Cultura

Dinheiro represado pelo governo poderia salvar o cinema da extinção

Representantes do audiovisual brasileiro preveem um colapso do setor no médio prazo

Com um atraso de mais de três anos na liberação de verbas do Fundo Setorial do Audiovisual, um dos principais fomentadores do cinema nacional, o governo Bolsonaro pode quebrar a estrutura de uma indústria que ganhava força desde os anos 1990.

Representantes do audiovisual brasileiro preveem um colapso do setor no médio prazo, uma vez que a Ancine não faz a totalidade da liberação de verbas do Fundo Setorial do Audiovisual desde 2018.

O órgão foi criticado por Bolsonaro no ano passado. Ele chegou a dizer que se não pudesse haver filtros em conteúdos patrocinados pela instituição, o governo extinguiria a Agência Nacional do Cinema.

Existem três travas paralisando o escoamento de recursos destinados ao audiovisual que podem somar mais de R$ 2,1 bilhões, relativos não só ao exercícios dos anos do governo Bolsonaro.

A inação do governo provoca-se inclusive uma crise generalizada nas empresas que gerem as salas de cinema do país e que ainda não viram a cor dos recursos que a Ancine prometeu, há um mês, para socorrê-las do esvaziamento provocado pela crise causada pelo novo coronavírus.

Entidades de defesa do audiovisual dizem que, não bastasse o atraso na liberação de cerca de R$ 725 milhões do FSA relativos ao ano passado e de cerca R$ 325 milhões já aprovados para este ano, ainda há um passivo de mais de R$ 1 bilhão herdado pelo governo com recursos represados desde 2016 e que já deveriam ter sido liberados, uma vez que os projetos que receberiam esses recursos já foram selecionados em editais.

A representantes da classe, a direção da Ancine tem explicado que existe um defasagem operacional, porque hoje a agência mobilizou parte de seu corpo de servidores para o controle das prestações de contas de projetos que, muitas vezes, foram entregues no início da década. Esse problema teve início quando o Tribunal de Contas da União determinou a paralisação da Ancine, ao considerar frágil a forma com que a agência exigia a prestação de contas.

“Se eles não têm capacidade operacional para resolver projetos aprovados há dois anos e reconhecem isso, estão dando a mensagem que não é possível gastar os recursos de 2019 e 2020, certo? O que eles propõem? Que o FSA paralise? Ou que se alterem as metodologias [de controle na prestação de contas]?”, questiona o diretor e roteirista André Klotzel.

A “metodologia” empregada hoje é de deslocar parte dos funcionários da agência para a análise de prestação de contas. Segundo Klotzel, estão sendo reavaliados inclusive projetos que já tinham encaminhado suas prestações de contas dez anos atrás.

O sistema de avaliação dessas prestações de conta mudou no primeiro semestre do ano passado. Há cerca de cinco anos, a própria Ancine havia proposto um modelo simplificado. Com a decisão do TCU de barrar esse modelo, em abril do ano passado, a agência perdeu parte de sua capacidade de elaboração de editais e de proposições para nova produção. Um problema de falta de mão de obra.

Existem estimativas de que o fundo setorial, sozinho, corresponda a cerca de 70% dos investimentos recebidos pelo audiovisual no Brasil por ano. “Esse atraso tem um impacto grande”, avalia Leonardo Edde, produtor de cinema e presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual, o Sicav.

“Não vamos sentir já, pois existem produções sendo finalizadas com recursos liberados anteriormente. Uma produção de cinema tem muitas etapas, e filmes que começaram a ser financiados há dois anos ainda podem ser lançados neste ano”, diz. “Porém, as produtoras estão demitindo.”

Segundo a assessoria de imprensa da Ancine, no dia 22 de abril, a diretoria colegiada da agência aprovou uma série de medidas para a reorganização orçamentária do FSA e o restabelecimento de suaslinhas de investimento, “necessárias para garantir a continuidade das ações de fomento iniciadas em 2018, bem como a correta aplicação dos recursos públicos já aprovados”.

“Esse pacote de medidas será levado para aprovação do Comitê Gestor do FSA”, informa. A agência diz que para a aplicação de recursos do FSA referentes ao plano anual de investimentos de 2018, “a proposta da Ancine é a criação de uma fila de projetos, para que a liberação de recursos seja organizada e transparente”.

A entidade também diz que dará visibilidade a essa fila por meio de seus canais de comunicação. Caberá ao Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual definir os critérios para estabelecer a fila, metas e volumes de contratação, respeitando recomendações dos órgãos de controle do governo.

Porém, embora haja cobrança das representações, nem a Secretaria Especial da Cultura nem a Secretaria do Audiovisual se mobilizam para agendar uma reunião do Comitê Gestor, que é encabeçado hoje pelo Ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, e pela própria secretária especial da Cultura, Regina Duarte.

Outra trava que se impunha diante dessa situação é que a transposição da Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania para a do Turismo foi incompleta. Parte do corpo da equipe administrada por Regina permanece na Cidadania.

 

FONTE: FOLHAPRESS

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Marcio Martins martins

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