Considerado mais ágil e estável por advogados, o software teve seu uso suspenso pelo Conselho Nacional de Justiça, em imbróglio que envolve até o STF
Os procuradores-chefes do Ministério Público Federal (MPF) dos estados do Sul enviaram nesta sexta-feira ofícios ao presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Dias Toffoli, ao procurador-geral da República Augusto Aras, ao presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) Victor Laus e a outras autoridades argumentando sobre a necessidade de preservação do e-Proc, sistema de processo judicial eletrônico, para eles uma “ferramenta que simplifica a atividade de administração da Justiça, torna o processo mais célere e contribui para a desburocratização do sistema judicial”.
Na carta, os procuradores-chefes do MPF – Marcelo Beckhausen, da Procuradoria Regional da República da 4ª Região (PRR4); Darlan Airton Dias, da Procuradoria da República em Santa Catarina; Paula Cristina Conti Thá, da PR no Paraná; e Claudia Vizcaychipi Paim, da PR no Rio Grande do Sul – consideram que a implantação do sistema PJe, estabelecida como prioridade da atuação gestão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não deve obstar a manutenção do e-Proc nos tribunais que já o utilizam e a sua eventual expansão a outros órgãos interessados.
Parte do êxito da Lava Jato é atribuído não apenas a procuradores, juízes e funcionários, mas também à agilidade do sistema eletrônico, que permite o acompanhamento das ações penais em tempo real e armazena mais de 50 terabytes em documentos digitalizados. Responsável por ajudar a Justiça do Rio Grande do Sul e do Paraná a economizar milhões, pois é alimentado pelos próprios servidores, a iniciativa já chegou a oito tribunais. Mas apesar da fama, o software enfrenta uma disputa silenciosa dentro do judiciário e pode estar com seus dias contados.
Implantado há quase um ano no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), o e-proc já gerou uma economia de R$ 14 milhões, segundo a corte daquele estado. Ainda assim, hoje ele funciona por lá amparado em uma decisão liminar. Isto porque o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que em 2013 baixou uma resolução para uniformizar o sistema eletrônico do judiciário, mandou o tribunal catarinense suspender o uso do sistema. O órgão quer que o TJ-SC implante outra plataforma. Conhecida como Processo Judicial Eletrônico (PJe), ela é avaliada por magistrados e funcionários como menos amigável, mais lenta e com custos de manutenção mais elevados. A corte recorreu e, por enquanto, conseguiu mantê-lo.
No último dia 29 de outubro, o imbróglio ganhou contornos mais sérios. O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), enviou um ofício ao desembargador Victor Laus, presidente do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4) – responsável por julgar as apelações de réus da Lava-Jato em segunda instância – e determinou que a corte pare de difundir a plataforma, sob pena de ter que arcar com os custos da implantação do PJe.
No comunicado, Toffoli lembra que apenas o TRF4 recebeu autorização do CNJ para o uso do e-proc e diz que os demais tribunais que não implantarem o PJe estão descumprindo a resolução do CNJ.
“Determino que esse tribunal se abstenha de difundir, ceder o código fonte, apoiar tecnicamente a implantação ou prover qualquer forma de suporte ao sistema e-Proc”, afirma Toffoli.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina, Rafael de Assis Horn, defende o e-proc.
“O e-proc funciona bem, é ágil, fácil de usar e propiciou economia para o tribunal. Os advogados e demais membros do judiciário aprovam. Ao contrário do PJe, que não tem sido bem avaliado nas pesquisas e pelos usuários de modo geral”, afirma Horn.
Uma pesquisa recente do Conselho da Justiça Federal confirma os argumentos favoráveis ao uso do e-proc. Realizada em 2018 com advogados e funcionários do judiciário, o software foi eleito o melhor entre oito sistemas disponíveis. O PJe, por sua vez, ficou em último. O estudo concluiu que entre os sistemas mais utilizados na Justiça Federal, o eproc é “o mais estável e com boas avaliações de qualidade em todos os públicos pesquisados, o que permite dizer que, na Justiça Federal, é o sistema que possui maior grau de maturidade”.
Antes de 2010, ano de implantação do e-proc, os advogados precisavam ir fisicamente até a sede da Justiça Federal para conferir cada decisão dos juízes ou protocolar seus pedidos aos magistrados. Os documentos do processo eram transferidos ao Ministério Público Federal todas as vezes que os procuradores precisassem se posicionar sobre algo.
Com a chegada do sistema, todos os procedimentos passaram a ocorrer de forma digital. Processos mais antigos, como o da Odebrecht, já têm mais de 1.700 movimentações registradas. O juiz Luiz Antonio Bonat, sucessor de Sergio Moro, deve estar atento em todas as movimentações — qualquer deslize pode colocar toda uma investigação sob contestação.
No Paraná, a economia para a Justiça Federal com o advento do e-proc é estimado em mais de R$ 77 milhões. O sistema foi desenvolvido a partir de 2008 em cima de uma versão que já existia desde 2003, mas limitada aos juizados especiais. Desembargadores, juízes e servidores e o departamento de TI participaram de grupos de discussão para sugerir funcionalidades, prática que permanece até hoje.
Para o CNJ, no entanto, uma nova versão do PJe deve sanar os problemas e reclamações do sistema que vinha sendo questionado. O conselho considera que a plataforma é “mais moderna, com maior longevidade e possibilidades de automação”. Afirma que diversas modificações foram realizadas no sistema originário, tanto na linguagem, quanto nas funcionalidades para os usuários. Alegou ainda que a pesquisa que avaliou o e-proc como melhor sistema eletrônico de processos do judiciário não avaliou a nova versão do PJe, que ainda estava em desenvolvimento.
“O antigo PJe e o e-proc, cada um com suas qualidades e defeitos, cumpriram sua função, servindo de instrumento para processamento de milhares de ações judiciais nos mais diversos locais do país. Agora é hora de virarmos a página, unir forças em prol do Novo PJe, que não se confunde com qualquer dos sistemas anteriores, reunificando a Justiça brasileira”, afirma, por meio de nota, o conselheiro Rubens Canuto Neto, presidente da Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e Inovação do CNJ e relator da liminar que proibiu o TJSC de dar continuidade à adoção do e-Proc.
FONTE: ÉPOCA


























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