Na Colômbia, no Equador, na Bolívia e no Brasil, percentual de casos nas áreas na Amazônia é proporcionalmente maior do que no restante dos territórios nacionais
Depois de quase três meses de combate à pandemia da Covid-19 no continente, algumas regiões mantêm estado elevado de alerta, entre elas a Amazônia, que se espalha por nove países, incluindo Brasil, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia. Nesse enorme território onde vivem centenas de comunidades indígenas, o aumento expressivo de casos já é uma realidade, e a preocupação pela vulnerabilidade de suas populações é cada vez maior entre ONGs locais ouvidas pelo GLOBO.
Um dos focos mais delicados é a tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, onde o número de infectados cresce diariamente e, nos países vizinhos, aumenta a tensão por estar ao lado de um dos epicentros mundiais da pandemia.
Fatores que chamam a atenção nas províncias amazônicas, em relação ao resto de cada país, são ou a alta letalidade local da doença ou o desproporcional número de contágios. No Brasil, o estado do Amazonas já tem mais de 40 mil casos e superou os 2.100 óbitos, com seu sistema de saúde no limite. Entre as 20 cidades com maior taxa de incidência de casos no país, 13 são do Amazonas.
Fronteira militarizada
Na Colômbia, autoridades e dirigentes políticos garantem que os primeiros casos na cidade de Leticia, separada apenas por uma rua da brasileira Tabatinga, foram importados de Manaus.
Em vista disso, no Congresso colombiano, senadores como o liberal Maurício Gómez Amín chamaram a atenção para os riscos que enfrenta a Amazônia local. Em meados de maio, o governo do presidente Iván Duque reforçou a militarização na fronteira e, por pressão de partidos políticos e ONGs, foi enviada ajuda humanitária.
— Era evidente o enorme risco que existia nessa parte da Colômbia pela proximidade de Leticia com Tabatinga — afirmou o senador.
Ele destacou que o novo coronavírus ameaça a existência das comunidades indígenas colombianas, que representam 70% da população do departamento (estado) do Amazonas. Segundo o senador, os ticunas e os yaguas, que habitam a tríplice fronteira, estão expostos a um “alto risco de transmissão e mortalidade”.
Em Leticia, de um total de 48.144 habitantes, dados oficiais indicam que 1.898 pessoas foram infectadas e 65 faleceram. Já em Bogotá, onde vivem 7,4 milhões de colombianos, o número de contagiados foi de 11.250, dos quais 272 foram a óbito.
— Já temos confirmados 480 casos de contágio em comunidades indígenas da nossa Amazônia. A precariedade do lugar é enorme e, por mais que a fronteira esteja militarizada, as pessoas continuam passando — comentou Diego Cardona, coordenador geral da ONG Censat Agua Viva-Amigos da Terra Colômbia.
Estas comunidades — como ocorre na vizinha Bolívia — sofrem pela pandemia e, também, por um recorde de queimadas, combinação que acaba elevando o número de pessoas com doenças respiratórias. Tudo isso, num contexto de profunda precariedade sanitária. Quando a crise do coronavírus começou, em Leticia não havia sequer um leito de CTI. Hoje, com a ajuda do governo nacional, cinco pessoas estão internadas em unidades de terapia intensiva.
A situação de emergência levou os governos da Colômbia e do Peru, em 20 de maio, a criarem um comitê binacional de proteção aos indígenas. Já foram lançadas campanhas de ajuda a estas comunidades, apoiadas, entre outros, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
No Peru, dois dos departamentos mais afetados são Loreto (que concentra 43% das comunidades indígenas peruanas, integradas por 60 mil pessoas) e Ucayali, e em ambos o número de mortos contabilizados por ONGs e hospitais locais é bem superior ao do governo.
Enquanto o Ministério da Saúde registra 300 mortos em Loreto e 113 em Ucayali — ambos na fronteira com o Brasil — a ONG CooperAccion indica, respectivamente, 794 e 494.
— Temos mais de mil comunidades nativas em distritos amazônicos e em todas há, pelo menos, um caso de Covid-19. Entre abril e maio, o número de comunidades expostas à pandemia passou de 400 para 1.080 — disse o geógrafo Dionel Martínez, que comanda uma das equipes de investigação na região.
