Homem que transmitiu ataque pela internet escreveu documento com menção ao Brasil em que defende superioridade racial branca e ataca muçulmanos, imprensa, universidade e democracia
Pouco antes do ataque terrorista que deixou ao menos 49 mortos em mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia , Brenton Tarrant, o australiano suspeito de ser o atirador, publicou fotos de munição e um link para o que ele definiu como um manifesto para as suas ações, em uma conta já deletada em uma rede social.
No documento de 74 páginas, Tarrant desenvolve ideias preconceituosas contra muçulmanos, defende uma identidade branca e oferece informações autobiográficas. Ele também afirma que seu objetivo é “criar uma atmosfera de medo” e “incitar a violência” contra imigrantes, dizendo que, para isso, sua estratégia é se valer da cobertura midiática do ataque para propagar as suas ideias.
“Eu sou apenas um homem branco normal de 28 anos. Nasci na Austrália, em uma família de poucos recursos. Meus pais são descendentes de escoceses, irlandeses e ingleses”, ele começa, no documento chamado “A grande substituição”, nome de um livro do escritor francês de extrema direita Renaud Camus, que diz que populações europeias tradicionais estão sendo substituídas por imigrantes.
O atirador afirma que realizou o ataque “para se vingar da escravidão de milhares de europeus tirados de suas terras por escravocratas islâmicos” e se vingar “pelas centenas de milhares de mortes provocadas por invasores contra europeus ao longo da história”.
Autoridades da Nova Zelândia ainda não confirmaram que o autor do manifesto é um dos quatro presos no caso. O primeiro-ministro da Austrália Scott Morrison disse que um “terrorista de direita” de seu país está sob custódia. Sua conta em uma rede social foi usada para transmitir ao vivo o ataque por vídeo.
O suspeito trabalhou como personal trainer na cidade de Grafton entre 2009 e 2011. Na época, segundo a diretora do ginásio, ele pretendia juntar dinheiro para viajar pela Ásia e pela Europa. Segundo o jornal New Zealand Herald, ele viajou por sete anos, após juntar fundos investindo em criptomoedas.
O documento evoca o manifesto escrito por Anders Behring Breivik, terrorista cristão norueguês de extrema direita, que, antes de cometer um ataque que deixou 77 mortos em 2011, publicou um documento de mais de 1.500 páginas defendendo a superioridade racial branca. Brenton diz que travou “breve contato” com Breivik, que foi a sua “única inspiração verdadeira”.
Assim como Breivik, o terrorista cita o Brasil como um exemplo negativo, por ser um país miscigenado. “Com toda a sua diversidade racial, o Brasil está completamente dividido como nação. As pessoas não se dão umas com as outras e se separam e se separam sempre que possível”, escreveu.
O australiano diz que “não frequentou a universidade, como não tinha grande interesse em nada lá oferecido para estudar”. Ele mantém ideias conspiracionistas contra a democracia, o sistema educacional e a imprensa.
“A democracia é o domínio da máfia , e a própria máfia é comandada por nossos inimigos. A imprensa global, dominada por corporações, a controla, o sistema educacional (há muito decaído, devido às instituições controladas pelos marxistas) a controla, o Estado (há muito perdido devido a seus apoiadores corporativos) o controla e a imprensa antibrancos a controla”, escreve.
Ele ataca a política, que descreve como “uma insanidade dominante, ‘multicultural’, igualitária e individualista”. A internet, afirma, permitiu que “a verdadeira liberdade de pensamento e discussão florescesse”, “quebrando os padrões” anteriores.
“Toda possibilidade de expressão e crença estava aberta para ser ensinada, discutida e falada. Essa discussão aberta e muitas vezes anônima permitiu que informações, fora dos Estados e do controle das corporações, fossem acessadas com frequência pela primeira vez”, escreve.
Ele homenageia o presidente americano, Donald Trump, como “símbolo de uma identidade branca renovada e de um propósito comum”.
“As pessoas estão encontrando o caminho de casa. Encontram seu povo, suas tradições, enxergam através das mentiras da história e da lavagem cerebral das instituições”, afirma.
O atirador declara ser um fascista, dizendo que “sejamos diretos, a pessoa que é chamada de fascista é um verdadeiro fascista”. Ele deixa um recado “para marxistas, antifascistas e comunistas. Eu não quero convertê-los, eu não quero me entender com vocês. Aqueles que acreditam em igualdade e aqueles que acreditam em hierarquia nunca vão se entender”, afirma. “Eu quero vocês na minha mira.”
Por diversas vezes, o terrorista emprega referências e frases irônicas e provocativas, próprias à cultura da internet. Referindo-se à possível influência de videogames para a sua violência, ele diz que “Spyro: Year of the Dragon” — um jogo infantil, em que o personagem controla um dragão-bebê roxo — o “ensinou o etnonacionalismo”.
A postura anticomunista e fortemente ocidental não o impede de elogiar a ditadura da China, que define como “a nação com os valores sociais e políticos mais próximos” aos seus próprios. Ele diz que espera sobreviver ao ataque, embora esteja preparado para morrer, e antecipa a cobertura midiática do caso.
“Eu escolho as armas pelo efeito que elas terão no discurso social, a cobertura midiática adicional que elas terão e o efeito que podem ter na política dos EUA, e na situação política do mundo”, afirma.
O terrorista também escreveu nos carregadores de seu fuzil os nomes de cristãos que derrotaram muçulmanos durante as Cruzadas e de neonazistas e extremistas brancos que atacaram e mataram imigrantes e militantes de esquerda.
FONTE: O GLOBO
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