A Polícia Civil tem um estoque de 553 investigações sobre mortes em operações que estão há mais de 15 anos vagando por gavetas de promotores e delegados. Os inquéritos apuram homicídios em ações da polícia de 784 pessoas entre 2000 e 2005 — cada inquérito pode investigar mais de uma morte. Os dados foram obtidos pelo EXTRA via Lei de Acesso à Informação.
Desse total de inquéritos, 18 estão prestes a ser obrigatoriamente arquivados: são casos que completam 20 anos em 2020, prazo de prescrição do crime de homicídio. Em sua maioria, as investigações não levaram, até hoje, à certeza de que a conduta dos agentes foi legítima e, por isso, seguem em andamento.
A partir dos dados, foi possível traçar um perfil das vítimas: a maior parte delas, 60%, são pretas ou pardas e 47% têm menos de 24 anos. A área que mais registrou esses casos é a coberta pela 34ª DP (Bangu), onde 105 das vítimas foram mortas.
Há casos que apresentam falhas graves da polícia. Um deles é o homicídio de Anderson Rosa de Souza, de 29 anos, durante uma operação do 18º BPM (Jacarepaguá) na Cidade de Deus, em 15 de maio de 2003. Até hoje, 17 anos do crime, a 32ª DP (Taquara), responsável pela investigação, não periciou os fuzis dos PMs, não requisitou exame para saber se havia resíduos de pólvora nas mãos do cadáver e sequer ouviu parentes da vítima.
Basicamente, o inquérito se resume aos depoimentos dos próprios investigados. Neste ano, o inquérito chegou às mãos do promotor Cláudio Calo, que, num documento enviado à 32ª DP, alegou que “causa perplexidade o porquê de os fuzis dos PMs não foram efetivamente periciados” e também “estranheza a falta de juntada dos antecedentes criminais dos policiais”.
Os dois investigados ganharam notoriedade após o caso. São alvos do inquérito o ex-capitão — à época tenente — Adriano da Nóbrega e o sargento Fabrício Queiroz. Na década seguinte, Nóbrega seria expulso da PM por envolvimento com bicheiros e se tornaria um dos matadores de aluguel mais temidos do Rio. Em fevereiro, ele foi morto numa operação na Bahia. Já Queiroz viraria assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, e hoje está preso por suspeita de participação num esquema de desvio de dinheiro no gabinete.
Indícios de execução
Queiroz também é alvo de outro inquérito que apura, há 18 anos, outra morte em serviço. Em novembro de 2002, Gênesis Luiz Conceição da Silva foi morto em outra ação do 18º BPM. Um dos agentes que atiraram na ocasião foi o sargento aposentado. Um outro homem foi baleado na ação. No entanto, ele nunca foi ouvido. De acordo com a Polícia Civil, o inquérito está em fase final.
Até duas semanas atrás, fazia parte da mesma pilha de inquéritos em andamento uma investigação aberta há 20 anos com indícios claros de execução. Dálber Virgílio da Silva e Luiz Fernando Aniceto Alves foram mortos durante uma operação do 9º BPM (Rocha Miranda) na favela Parque Colúmbia, Zona Norte do Rio, em setembro de 2000.
O laudo cadavérico de uma das vítimas revela que um dos disparos deixou uma “orla de tatuagem” na pele — resíduos de pólvora que indicam que o tiro foi dado à curta distância. Pelos 18 anos seguintes, o indício seria ignorado. Só quando o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do MP assumiu o caso, a partir de 2018, o caso sofreu uma guinada: uma testemunha foi encontrada e afirmou que presenciou as execuções. Há duas semanas, o sargento aposentado Ronnie Lessa — preso pelo homicídio da vereadora Marielle Franco — e mais dois PMs foram denunciados pelos homicídios.
Para a promotora Andrea Amin, coordenadora do Gaesp, que assumiu vários desses inquéritos, a passagem do tempo dificulta procedimentos que seriam simples de serem feitos na época dos fatos.
— Quinze anos depois, atos de investigação que seriam simples, como encontrar uma testemunha ou fazer uma comparação balística, se tornam complexos” — conta Amin.
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