No último relatório elaborado pela ONG, em toda a região amazônica peruana o número de contágios atingiu 7.406, e o de óbitos, 1.316.
— Os primeiros casos foram confirmadas umas três semanas após a Covid chegar a Lima. Se o país parece estar chegando a um patamar de estabilidade, a região amazônica ainda está longe disso. Lá é muito difícil controlar o vírus — comentou o geógrafo peruano.
Ele explicou que na Amazônia local, “muitos dos casos de contágio ocorreram pela chegada de pessoas levando ajuda aos indígenas”.
— Tivemos um caso em Loreto de um servidor municipal que contagiou 20 comunidades. E quando são emergências, não podem ser atendidas porque estamos falando de regiões abandonadas há décadas pelo Estado — lamentou Martínez.
Subnotificação
Em Loreto, onde vivem 880 mil pessoas (2,7% da população do país), foram registradas 6,5% das mortes por Covid-19 em todo o Peru (4.894). Como em todo o continente, a certeza de que existe uma subnotificação é grande, e especialistas estimam que os números reais poderiam ser até dez vezes superiores aos oficiais. Além disso, a taxa de letalidade local é o dobro da média nacional peruana, de 2,75%.
— Em Loreto, a taxa de letalidade da Covid é de 5,79%. O fluxo de pessoas na região de fronteira com Colômbia e Brasil é grande. Em nossos mapas, vemos claramente como crescem os contágios à medida que nos aproximamos da tríplice fronteira — relata o geógrafo.
O governo do presidente Martín Vizcarra, que enfrenta enormes dificuldades para conter a pandemia em todo o país — já são 178.914 casos confirmados — apesar de ter decretado uma das quarentenas mais rígidas da região, em meados de março, promulgou uma iniciativa do Parlamento que prevê a implementação de medidas para proteger as comunidades indígenas. Uma das ações aprovadas é o controle do trânsito fluvial.
Desastre sanitário
Na Bolívia governada pela presidente interina Jeanine Áñez, os departamentos amazônicos de Beni e Santa Cruz são dois dos mais afetados pela pandemia e, como na Colômbia, pelas queimadas desta época do ano. Beni, que tem menos de 0,5% da população do país (11,5 milhões de habitantes), concentra 25% das mortes (376) e decretou estado de desastre sanitário.
Em Santa Cruz, afirmou Marco Garandillas, pesquisador de temas ambientais, já foram confirmados mais de sete mil casos de contágio, de um total de 10.991 em todo o país, sendo que o departamento concentra cerca de 30% da população boliviana.
— Foram adotadas medidas de isolamento, mas são insuficientes. Temos informações sobre sete líderes indígenas que morreram de Covid-19 — informou Garandillas.
Ele mencionou o temor de que algumas comunidades, se a doença continuar avançando, entrem em risco de extinção, como a Pueblo Yuki, em Cochabamba. De um total de 300 indígenas, pelo menos 20 já estariam contagiados.
— A pandemia está se expandido às zonas rurais, que estavam começando a se recuperar de uma epidemia de dengue (mais de 60 mil casos). E tudo isso com um sistema de saúde profundamente limitado — apontou o pesquisador.
No Equador, que já tem mais de 40 mil casos de contágio, 3.486 óbitos confirmados e 2.129 mortes suspeitas, os dados oficiais sobre a situação na região amazônica são escassos. Mas, se embora o número de casos e mortes nos seis departamentos do país situados na Amazônia não chamem atenção em relação ao resto do país, segundo Sofia Jarrim, da ONG Amazon Watch, “diante da falta de uma política estatal de controle e ajuda, as associações indígenas estão atuando por decisão própria”.
— Uma das coisas exigidas pelas comunidades e as associações que as representam foi a suspensão de atividades de extração de minerais na região, mas isso não foi respeitado, aumentando os riscos para as comunidades — disse Jarrim.
A região amazônica representa 48% do território equatoriano, distribuídos em seis províncias. A ONG confirmou, até agora, 1.240 casos de contágio no total. A taxa de letalidade chegaria a 8,5%, bem maior que a apontada pelo governo, que estaria em cerca de 3,5%.
— Estamos falando de regiões onde a pobreza afeta entre 80% e 100% da população. São cidades e comunidades isoladas, sem acesso ao sistema de saúde — afirmou a pesquisadora equatoriana.
FONTE: O GLOBO
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