‘Proibiremos o Telegram no país? Algo precisa ser feito’, diz ministra do TSE
Maria Claudia Bucchianeri, 42 anos, advogou para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018, e defendeu, perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a elegibilidade do então candidato à Presidência da República pelo PT. Seria natural concluir que o principal antagonista político de Lula nas eleições daquele e deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL), teria motivos para não escolher a advogada dentre as candidatas à vaga de juíza do TSE. Em entrevista à revista Marie Claire, ela falou sobre fakenews nas eleições e outros assuntos.
Confira abaixo alguns trechos da entrevista:
“Se tivessem me dito que Bolsonaro me nomearia ao TSE, nunca acreditaria. Sou uma mulher de fé. Acho que as pequenas coisas da minha vida foram se amarrando para culminar nisso”, afirmou.
Maria Claudia é a nona mulher a passar pelo TSE e atualmente a única juíza da corte.
Os nomes para as vagas de juristas são sugeridos pelo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, votados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e depois encaminhados para a escolha do Presidente da República.
O apoio de grupos evangélicos foi decisivo na nomeação. A proximidade de Maria Claudia com diferentes comunidades religiosas se deu a partir de sua tese de mestrado, sobre liberdade religiosa e separação entre Estado e Igreja, pesquisa orientada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, na época, segundo ela, ainda cabeludo, jovem professor da Universidade de São Paulo e uma promessa do Ministério Público de São Paulo. O magistrado foi um dos padrinhos de seu nome para o TSE.
O que podemos esperar do trabalho do TSE neste ano eleitoral?
Maria Claudia Bucchianeri – Temos a função de complementar quorum em casos de impedimento, suspeição. Participei no caso do Luiz Fernando Pezão [ex-governador do RJ], por exemplo, porque os ministros do Rio se declararam suspeitos. Como sou a única mulher no tribunal, e aí eu percebo a falta que fazia uma mulher, Barroso tem me delagado uma agenda institucional relacionado a pautas femininas. Organizei um evento enorme sobre violência política contra mulheres. Sou representante da comissão gestora de política de gênero do tribunal, sempre com uma perspectiva interseccional. Também sou representante do TSE no fórum da ONU Mulheres, estou trabalhando na criação de um canal específico de denúncia de violência política, na formação de magistrados e promotores para saberem como agir em caso de violência política. Em fevereiro faremos o primeiro encontro nacional de juízes integrantes de cortes eleitorais, não sabemos quantas são, não temos esse controle. E pela tradição, a propaganda dos candidatos presidenciais fica a cargo de um juiz substituto do STJ e dos dois substitutos dos juristas. Então, fake news, invasão de tempo, ofensa, fica a cargo dos juízes substitutos. A partir de julho, serão 24h disso.
E quanto ao principal desafio que o TSE enfrentará neste ano?
Maria Claudia Bucchianeri – O primeiro é o combate à desinformação. Zerá-las é impossível. É um trabalho que envolve o apoio das plataformas. O TSE celebra convênios para que elas exerçam algum tipo de controle, sinalização de conteúdo impróprio. É um desafio dos processos eleitorais do mundo todo. A internet impõe desafios à nossa democracia. Muitos defendem que o maior responsável pela polarização das eleições de 2018 foi o Youtube, uma mídia que voa um pouco abaixo do radar. Porque tem algoritmo que faz com que, quando você termina um vídeo, ele automaticamente te leva a um vídeo na sequência, sem que você tenha o procurado. O algoritmo leva ao oferecimento de vídeos extremistas, que levam a maiores interações. 70% do tempo gasto no Youtube nas eleições de 2018 foram com conteúdo não buscado e que talvez o usuário nem tivesse acesso. Existem três projetos de lei no Congresso dos EUA para proibir esse oferecimento automático de vídeos. Criar formas de combater o lucro das plataformas mediante o oferecimento de conteúdo inexato, com discursos de ódio, é um desafio do TSE.
Há risco de um golpe nas eleições deste ano?
Maria Claudia Bucchianeri – Difícil dizer, “golpe”é uma palavra forte. O livro “Como as democracias morrem” diz que a erosão democrática não se faz mais por golpe, mas por mandatários legitimamente eleitos que vão correndo por dentro alguns pilares como liberdade de imprensa e credibilidade do judiciário. Nos EUA, cada estado pode aprovar suas regras eleitorais. Depois da vitória do Joe Biden, muitos estados aprovaram leis de supressão de direito ao voto, que dificultam, por exemplo, votos de latinos e negros. Leis que limitam os locais de votação para que as filas sejam imensas, sendo que o dia de votação nos EUA não é feriado, então a pessoa precisa faltar no trabalho. Para resolver isso, precisa passar uma lei federal, que nos EUA têm poucas. Está parada no Congresso, os democratas não conseguem avançar nessa votação e tudo indica que nas próximas eleições os democratas vão perder a maioria das duas casas, ou seja, a lei não vai passar.
Não acho que o Brasil corra risco de golpe, mas acho possível algum movimento de descredenciamento da autoridade da justiça eleitoral e da legitimidade dos resultados da urna. É importante que o TSE esteja preparado para dar segurança à sociedade de que o resultado é legítimo.
A principal plataforma digital que falta para o TSE fechar um acordo é o Telegram – o aplicativo que mais cresce e com menos regulação, grupos de até 200 mil pessoas, e que no Brasil é dominado por grupos de extrema-direita. Essa situação preocupa o TSE?
Maria Claudia Bucchianeri – O Telegram é difícil porque não tem escritório no Brasil. Não tem para onde mandar notificação judicial. Não é simples. A situação preocupa, sim. Não apenas da perspectiva eleitoral, mas de todas, com a pornografia infantil, por exemplo. O Facebook criou agora uma espécie de Suprema Corte da rede para decidir sobre remoção de conteúdo. Esse filtro é feito em parte por algoritmos e há moderação humana. Os relatos de quem trabalha com a moderação são aterrorizantes. Suicídio assistido, estupro coletivo, venda de conteúdo pedófilo. Uma plataforma que a justiça não pode exercer nenhum tipo de filtro deve gerar preocupação social em todos os aspectos.
Maria Claudia Bucchianeri – Isso está em debate no mundo todo: a regulação das big techs. Em 2018, o brasileiro gastou 10h online. É mais tempo online do que no mundo presencial, descontadas as horas de sono. Mais da metade da existência dos brasileiros é gasta online, e dessas 10h, 5.8h são em aplicativos de celular. Podemos presumir que mais da metade são em mídias sociais, monopolizadas por três ou quatro empresas. É como se a existência do mundo estivesse concentrada em quatro governantes. Essas empresas estão nos EUA, e a legislação americana é fundada na liberdade do modelo de negócio. O nosso marco civil da internet bebeu do modelo americano, é mais solto. Há outros modelos, como o alemão, o francês. As plataformas no Brasil não são responsabilizadas pelos conteúdos que elas não geram. O Youtube hospeda conteúdo de terceiros e não será responsabilizado por aquilo, ainda que tenha uma criança sendo estuprada ali. Ele só será responsabilizado se houver uma decisão judicial determinando a remoção e ele descumprir. Esse é o problema do Telegram. O marco civil só responsabiliza plataformas digitais se descumprirem ordens judiciais, e temos uma plataforma que não recebe ordem judicial. Isso precisa mudar. Proibiremos o Telegram no Brasil? Algo precisa ser feito.
Leia a entrevista completa na Marie Claire
FONTE: REVISTA MARIE CLAIRE
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