Pelo texto atual, contribuintes têm mais a perder do que ganhar. Segundo especialistas, dinheiro no bolso deve encolher
Alvo de críticas de diversos setores, a reforma tributária acena aos trabalhadores ao reajustar a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física. Pela proposta, mais trabalhadores ficarão isentos do pagamento do IR, sobrando, portanto, mais dinheiro no bolso desses trabalhadores.
A notícia, apesar de positiva, é considera insuficiente por especialistas já que o reajuste foi considerado mínimo e a tabela não sofre adequação desde 2015. Além disso, o eventual ganho aos trabalhadores com a correção da tabela irá desaparecer com outras medidas propostas pelo relator da reforma, deputado Celso Sabino (PSDB-PA): o fim do incentivo para o vale-alimentação, a impossibilidade de trabalhadores que ganham mais de R$ 40.000 por ano de adotarem o modelo simplificado no ajuste anual. Além disso, algo que ficou de fora do relatório: a ausência de uma correção dos valores das deduções com dependentes e com educação.
Como um todo, portanto, os trabalhadores têm mais a perder do que a ganhar com o atual desenho da reforma tributária, segundo especialistas.
“O reajuste da tabela é insuficiente e tem um efeito irrisório de R$ 7 por mês para o rendimento de R$ 2.500. Revogar o benefício fiscal do vale-refeição vai contra o trabalhador porque pode resultar no corte desse benefício, já que vivemos em um cenário de empresas em dificuldade e 14 milhões de desempregados”, diz Sarina Manata, assessora jurídica da Fecomércio-SP. A entidade trabalha para reverter alguns pontos do texto.
Já para advogado especialista em Direito Tributário e Econômico e professor de Direito Tributário Gabriel Quintanilha, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a reforma não deve resultar no fim do vale-refeição, mas traz sim prejuízos ao trabalhador e a sociedade como um todo pelo aumento da carga tributária.
“Não acredito que reforma irá acabar com o vale-refeição, mas há cascas de banana importantes no texto. A desatualização da tabela é de 115% e o reajuste proposto é muito menor do que isso. Por outro lado, o limite para a declaração simplificada vai deixar muitos trabalhadores sem a possibilidade do desconto. Isso é um prejuízo ao trabalhador. Essa reforma não é para o bem de ninguém, é para o mal do País, porque não foi feita a administrativa e os gastos do governo, portanto, não vão cair. Ao contrário de reduzir a carga tributária, a reforma aumenta”.
O dinheiro a mais no bolso do trabalhador com a correção da tabela, portanto, além de não repor as perdas com a inflação que reduz o poder de compra desde 2015, pode sumir caso seja aprovado o fim da dedução em dobro das despesas realizadas no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que inclui vales refeição ou alimentação ou fornecimento de refeição pelas empresas. Com o fim do benefício fiscal, especialistas acreditam que, em momento de crise, as empresas devem simplesmente cortar os benefícios, já que não são obrigatórios pela lei trabalhista.
De acordo com estimativas da Receita, pelo desenho atual da reforma, 5,6 milhões a mais de pessoas ficarão isentas de declarar esse imposto no Brasil, totalizando 16,3 milhões de isentos, com perda de arrecadação estimada em R$ 13,5 bilhões em 2022.
Simulações
Para compensar essas perdas aos cofres públicos, o relatório propõe o fim de benefícios como o PAT. Com a ajuda de especialistas, fizemos simulações do impacto da tributária, caso o relatório seja aprovado como está, no bolso do trabalhador.
Um trabalhador considerado de classe média brasileira ganha de R$ 667,87 a R$ 3.755,76, segundo o Instituto Locomotiva. Escolhemos um valor próximo da média entre esses valores, de R$ 2.500. Um trabalhador que recebe esse salário hoje paga (ou recolhe) 7,5% de IR (R$ 44,70 mensais). Com a reforma, ele deixará de pagar esse valor mensal, pois passará a ser isento. Por outro lado pode perder o benefício do vale-refeição, que em geral é de cerca de R$ 500 (apesar de não haver regra de valor), ou equivalente a uma cesta básica. Caso o trabalhador já não receba vale-refeição, será beneficiado.
