Atentados em Cabul evidenciam objetivos de grupos contrários ao Talibã, como o Daesh local, que ameaçam a região
A retomada do poder pelo grupo Talibã intensificou a preocupação de que o Afeganistão entre em uma guerra civil incontrolável. As divisões, dentro do próprio Talibã e entre vários grupos radicais sunitas, deixaram, ao longo dos anos, o país com instituições enfraquecidas e dificuldades em manter um poder central.
O atentado terrorista da última-quinta-feira (26), cometido pelo Daesh-Khorasan, no aeroporto internacional de Cabul, capital do Afeganistão, já evidenciou na prática os conflitos. O objetivo do Talibã é, em uma retórica mais moderada, unificar o país em torno de seus conceitos religiosos.
“No Afeganistão, o Talibã não tem unanimidade interna, existem dois grupos que disputam o controle ideológico e político. Existem no país outros movimentos de insurgência jihadista, inclusive um chamado Daesh-Khorasan, movimento jihadista sunita. As movimentações desse grupos são direcionadas a lutas contra os que consideram falsos muçulmanos, os ditos hereges, aquele que se diz e não faz parte da comunidade aos olhos do fundamentalista. Esses grupos veem o Talibã desta maneira”, destaca o professor Danilo Porfírio de Castro Vieira, de Relações Internacionais e Direito da Uniceub (Centro Universitário de Brasília).
Para quem pensava que o Daesh, derrotado no Iraque e na Síria, havia sido aniquilado, a notícia de que ele se movimentava há mais de seis anos na Ásia Central, por meio de sua filial local, é mais uma peça que se encaixa ao cenário da região, mesmo com a consolidada a presença do Talibã no poder, neste momento.
“O Afeganistão de agora parece que se consolidará como um Emirado Unido, um colegiado de governantes associados a linhagem do profeta (emir) e provavelmente também reconhecidos como estudiosos da fé (mulá)”, afirma Vladmir Feijó, professor de Relações Internacionais do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais).
Aumenta com isso, em função do histórico do grupo em apoiar atentados como o 11 de setembro, o alerta em relação ao crescimento da ameaça terrorista pelo mundo, contra alvos ocidentais e também contra aqueles que a organização considerar hereges ou inimigos. Do Talibã, mesmo com o discurso aparentemente mais conciliador, e de outros grupos.
Um dos pontos de instabilidade é a própria região da Caxemira, disputada entre Índia e Paquistão (neste momento aliado do Talibã), que poderia desencadear um conflito regional com envolvimento da China.
“A atividade inicial do Talibã no Paquistão foi de exílio, de residir como refugiados e aguardar a passagem de força exterior com maior potência (tanto a URSS quanto mais recente os EUA). Mas com a reestruturação que construiu hierarquia e disciplina no grupo ele se lançou a metas progressivas de retomada de setores do Afeganistão, retorno ao governo afegão e agora já declararam que pretendem trabalhar para unificar a Caxemira, em especial na área que hoje está sob o controle indiano (2/3 da area total)”, diz Feijó.
Para tanto, a moderação aparente do Talibã busca angariar apoios como o do governo paquistanês.
“Isso (a tentativa de unificar a Caxemira) ocorreria com o aval do governo do Paquistão. É uma postura perigosa que certamente teria dificuldades de obter a conivência da China que também tem pretensão na área e certamente geraria retaliação indiana”, observa Feijó.
Em paralelo, o Daesh-Khorasan, com características menos diplomáticas, tem o objetivo de disseminar seu radicalismo islâmico para toda a região, incluindo o vizinho Paquistão. O Talibã, por ora, visa apenas implementar sua interpretação da sharia no Afeganistão.
Para tanto, o Daesh-Khorasan mantém diálogo com o TTP (Tehrik-i-Taliban Pakistan, oTalibã paquistanês, que reúne mais de 30 grupos e não segue as mesmas diretrizes do Talibã afegão).
O Paquistão é governado por Imran Khan, presidente que por um lado se mantém alinhado como os Estados Unidos e a Otan, mas, paradoxalmente, revela pendores extremistas islâmicos.
Khan é conhecido por sua aversão ao direito de igualdade das mulheres. E, assim que o Talibã retomou o poder, no último dia 16, afirmou que o grupo havia se libertado da escravidão, dando apoio ao golpe.
A questão crucial neste momento é saber se os grupos radicais, como o Daesh-Khorasan, conseguirão desestabilizar tanto o Talibã no Afeganistão quanto o governo do Paquistão.
“Há na região uma disputa por espaços dentro de uma retórica religiosa e ideológica”, destaca o professor Castro Vieira.
Vale lembrar que o Paquistão tem um arsenal nuclear de cerca de 150 ogivas, que está em crescimento. O país não é signatário do Tratado de Não Proliferação e do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares. Seu objetivo é manter o poderio nuclear como uma forma de guerra fria na região.
Pela estrutura de suas instituições, neste momento, fica muito difícil a tomada do poder por grupos como o Daesh, segundo Feijó.
“A possibilidade de tomada do governo paquistanês é muito pequena porque, diferente do Afeganistão, o exército do Paquistão é antigo, com orçamento e influência governamental. A linha de abastecimento está bem consolidada também. A tropa é bem coesa e disposta a manter seu status e não cederia a avanços de grupos rivais como o Daesh-Khorasan”.
O professor ressalta que. também em relação ao Talibã, a força do Daesh-Khorasan ainda é insuficiente para uma tomada de poder.
“O Talibã avançou sobre as tropas do Afeganistão usando das falhas de moral e logística do exercíto oficial e ainda contando com propaganda massiva no Twitter que contribuiu para que ocorresse muita deserção”, diz.
O aspecto financeiro também permitiu que o Talibã avançasse com rapidez nos últimos meses.
Feijó aponta que o grupo tem contado com fontes de renda diferentes, da exploração econômica das áreas que dominavam (papoula, minério e granito) e doações de estrangeiros.
“Além de financiamento pior, o Daesh-Khorasan não tem conseguido atrair muitos adeptos com seu discurso em favor do pan-islamismo universal. Seus rivais (Talibã e governo Paquistanês) tem melhor sucesso e apoio com o discurso nacionalista ou étnico”, completa o professor.
FONTE: R7.COM
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