Cataris precisam da permissão de um homem para viajar e ir ao médico e ainda estão desamparadas pelas leis do país
A gritante desigualdade de gênero no Catar, evidenciada pela Copa do Mundo no país, expõe o abismo entre a vida de homens e mulheres. Elas são impedidas de tomar decisões importantes sobre suas próprias vidas devido a um sistema bastante discriminatório de tutela masculina.
Às margens da sociedade, elas precisam mostrar que têm permissão do marido ou do pai para viajar para o exterior até os 25 anos, se casar, acessar serviços de saúde reprodutiva e até de cuidados básicos.
Segundo a diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu, “muitas mulheres dizem que essa questão afeta muito suas vidas e sua saúde mental. Há muitos casos de mulheres com depressão e com pensamentos suicidas.”
A radicalização a que estão expostas se relaciona com a interpretação da Sharia (lei islâmica derivada de orientações religiosas), principal fonte da constituição do país.
O professor de relações internacionais da FMU Manuel Furriela aponta, entretanto, a importância de ressaltar que “não necessariamente o que está nos preceitos religiosos tem aquela mesma intenção. As leis estão sujeitas às interpretações, que podem ser várias.”
A jovem catari Noof al-Maadeed se tornou muito conhecida após decidir fugir do país para tentar uma nova vida em Londres, na Inglaterra, e documentar sua trajetória nas redes sociais. Ela alega que precisou deixar o Catar porque sofreu agressões da família e tentativas de homicídio.
Al-Maadeed gerou apreensão quando sumiu das redes sociais em outubro de 2021 ao voltar para o Catar. Especulações começaram a aparecer sobre o paradeiro da jovem, com muitas pessoas dizendo que ela poderia ter sido assassinada.
Organizações defensoras dos direitos humanos passaram a pressionar o Catar e a hashtag #whereisNoof (onde está Noof) começou a circular até a jovem reaparecer no Twitter em janeiro deste ano.
“Estou bem, estou saudável e segura. Este vídeo é para tranquilizar todos que mostraram seu apoio”, publicou.
Ela não deu explicações sobre sua ausência e disse que fez uma nova conta no Twitter depois de perder a senha da anterior, onde tinha mais de 16 mil seguidores. Atualmente, ela voltou ao perfil inicial, mas deixou de fazer publicações constantemente.
“O Catar desenvolveu muitos nos últimos anos sua capacidade de vigilância online das pessoas”, diz a diretora da Human Rights Watch.
“No país, não existe uma lei que proteja a mulher de violência doméstica”, explica. “Muitas mulheres que querem fugir de uma relação abusiva correm o risco de serem devolvidas às famílias e presas, também já vimos casos de vítimas mandadas para hospitais psiquiátricos.”
A especialista aponta que é muito difícil questionar as regras do país porque não existe liberdade de expressão para isso. Desta forma, a pressão da comunidade internacional se torna determinante.
Aisha al-Qahtani decidiu deixar o Catar para escapar das opressões vividas no país. A jovem também fugiu para Londres, em dezembro de 2019, durante uma viagem com a família para o Kuwait.
O Catar é o único país do Conselho de Cooperação do Golfo que continua a exigir que mulheres com menos de 25 anos apresentem a permissão de um homem para viajar ao exterior.
“Era como se eu precisasse de alguém para me beliscar porque não conseguia acreditar que realmente estava fugindo”, disse al-Qahtani em entrevista ao programa 60 Minutes Australia.
“Eu dizia a mim mesma que se eu fosse uma garota loira de olhos azuis, minha família apenas me diria ‘boa viagem’”, completou.
Para Maria Laura Canineu, a Copa do Mundo fez “muito pouco” pelos direitos das mulheres no Catar. “O sistema de tutela masculina não irá acabar a menos que exista uma vontade global de pressionar o país de uma forma que passe a repensar suas práticas.”
A diretora da Human Rights Watch ressalta que os riscos de violência sexual são exacerbados durante grandes eventos. A situação se torna ainda mais grave em um país onde as vítimas estão desamparadas pela lei.
Ela ressalta que a legislação do Catar não respeita as diretrizes da Comunidade Internacional das Nações Unidas e quebra o compromisso com a Declaração Universal Dos Direitos Humanos, que coloca a dignidade das pessoas em primeiro lugar.
“As mulheres que denunciam violências sexuais no país correm o risco de serem processadas porque o código penal do Catar criminaliza a relação sexual fora do casamento”, explica.
“Se o agressor alegar que a relação foi consensual, a mulher casada corre o risco de responder pelo delito, que é um dos mais pesados em termos de pena, com quase sete anos de prisão.”
FONTE: R7.COM
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