Dinheiro viria de ações judiciais, alta de impostos e revisão de royalties
RIO e BRASÍLIA – Com as finanças deterioradas e o medo de perder a disputa da redivisão dos royalties do petróleo no Supremo Tribunal Federal (STF), o Estado do Rio vem fazendo um esforço concentrado para tentar elevar a arrecadação e botar a mão em quase R$ 16 bilhões relativos a disputas e polêmicas envolvendo a cadeia de petróleo e gás. No centro do impasse estão ações judiciais contra as empresas do setor, que somam um potencial de R$ 10 bilhões, a criação de impostos para as produtoras instaladas no Rio, o que poderá gerar um extra de R$ 3,8 bilhões, e ainda convencer o governo federal a rever a fórmula do cálculo dos royalties de petróleo e gás, o que traria outros R$ 2 bilhões aos cofres fluminenses.
Na Justiça, 3.500 processos
A força-tarefa ocorre em um momento em que a arrecadação dos royalties está despencando devido à queda dos preços do petróleo no mercado internacional, que desde meados de 2014 desabaram 67%, de US$ 100 por barril para os atuais US$ 36. Assim, os royalties pagos ao Estado do Rio caíram quase 37%: de R$ 8,7 bilhões em 2014 para R$ 5,5 bilhões no ano passado — e devem continuar neste patamar em 2016.
O secretário de Fazenda do Estado do Rio, Julio Bueno, explicou ao GLOBO que, após o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) ter determinado que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) mantenha o atual sistema de cálculo de royalties e participações especiais (PE) a estados e municípios, no fim de janeiro, o governador Luiz Fernando Pezão vai levar essa discussão ao primeiro escalão do governo federal.
— Ficamos perplexos com a decisão do CNPE. Estamos em um cenário de dificuldades. Os valores dos royalties e das PEs estão errados, porque a ANP os calcula com base em um modelo dos anos 1960. Fizemos um trabalho mostrando isso e entregamos à ANP, que levou o assunto à audiência pública após seus estudos internos — disse Bueno.
Hoje, a cadeia de óleo e gás representa 33% do PIB do estado. E é a maior fonte de ICMS no Rio: respondeu por R$ 5 bilhões dos R$ 32 bilhões gerais arrecadados no ano passado. Por isso, Bueno também promete endurecer o tom com as empresas de petróleo. Segundo ele, há questões tributárias “inaceitáveis” em discussão na Justiça. De acordo com levantamento feito pela Secretaria de Fazenda, há 3.500 processos em andamento relacionados a débitos tributários devidos pelas companhias, como a Petrobras. O passivo chega a R$ 10 bilhões. As petrolíferas ainda vêm deixando de recolher aos cofres do estado R$ 1 bilhão por ano.
‘Questões inaceitáveis’
Entre as principais disputas judiciais, estão o não recolhimento de ICMS em operações de transferência de combustíveis a embarcações afretadas e o não recolhimento do Imposto de Importação referente a insumos.
— São questões inaceitáveis, que forçam o bom senso. Um exemplo desses processos se refere ao fato de as empresas de petróleo afirmarem que broca de perfuração (usada para perfurar um poço de petróleo) é material permanente. Eu digo que a broca é material de consumo porque há desgaste. E eu dizendo isso, há incidência de ICMS. Em material permanente não há tributação. As empresas não aceitam coisas óbvias, de maneira a fazer elisão fiscal — disse Bueno.
Segundo fontes, um caso emblemático envolve a Petrobras, que transfere o petróleo produzido para os navios da Transpetro sem pagar imposto. Segundo o processo, o governo estadual alega que há incidência de ICMS por se tratar de empresas diferentes, o que não é aceito pela estatal. Procurada, a Petrobras não se pronunciou. O secretário disse que não pode citar o nome das empresas devido ao sigilo fiscal:
— O petróleo tem sido extremamente importante para o Rio. Mas o Rio não pode ser o viabilizador da indústria do petróleo às custas de não conseguir se apropriar de receitas fundamentais para o estado.
Mas não é só. A polêmica promete ganhar novo capítulo com a maior tributação para as empresas do setor de petróleo. Apesar de já terem sido sancionados pelo governador leis para a taxação, em uma Ufir-RJ (R$ 2,71), de cada barril de petróleo extraído no estado e para a incidência de 18% de ICMS nas operações de transporte do óleo do poço às refinarias, elas precisam ser regulamentadas por Bueno até abril:
— O Rio precisa dessa garantia. Hoje, tememos perder no STF. Mas queremos ter o melhor ambiente de negócios. O cenário político tem consequência. E a consequência foi gerar as taxas, que a gente não quer usar. Eu preciso regulamentar até abril. Queremos discutir com o setor.
