Pesquisador da Universidade Johns Hopkins afirma que número de casos deve aumentar nos meses de inverno, como ocorre agora no hemisfério norte
O verão relativamente tranquilo que a Europa teve durante a pandemia da covid-19 foi logo esquecido com a chegada do outono. Rapidamente, o número de casos cresceu, assim como o risco de colapso de sistemas de saúde com o aumento de internações.
Não houve saída, e governos se viram obrigados a impor restrições tão duras quanto as implantadas no começo do ano.
Nos Estados Unidos, o número de novos casos nunca caiu de forma considerável, mas alguns estados chegaram a ter um alívio.
No entanto, bastou o frio chegar para que o país batesse um recorde: 99,3 mil infecções registradas em 24 horas, na última sexta-feira (30).
O que está acontecendo no hemisfério norte deve servir de ensinamento a países como o Brasil.
A avaliação é do médico, pesquisador e professor Adam Ian Kaplin, da Universidade Johns Hopkins (EUA), uma das escolas de medicina mais prestigiadas do mundo.
Kaplin é um dos autores de um estudo que, em junho, já alertava para o aumento da taxa de infecção pelo coronavírus com a chegada do frio.
O artigo, publicado na plataforma medRxiv, também aponta que há uma redução do contágio nos meses de calor, mas em menor ritmo.
Em entrevista ao R7, o professor ressalta que o Brasil deve ter uma relativa queda do número de novos casos e óbitos nos meses de calor — algo que já vem se mostrando nos gráficos.
“A gente observou que quando esquenta, existe uma queda de 70% [do número de novos casos], o que é ok. Mas é importante saber que quando esfria, você tem um aumento de 200% a 300%. E é o que está acontecendo aqui [Estados Unidos]. Ainda não sabemos exatamente por quê.”
Porém, se não houver uma vacina até o começo do próximo outono, em março, o Brasil corre risco de passar por uma nova alta de infecções, afirma.
“O melhor preditor do comportamento futuro é o comportamento passado — e vocês podem ver o passado. O futuro do Brasil é o que está acontecendo aqui nos Estados Unidos e na Europa, os casos estão subindo conforme está ficando mais frio. Eu acredito 100% que os casos vão subir no Brasil quando esfriar, a menos que haja uma vacina.”
Números do Our World in Data mostram como os gráficos de novos casos se inverteram no Brasil e na Europa nos meses mais frios.
Baixo número de testes
O Brasil continua a ser um dos países que menos realizam testes de covid-19 em todo o mundo. Isso levanta dúvidas, segundo Kaplin, pois o retrato da realidade pode ser outro.
Dados do Ministério da Saúde consolidados até o dia 24 de outubro mostram que os laboratórios públicos e privados realizaram até aquela data 8,4 milhões de exames RT-PCR, que detecta o vírus no momento da infecção e é considerado imprescindível para isolar pessoas doentes e rastrear contatos.
Com esse número, o Brasil tem uma média de 39 mil exames por milhão de habitantes. Nos Estados Unidos, são 431 mil; no Reino Unido, 492 mil. Colômbia e Peru também testam mais do que o Brasil: 97 mil e 80 mil, respectivamente.
“Preocupa a mim o monitoramento do Brasil ser tão baixo. Um estudo brasileiro aponta que vocês podem ter basicamente o dobro do número de mortes sem saber [a causa]. Sem saber o que está acontecendo no verão, [o número de casos] pode decolar loucamente no inverno.”
Como evitar novos picos no Brasil?
“A única maneira de contornar isso [ausência de vacina] seria a imunidade de rebanho, em que pelo menos 60% da população é infectada. Não sei quantas pessoas estão infectadas aí, mas vocês são 200 milhões. 60% disso significa que você não quer descobrir quantas centenas de milhares de pessoas têm que morrer para obter a imunidade de rebanho. Isso é demais”, explica o professor.
Além disso, alguns trabalhos científicos recentes apontam que os anticorpos de pessoas curadas da covid-19 podem durar em torno de sete meses, o que inviabilizaria a ideia da imunidade de rebanho, já que indivíduos infectados hoje estariam vulneráveis daqui a um ano.
A outra solução seria fazer, segundo ele, “o que a China está fazendo”.
“Se alguém der positivo, seja um adulto ou uma criança, eles pegam, colocam em um hotel — mais uma uma prisão do que um hotel. E essas pessoas não saem às ruas [para espalhar o vírus]. Então, se você tiver um tipo de intervenção draconiana, pode se livrar dela [covid-19]. Isso nós sabemos que não vai acontecer países ocidentais.”
Por isso, manter o que Kaplin chama de “engenharia social” para conter o avanço do vírus é fundamental até que haja uma vacinação em massa.
“O quanto você precisa de distanciamento social em relação ao clima? Isso é uma coisa difícil de saber, porque eu não olhei para ambos, apenas isolei o clima e vi que o clima fez diferença, mas não há dúvida de que há diferença [na taxa de infecção] quando pessoas pessoas usando máscaras e há engenharia social”.
O relaxamento tanto das medidas individuais quanto do monitoramento de novos casos de covid-19 implicaria em o Brasil correr o risco de ter um patamar alto de infectados no próximo outono, mais ou menos o que acontece nos Estados Unidos.
“O ideal é tentar chegar o mais baixo possível [em casos] no calor, porque quando chega março, abril, e começa a subir, você está em um número menor. Em outras palavras, se você dobrar a taxa, mas começar com 10, vai para 20. Porém, se começar em 20, vai para 40.”
Vacina
Quatro ensaios clínicos de vacinas contra a covid-19 estão em andamento no Brasil: das empresas AstraZeneca/Oxford, Sinovac Biotech/Instituto Butantan, Pfizer/BioNTech e Janssen (Johnson & Johnson).
Os dois primeiros possuem acordos com o governos federal e do estado de São Paulo, respectivamente, para também produzir as vacinas no Brasil, caso venham a ser aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O mais otimista dos cronogramas, no entanto, não prevê que haja doses suficientes para vacinar a maior parte da população brasileira antes da chegada do inverno.
Além disso, há o temor de que campanhas antivacinas avancem na internet e possam minar esforços de imunização das autoridades.
Kaplin conhece bem esse tipo de movimento, que já existe há algum tempo nos Estados Unidos, onde são chamados de anti-vaxxers.
“Eles acham que causa sarampo, caxumba e rubéola, todas essas coisas, que causa autismo e outras coisas. Essas famílias pararam de vacinar as crianças, e elas começaram a pegar essas doenças. O sarampo pode matar crianças. Então, tiveram [os governos] que dizer: ‘olha, seu filho não pode vir para a escola a menos que seja vacinado’. Estamos falando de doenças como a varíola, que podem voltar a se espalhar de novo se não acreditarmos nas vacinas”.
O médico ainda diz que os movimentos contra as vacinas são “extremamente egoístas”, porque pessoas não imunizadas espalham doenças para outras mais frágeis.
“Viver em sociedade significa ter uma espécie de contrato social. Se não concordamos com certas coisas, não somos capazes de viver em sociedade como humanos. Todo mundo tem direito a alguma felicidade, a encontrar seu propósito na vida e direito a saúde. Parte desse contrato social diz que temos que fazer isso [vacinação] para que continuemos a viver como uma sociedade civilizada.”
FONTE: R7.COM
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