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Sobreviventes de Brumadinho estão sujeitos a doenças psicológicas e epidemias

Especialistas da Fiocruz afirmam que depressão, agravamento de doenças crônicas e surtos estão entre os prováveis impactos do rompimento da barragem da Vale

Embora a devastação causada pela avalanche de lama emBrumadinho dê a dimensão doimpacto ambiental causado pelo rompimento de uma barragem daVale na Mina Córrego do Feijão, os efeitos do desastre devem se revelar muito mais amplos do que se imagina. Especialistas da Fiocruz apontam para riscos de surtos de doenças como febre amarela e leptospirose nos próximos meses, além de prejuízo à saúde mental das populações afetadas. As consequências podem ser observadas a curto prazo, em um período de dois anos, ou até mesmo após uma década. Especialistas da Fiocruz não também não descartam que lama chegue ao rio São Francisco .

— Existe um trauma muito grande nas pessoas que perderam suas casas, seus familiares e sua (fonte de) economia. Doenças mentais são muito comuns depois de acidentes como esse — explicou Christovam Barcellos, pesquisador Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde e doutor em Geociência.

Após o desastre de Mariana , em novembro de 2015, o número de casos de doenças psicológicas – como depressão e ansiedade – aumentou em 25 vezes sete meses após a tragédia no município vizinho de Barra Longa, afetado pela lama, se comparado ao mesmo período em 2014. Para o epidemiologista Diego Xavier, também da Fiocruz, esse desafio demanda esforços por parte da sociedade e do governo.

— Isso depende de uma vontade do gestor local, regional e federal para que se implemente políticas de acompanhamento psicossocial dessas pessoas que demandam recursos físicos, humanos e um projeto para o Sistema Único de Saúde, o que até então não temos tão bem estruturado — avaliou Xavier.

Traumas fortes como os vivenciados pelos sobreviventes dos desastres ambientais em Minas Gerais podem também agravar ou aflorar doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, que podem levar a problemas cardiovasculares.

Estudo

Dor de cabeça, tosse, dor nas pernas, ansiedade, coceira, alergias de pele, cãibras e falta de apetite foram alguns dos sintomas mais notados após o rompimento da Barragem da Samarco, em Mariana, pelos atingidos da comunidade de Barra Longa. Os dados são de um estudo divulgado no final do ano passado. Entre os entrevistados, 35% consideram que sua saúde piorou depois do rompimento da Barragem e 43% afirmam ter tido algum problema de saúde após o desastre.  Os números do artigo “Avaliação de saúde da população de Barra Longa afetada pelo desastre de Mariana, Brasil”, do Instituto de Saúde e Sustentabilidade, trazem um alerta: os problemas causados pelo rompimento da barragem da Vale de Brumadinho, em 25 de janeiro, ainda devem perdurar por anos com vários riscos à saúde da comunidade.

Após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, a Secretaria de Estado de Saúde orientou que fosse suspenso todo o consumo de água ou de alimentos que pudessem ter tido contato com a lama de rejeito. A preocupação imediata era a de evitar contaminação por ingestão mas, mesmo assim, quatro pessoas já procuraram atendimento médico com sintomas de intoxicação. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, nenhum dos casos evoluiu para quadros graves. No entanto, especialistas alertam para o risco de diversas doenças infecciosas e também para o agravamento de problemas crônicos de saúde.

– É muito provável que esse número ainda cresça nos próximos dias. A intoxicação aguda por metais pesados, presentes na água contaminada, pode causar diarreia, vômito, dor abdominal ou a irritação generalizada do sistema gastrointestinal. O pó do rejeito, que fica em suspensão no ar, também pode causar irritações e danos aos olhos e ao sistema respiratório – explica a pesquisadora Ana Flávia Quintão, bióloga, doutora em saúde pública e ativista do movimento Águas do Gandarela, que luta contra a mineração predatória em Minas Gerais.

Estudos da Fiocruz identificaram um aumento significativo na ocorrência de derrames cerebrais logo após as enchentes em Santa Catarina, em 2008. Esse desdobramento, de acordo com Diego Xavier, se dá tanto pelas condições emocionais quanto pela falta de acompanhamento médico por conta da tragédia:

— No momento de desastre, alguns serviços de rotina no sistema de saúde, como o acompanhamento de hipertensos, diabéticos e pacientes renais, acabam sendo interrompidos. A infraestrutura de saúde de Brumadinho não foi afetada, contudo, dados apontam que cerca de 10% da população veio a óbito. Alguns agentes de saúde têm relação com essas pessoas, então, alguns serviços podem ter sido interrompidos.

Além disso, muitas comunidades foram isoladas com a destruição de estradas e trilhas, dificultando o acesso ao tratamento médico rotineiro. Os cientistas também esperam a ocorrência de surtos de doenças nos próximos meses. O fenômeno foi observado na extensão do Rio Doce após o desastre em Mariana.

— Serviços como coleta de lixo, o abastecimento de água e o tratamento de esgoto também são interrompidos. Isso favorece a proliferação de roedores, que transmitem o agente da leptospirose. Isso aconteceu em Santa Catarina e em Mariana e, se não tomarmos medidas adequadas, acontecerá também em Brumadinho — adverte Diego Xavier.