Um trabalhador que ganha o dobro disso, com renda de R$ 5.000 mensais, paga hoje 27,5% de IR (R$ 505,64 mensais) e passará a pagar 22,5% (R$ 378,75). Uma diferença de R$ 126,89 mensais que pode “sumir” caso ele perca o benefício do vale-refeição e tenha que pagar a alimentação do próprio bolso.
Outra mudança pode tirar mais dinheiro do bolso do trabalhador que ganha R$ 5.000 mensais, e portanto tem renda anual de cerca de R$ 60.000. Hoje esse trabalhador pode ter o desconto da declaração simplificada no ajuste anual do IR, ideal para quem tem poucas deduções. Com a reforma, apenas trabalhadores que ganham até R$ 40.000 anuais podem optar pela declaração simplificada deixando o imposto a pagar mais alto ou as deduções mais baixas.
Progressividade
Um problema adicional do texto, apontado por especialistas, é a progressividade apenas para as faixas mais baixas de salário, como explica Ângelo Peccini Neto, advogado especializado em Direito Tributário, Contabilidade, Auditoria e Gestão Tributária do escritório Peccini Neto Advocacia:
“O aumento das alíquotas do IR para quem ganha mais, por exemplo, não foi considerado, mas elas são progressivas para quem ganha menos. Assim, do ponto de vista da estrutura tributária, tanto faz ganhar R$ 5 mil ou R$ 5 milhões: o imposto a pagar é o mesmo”.
Este cenário, de tributação progressiva entre os mais pobres, tem levado muitos brasileiros de baixa e média rendas a acumularem dívidas com a Receita Federal e a acabarem sujeitos a penalidades quase impossíveis de pagar, segundo o especialista. “Não estamos falando daqueles que têm vontade de dolo, de sonegar voluntariamente o erário público – mas sim de cidadãos que, por algum motivo, não foram capazes de arcar com os custos do imposto de renda”, observa Peccini.
Médicos
Entre os trabalhadores com renda mais alta, os médicos que atuam como pessoa jurídica também reclaram do texto da tributária. Para Tiago Lázaro, CEO da Mitfokus, que fornece soluções financeiras e tecnológicas para área médica, a proposta deve aumentar a carga tributária para os médicos que têm consultórios e clínicas, atuando portanto como pessoa jurídica.
Ele explica que apesar da proposta reduzir a alíquota de 15% para 10% de IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica), não altera a alíquota da CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido) e tributa os dividendos em 20%, distorcendo o fato de que a medida se propõe a simplificar a tributação.
“Em termos gerais, a redução da carga tributária em alíquotas efetivas de uma empresa médica no regime do lucro presumido, com faturamento de 100 mil, ISS de 5%, e considerando que os sócios distribuem 60% da receita, diminuiria 1,6% da carga efetiva, tributando em 15,93% aproximadamente. E considerando a tributação dos dividendos, a carga tributária total (empresa + sócio), aumentaria para 27,93% se esta medida fosse colocada em prática. Desta forma, os médicos seriam duramente impactados com a nova forma de tributação, já que suas retiradas são feitas justamente dos lucros de seus negócios”.
Lázaro estima que 85% dos médicos serão impactados, “já que a maioria trabalha como PJ (Pessoa Jurídica) hoje no Brasil”.
IRPJ
Apesar das críticas de diversos setores, os especialistas concordam que o texto do relator é melhor em relação ao original em relação aos impostos pagos pelas empresas.
“Já melhorou a calibragem, mas ainda consideramos insuficiente pelo aumento da carga tributária para as empresas. A carga sobre o lucro hoje é de 34%. Na proposta original subia para 43,2% e no relatório voltou para 37,2%. Ainda com aumento da carga”, concluir Sarina Manata.
FONTE: R7.COM
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