De acordo com a proposta do ministro Bruno Dantas, do TCU, empreiteiras poderiam concluir creches e pontes como forma de pagar pelo prejuízo aos cofres públicos
Em reuniões entre a cúpula dos órgãos de controle e do poder Judiciário, o Tribunal de Contas da União (TCU) propôs que empresas com acordo de leniência — que assumem irregularidade em troca de alívio nas sanções — passem a executar obras públicas inacabadas como forma de pagar pelo prejuízo aos cofres públicos. Empreiteiras da Lava Jato, por exemplo, de acordo com a proposta do ministro Bruno Dantas, do TCU, poderiam concluir creches e pontes.
A medida tem a simpatia do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, e do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, e está em fase de discussão, em uma espécie de fórum criado com o objetivo de aprimorar os acordos de leniência no país, os quais ainda carecem de maior segurança jurídica no cenário nacional.
O tema foi debatido em reunião fechada realizada na terça-feira, 10, no gabinete de Toffoli, com a presença de Tarcísio, do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro, do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, do procurador-geral da União, Augusto Aras, e dos ministros da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, e da Advocacia-Geral da União, André Luiz Mendonça.
O foco principal desse colégio de autoridades é uniformizar os procedimentos para assinatura de acordos de leniência. Estabelecer uma espécie de balcão único é um desejo antigo do mercado e dos órgãos de controle, mas até hoje ainda não se chegou a um modelo em que todas as instituições se sintam contempladas no cumprimento de seu papel constitucional.
A solução negociada nesse ponto seria a intermediação do Poder Judiciário, que passaria a ser o responsável por homologar acordos, desde que eles fossem assinados pela CGU e pela AGU, com a supervisão do TCU. Segundo uma fonte informou ao Estado, o presidente do Supremo está liderando essa questão.
Atualmente, o governo, por meio da CGU e da AGU, não precisa de aval do Judiciário, mas sofre questionamentos do TCU. A ideia é que a presença do judiciário se dê para evitar impasses e trazer segurança jurídica.
A discussão sobre o emprego de empreiteiras para concluir obras inacabadas se dá em paralelo.
O ministro Bruno Dantas, do TCU, diz que ela traria vantagens diversas e seria uma forma de mostrar à sociedade que as empresas estão pagando pelo que cometeram. Segundo ele, interessa às empresas porque elas serão reintegradas ao mercado, mantém emprego dos trabalhadores e isso permite o recolhimento de tributos.
O presidente do TCU, José Múcio Monteiro, disse que a proposta foi “muito bem aceita” na reunião. A forma de implantação dessa medida teria de ser discutida em nova reunião no início de 2020.
Segundo o Estado apurou, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, apoia a ideia e está tentando intermediar e trazer empresas para a mesa, na discussão da modelagem e de instrumentos de fluxo de caixa para tornar a proposta viável. O ministro teve respostas positivas nas primeiras sondagens que fez ao mercado.
Questionado pela reportagem, Tarcísio confirmou que considera a proposta boa, frisou que não depende do Ministério da Infraestrutura e que é importante analisar os meios para implementá-la. “A ideia foi apresentada pelo TCU e bem recebida por todos e também pelo mercado. E aí tem que ver nos detalhes se é viável”, disse.
Questionamentos
Há várias questões que precisariam ser equacionadas na montagem de um modelo para que a proposta seja implementada. Elas vão desde a forma legal para implementar a medida e até à discussão sobre mudanças nas regras de pagamento dos acordos já firmados. Boa parte deles preveem parcelamento por mais de dez anos. Seria preciso avaliar como se daria o abatimento por meio da prestação de serviços.
Há também um possível entrave constitucional relacionado à necessidade de licitação para obras. Se o Estado selecionar empresa tal para concluir uma obra qual, isso poderia configurar o descumprimento do princípio constitucional da impessoalidade, afirma o advogado Igor Tamasauskas, que já fechou diversos acordos de leniência. “Como escolher que empresa vai fazer?”, questiona o advogado, que não acredita na viabilidade legal da proposta.
Um dos participantes da reunião de terça-feira que tratou do tema observa que essa questão realmente precisa ser analisada, mas acredita que não se trataria de ausência de licitação, e sim a prestação de serviço devido às irregularidades cometidas no passado.
Destravamento
Essas discussões se dão em um contexto no qual o Conselho Nacional de Justiça e o TCU têm feito um esforço para facilitar a retomada de obras públicas no país paralisadas por decisões judiciais. Existem pelo menos 48 nesta situação, o que tem travado investimentos de R$ 149 bilhões. O número faz parte do “Diagnóstico sobre Obras Paralisadas” publicado em novembro pelo CNJ.
José Múcio Monteiro lembra que um levantamento do TCU apontou 14 mil obras com recursos federais paralisadas, ao todo. Ele destacou que há um esforço junto ao CNJ para a retomada e que a prioridade devem ser a construção de cerca 1.300 creches.
Uma das questões que vão ser discutidas, dentro da proposta de fazer empreiteiras lenientes pagarem dano por meio da execução de serviços, é a criação de um cadastro de obras paralisadas que seriam assumidas pelas empresas. Bruno Dantas citou como exemplo que construtoras da Lava Jato poderiam atuar para finalizar entregar creches. “Se uma empresa deve R$ 3 bilhões, o Estado poderá dizer para ela construir uma ponte como pagamento. Isso vai ser estudado”, disse.
O ministro André Luiz Mendonça, da AGU, disse que a proposta merece ser discutida. ““Em tese, é uma ideia boa, mas precisamos ver a viabilidade, como formatar isso. Ainda a gente não se debruçou”.
FONTE: ESTADÃO CONTEÚDO
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