MUDANÇA LEVOU A DEBATE
Procurado, o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), que já chegou a afirmar que as leis são inconstitucionais, não retornou o contato da reportagem.
Alfredo Renault, professor da PUC-RJ, lembrou que a mudança do marco regulatório, com a introdução do modelo de partilha, teve um viés concentrador de recursos para a União, provocando o debate sobre a redistribuição dos royalties:
— Assim, os mecanismos de aumento de arrecadação em análise são fruto de um problema maior, causado pela União, que deve assumir a busca de uma solução que contribua para o reequilíbrio das contas.
Governo fluminense prevê perder R$ 5 bilhões
Numa empreitada para tentar derrubar a lei que divide os royalties do petróleo com o resto da Federação, o governo do Estado do Rio enviará aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) um estudo para mostrar que perderá cerca de R$ 5 bilhões ao ano caso a legislação seja declarada constitucional. Esse valor representa 11% da receita corrente líquida do Rio. No documento, ao qual O GLOBO teve acesso, o governo estadual diz que a redistribuição das receitas levaria à falência do estado e ao caos nos serviços públicos.
“A redistribuição das receitas de royalties e participação especial de petróleo provocaria uma perda gigantesca para governos de regiões produtoras, em alguns casos levando inevitavelmente a falência das finanças e caos em muitos serviços públicos, em troca de gerar ganhos pífios para demais governos”, alerta o estudo feito pelo especialista José Roberto Afonso.
— Se o Supremo derrubar a liminar, o Rio de Janeiro vai à falência. Além da lei, o estado ainda tem de lidar com a redução das receitas por causa da queda do preço internacional do petróleo e algum tipo de planejamento tributário da Petrobras no cálculo da participação especial (que funciona como um imposto sobre o lucro dos poços de petróleo), que derreteu nos últimos meses — afirma o economista, que discutiu o assunto com o governo do Rio e conclui um artigo sobre o tema.
O assunto foi parar na Justiça, porque o governo fluminense entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) após a aprovação da lei, em 2012. No ano seguinte, em resposta ao pedido do Rio, a ministra Cármen Lúcia suspendeu, em caráter cautelar, a nova distribuição. Desde então, o tema está parado. O STF argumenta que tramita no Congresso, em estágio avançado, um projeto que pode modificar, em breve, o formato de partilha questionado no STF.
“Desta forma, a presidência (do STF) considera prudente aguardar a conclusão da produção legislativa, de modo a evitar que os debates em torno da matéria e uma eventual decisão sobre questão tão complexa tenha seu objeto esvaziado em virtude de uma nova lei”, justificou o Supremo em resposta ao GLOBO.
SÓ BÚZIOS TERIA QUEDA DE 26%
Segundo duas fontes a par dos bastidores, tanto governadores de estados produtores quanto os daqueles beneficiados pela lei querem urgência na votação da Adin, por causa da crise nas contas públicas estaduais. No caso do Rio, a situação é tão grave que foi preciso recorrer ao Tesouro Nacional para conseguir a liberação de R$ 1 bilhão de limite de empréstimo para para arcar com as despesas correntes. De acordo com essas fontes, a União dará seu aval.
Essa situação será apresentada aos ministros. O estudo mostra também que a perda de todos os estados produtores chegaria a R$ 8,7 bilhões, com queda de 56% na arrecadação de royalties. E ressalta que os ganhos para os estados não produtores seria muito pequeno.
Os R$ 4,8 bilhões repassados seriam divididos por 25 estados, o que aumentaria em apenas 0,8% a receita corrente desse grupo. Individualmente, na melhor das hipóteses, elevaria a receita em apenas 3,6% em Roraima, 3,4% no Amapá, 3,2% no Acre. Em Goiás e Mato Grosso, a alta não chegaria a 1%.
Já na distribuição de R$ 5,5 bilhões a 5,5 mil prefeituras, os municípios fluminenses perderiam cerca de R$ 3,7 bilhões. Búzios sofreria mais: queda de 26% da receita corrente. Em São João da Barra, a perda é de 23%. Campos, Rio das Flores, Macaé e Italva teriam baixa de 20%, 18%, 17% e 10%, respectivamente.
Fonte: oglobo
Add Comment