O desequilíbrio ambiental também amplia os riscos de surto de doenças tropicais, como a febre amarela e a dengue, como visto em Minas Gerais no ano passado. O processo pode ser agravado pela construção de instrumentos alternativos para a captação de água após os danos causados pela lama, facilitando criadouros de mosquito – especialmente pelo fato de Brumadinho ser uma área endêmica para febre amarela.

— Algumas doenças transmissíveis como febre amarela  podem surgir nos próximos meses. Pensando que estamos no verão, quente e ao mesmo tempo chuvoso, isso é propício para a procriação de alguns vetores. Estamos em uma período de transmissão de febre amarela, chikungunya e dengue — explica Barcellos. — Houve um grande surto de febre amarela em toda a região do Rio Doce logo depois do acidente de Mariana.

Água contaminada

Uma das maiores preocupações dos especialistas é a contaminação das águas do rio Paraopeba pela lama de rejeitos. O material contaminado avança na direção de outros municípios às margens do rio e pode chegar ao São Francisco. A situação exigirá o monitoramento constante da qualidade da água pelas autoridades, identificando os pontos onde a contaminação foi mais intensa e calculando os possíveis impactos a médio e longo prazo.

— Daqui para a frente a água passa a ser um elemento crítico dessa situação. Terá que ser mantido um programa muito bem executado de vigilância da qualidade da água, principalmente para metais pesados, o que não é rotina — disse Barcellos. — É preciso estender o que chamamos de população afetada. Não são só as pessoas que estão nas áreas soterradas pela lama. Existem, por exemplo, aldeias indígenas ao longo do Paraopeba que estão a 20 ou 30 quilômetros de distância do local do acidente totalmente desassistidas — completou.

A contaminação pode ocorrer através do contato com a lama, pelo consumo da água do rio ou até mesmo por meio de alimentos, como legumes e peixes. A Fiocruz propôs um plano de ação de seis meses e outro de dois anos para acompanhar as condições das águas.

— Todo o rio Paraopeba terá de ser monitorado. Pelo o que vimos nos relatórios de monitoramento ambiental no caso da bacia do rio Doce, há variações muito grandes nos níveis de contaminação em diferentes pontos do rio, e isso vai exigir um monitoramento permanente — avaliou Carlos Machado, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde da Fiocruz, que destacou: — O rio Paraopeba abrange 41 municípios que somam 1,3 milhão de pessoas, aproximadamente.

Entre os metais pesados identificados até o momento na lama de Brumadinho estão chumbo, mercúrio e cádmio, mas uma análise completa do governo de Minas Gerais deve ser divulgada em até 15 dias.

Inicialmente, a contaminação pode provocar náuseas e vômitos, mas, a depender do nível de intoxicação, problemas neurológicos podem surgir no período de dez anos. Outro agravante é que, quando a lama secar, o contato com os metais poderá se dar através da poeira, seja por meio da pele ou das vias aéreas, causando também doenças respiratórias.

Histórias de quem sofreu com a lama

Simone Silva, de 40 anos, é ativista do Movimento dos Atingidos por Barragens e do Coletivo de Saúde dos Atingidos de Barra Longa. Ea, o marido e os dois filhos carregam no corpo as lembranças daquele 05 de novembro, quando a barragem do Fundão rompeu e a lama tóxica atingiu a comunidade de Barra Longa.

Na casa, quem mais sofre com doenças após o derramamento da lama de rejeitos é a pequena Sofia, de 4 anos, que, na época, tinha apenas 9 meses. Além de erupções na pele, a menina tem sérios problemas respiratórios e constantes dores fortes nas pernas.

– Não pode ficar um dia ser os remédios e foi só no ano passado, depois de muita luta que eu consegui que a empresa arcasse com alguns custos. Na lama, meu marido pegou uma bactéria que deteriora a mão e por isso, ano passado, ele perdeu o emprego em uma fábrica de ração – conta Simone, que já chegou a gastar mais de R$ 2 mil mensais com tratamentos.

Simone também sofre com as dores nas pernas, problemas de visão e alergias respiratória e de pele. O filho mais velho, de 16 anos, luta contra a depressão, que começou após o desastre.

Um estudo encomendado pela Cáritas Brasileira mostra que Deividy não está sozinho: 28,9% dos atingidos entrevistados estavam deprimidos. Os que sofrem de ansiedade generalizada são 32% e de estresse pós-traumático são 12%. Os pesquisadores detectaram, ainda, o risco de suicídio em 16,4% dos participantes.

Quando teve notícia do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, Simone e outros atingidos estavam esperando para serem atendidos pela Renova, ONG mantida por Vale, Samarco e BHP Billiton para mediação com a comunidade (entre outros) após o crime ambiental de Mariana.

– Na hora, eu não entendi o tamanho do problema, mas quando eu cheguei em casa fui ter a dimensão e meu mundo acabou de novo. Eu sei de toda a luta que eles de Brumadinho vão enfrentar. Nós somo atingidos todos os dias – desabafa.

FONTE:  O GLOBO

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Marcio Martins martins

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