagens, em filas de caixas, me perseguem e hipnotizam.
Entre os corredores alguém escolhendo frutas, um senhor atende o celular. Homens pilotando carrinhos, dirigidos por esposas severas fiscais da qualidade, preço e data.
A loira na fila segue o ritmo da atendente do caixa. Eu sigo girando o olhar e me fixo na tatuagem. Três andorinhas “voam” entre as suas costas e o pescoço.
Na fila em minha frente uma mulher tímida, de cabelos negros, esconde sua beleza. Seus olhos bonitos sinalizam dores afetivas em busca de remédio, uma interrogação em busca de resposta. Volto o olhar para a fila ao lado e a loira da tatuagem de andorinhas começa a empacotar as compras auxiliando a moça do caixa que mira o relógio querendo descanso.
A loira sai. Caminha em passos calmos pela calçada vazia e a noite escura. Sai sem pressa, cabeça baixa, com o pensamento em outro lugar. E eu, bem, eu vim aqui contar está história. Sem final e sem conclusão.
Ou melhor, uma dica, evite final de noite em supermercados. A solidão que vi naquela mulher – loira, bonita e tatuada – nenhuma mulher merece.
Add Comment