Brasil Produtivo

Queimadas chamam atenção para urgência de um agronegócio sustentável

Enquanto contabiliza as perdas provocadas pelas queimadas, setor investe em técnicas menos agressivas à natureza

O fogo, que tomou conta de quase todos os estados brasileiros, destruiu as vegetações nativas, matou os animais silvestres e adoeceu a população, trouxe também consigo a fumaça, que encobriu o território nacional nas últimas semanas, e se tornou uma das principais preocupações do governo brasileiro. Com o aumento das chamas, cresceram os questionamentos sobre como os incêndios atingiram grandes proporções em todo o país.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostrou que, no último mês, o Brasil teve mais de 75 mil focos de incêndio em todo território. Somente este ano, quase 225 mil km² foram afetados pelo fogo em todo o país, sendo o mês de agosto o mais afetado, com 110.704 km² prejudicados pelas chamas. Especialistas levantam argumentos sobre o uso indevido do solo, o aumento do desmatamento dos biomas, além do aumento da produção de gases de efeito estufa como as possibilidades das queimadas.

Esse cenário de devastação se desenhou, coincidentemente, no período em que ocorre, no Brasil, as reuniões do G20, fórum que reúne as 19 principais economias do mundo e a União Europeia. Sob a presidência brasileira este ano, o foco principal dos encontros é, justamente, o desenvolvimento sustentável, buscando mitigar os efeitos das mudanças climáticas, como o aumento das queimadas.

Neste mês, o Grupo de Trabalho da Agricultura do G20 se reuniu, em Mato Grosso — maior estado produtor agropecuário do país — para discutir o papel da sustentabilidade na produção rural. De acordo com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, os principais objetivos do GT são a sustentabilidade nos sistemas agroalimentares e o reconhecimento do papel essencial da agricultura familiar para sistemas alimentares sustentáveis, saudáveis e inclusivos.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Mato Grosso tem o maior rebanho bovino do país, com 34 milhões de cabeças de gado, além de ser o maior produtor de soja, milho e algodão. O estado ainda enfrenta a pior queimada do país. Nos meses de agosto e setembro, o estado representou 24,3% de todas as queimadas, com mais de 18 mil focos de incêndio no território.

Desde o início do ano, vem sendo campeão no ranking de queimadas, o que representa uma preocupação para os agricultores e os ambientalistas. “O bioma (cerrado), que é extremamente vulnerável durante a estiagem, viu a maior extensão de queimadas nos últimos seis anos, refletindo a baixa qualidade do ar nas cidades”, detalha Vera Arruda, pesquisadora no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora técnica do Monitor do Fogo.

De acordo com Isabel Garcia-Drigo, diretora do programa de Ciência do Clima, Uso da Terra e Políticas Públicas do Imaflora, a discussão sobre o agro sustentável é complexa e não deve ser vista como uma luta entre os produtores rurais e os ambientalistas. “O agro não é uma coisa homogênea e unificada. Existe o agro que é consciente e que trabalha para fazer corretamente, mas que, infelizmente, não é a maioria. E, existe, na minha análise, aqueles que fazem e sempre fizeram a mesma coisa, e ainda não se conscientizaram de que isso não vai se sustentar por muito mais tempo com as mudanças climáticas”, argumenta.

Tecnologias

Garcia-Drigo aponta que as tecnologias estão disponíveis para tornar o agronegócio mais sustentável, como o pastoreio rotativo, o reflorestamento, entre outros, mas que ainda são técnicas avançadas que não conseguem chegar aos produtores rurais de diferentes regiões do país. “A transição de um modelo convencional para o sustentável não é de graça, custa muito caro. Existe uma discrepância entre as regiões do país, como o produtor do Norte que não tem tanto dinheiro para mudar o tipo de pastoreio como o produtor do Centro-Oeste teria, aponta. “Mas a hora é agora de levar essas tecnologias, que já estão aí prontas e descritas pela Embrapa, para os milhares de imóveis rurais”, completa.

Apesar de Garcia-Drigo acreditar que ainda falta dinheiro e espaço para o produtor rural colocar em prática o agro sustentável, o coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Nelson Ananias, discorda de que o Brasil ainda está longe de alcançar a sustentabilidade. “Temos uma tendência em acreditar que já alcançamos a sustentabilidade no agro, mas temos uma dificuldade de quantificar o número de produtores rurais que o praticam. Precisamos criar mecanismos de transparência que quantifiquem, que mostrem as metodologias, que monitorem e verifiquem o serviço dos produtores”, diz.

Ananias argumenta que a responsabilidade do agro como causador e produtor dos gases de efeito estufa é uma afirmação perigosa e difícil de se basear. “O grande vilão da emissão de gases de efeito estufa é a produção de energia, principalmente os combustíveis fósseis. Não podemos colocar a responsabilidade no setor que garante a segurança alimentar do mundo, que evita guerras, porque a fome é causadora de guerras. O agro tem o seu papel. Tem a sua ação dentro da matriz de mudanças climáticas, mas não pode, de forma alguma, ser responsabilizado pelas mudanças climáticas do jeito que é hoje”, alega.

Uma pesquisa da Universidade de São Paulo, em parceria com a CNA, demonstrou que o agronegócio produziu para o Brasil, no primeiro trimestre de 2024, R$ 2,45 trilhões, sendo R$ 1,65 trilhão no ramo agrícola e R$ 801 bilhões no ramo pecuário. Mesmo com o papel importante do agronegócio na economia brasileira, não é possível ignorar os malefícios que a área traz para o meio ambiente. Natália Crusco, coordenadora técnica da equipe da Mata Atlântica do MapBiomas, explica que grande parte dos incêndios começaram em áreas agrícolas.

“Alguns fatores como a baixa umidade do ar, ventos fortes e presença de material combustível, como matéria orgânica seca, contribuem com a rápida propagação do fogo. Esses eventos trazem graves consequências à saúde da população, à infraestrutura local e ao meio ambiente e medidas mais eficazes de prevenção e controle se fazem necessárias para reduzir os riscos associados ao fogo”, comenta Crusco.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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