O Brasil se preocupa há algum tempo em fazer com que os veículos que circulam no país sejam mais eficientes e menos nocivos ao meio ambiente. Hoje, fabricantes e importadoras são obrigadas a investir em modelos que consumam menos combustível e emitam menos gases de efeito estufa. No entanto, há desafios que podem comprometer a garantia de sustentabilidade. A frota nacional, de pelo menos 73 milhões de automóveis de passeio e carros comerciais leves, como picapes e vans, tem uma idade média de 16 anos e envelhece cada vez mais. Como consequência, de 2018 a 2021 a emissão de gás carbônico equivalente (que engloba o dióxido de carbono e outros gases associados ao efeito estufa) passou de 75,2 milhões de toneladas para 78,9 milhões de toneladas.
As emissões brutas dos modelos de passeio e de comerciais leves representam quase 40% das substâncias tóxicas expelidas por todo o setor de transportes do país, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG-OC). Os veículos estão longe de ser a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil — o desmatamento é a maior causa, ao emitir 1 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente em 2021 —, mas eles já poluem mais do que alguns processos industriais, como a produção de metais (51,8 milhões de toneladas), a mineração (30,6 milhões de toneladas) e o gerenciamento de resíduos sólidos (60 milhões de toneladas).
O cenário preocupa porque em 2018 o governo federal lançou o Rota 2030, programa para desenvolver a indústria automotiva brasileira. A iniciativa prevê incentivos fiscais a empresas do setor que investirem em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica. O programa ainda tem requisitos obrigatórios para a comercialização e a importação de veículos novos, como o de melhora da eficiência energética dos carros, o que pode contribuir para que os automóveis sejam menos agressivos à atmosfera.
O programa foi dividido em três fases, e a primeira durou até 2022. Mas só em 2021 se tornou obrigatório às fabricantes e às importadoras de veículos o cumprimento da meta inicial de redução do consumo de combustível dos novos modelos. Nessa etapa, as empresas deveriam conseguir um incremento de eficiência energética de 11% em relação à média alcançada pelos carros zero-quilômetro que foram vendidos em 2017, ao baixar o consumo, em megajoules por quilômetro, de 1,74 para 1,55.
As principais montadoras que operam no país cumpriram com o estabelecido. Mas, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, no ano passado os veículos novos comercializados no país alcançaram, em média, 1,56 MJ/km, o que corresponde a uma melhora de 10,3%. O governo explicou que o esforço medido foi inferior aos 11% porque, em 2017, a maioria das empresas superou a meta corporativa definida para aquele ano. Ainda em 2023, o governo vai definir a meta para a segunda fase, que vai durar até 2028.
O avanço conquistado pelo Rota 2030, no entanto, foi ofuscado pelo crescimento dos índices de poluição. Isso se deu, em parte, pela busca dos brasileiros por modelos mais antigos, que têm tecnologias mais defasadas de eficiência energética e gastam mais combustível.
Em paralelo, houve alta na demanda por combustíveis fósseis, em especial diesel e gasolina. De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo do diesel subiu de 34,9 milhões de toneladas equivalentes de petróleo em 2018 para 39,9 milhões de toneladas no ano passado, enquanto o da gasolina foi de 21,6 milhões de toneladas para 24,2 milhões de toneladas — hoje, sete de cada dez meios de transporte terrestres do Brasil são abastecidos com um dos dois combustíveis. No mesmo intervalo, o uso de etanol caiu de 15,7 milhões de toneladas para 15,1 milhões de toneladas.
Para o secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços, Uallace Moreira, o país precisa intensificar os esforços para reverter o atual cenário de maior consumo de produtos derivados de petróleo.
“O principal meio de mobilidade do Brasil é o rodoviário. E, como o mundo se preocupa muito com a sustentabilidade, é fundamental promover uma transição energética. Temos que explorar todas as rotas tecnológicas e os combustíveis do futuro. Biodiesel, diesel verde, hidrogênio, carro híbrido, carro elétrico, etanol, bioquerosene. Todos que promovam um nível de descarbonização”, opina.
Moreira destaca que o Brasil pode sair à frente em relação aos demais países por contar com uma matriz energética mais limpa. De acordo com a EPE, em 2020 o consumo no país de energia proveniente de fontes renováveis, como lenha e carvão vegetal, hidráulica, eólica e biomassa de cana, atingiu a marca de 48,4%, enquanto o uso no restante do mundo foi de apenas 15%. Os dados mais recentes da instituição revelam, ainda, que 47,4% da matriz energética brasileira é composta de fontes renováveis, contra 14,1% da matriz energética mundial.
“O futuro do Brasil na descarbonização e na transição energética é o mais promissor do mundo. Não existe outro país com capacidade de ter o mesmo sucesso. E, para tratar da mobilidade, tem que considerar as fontes energéticas. E, quando consideramos as fontes energéticas, nós temos muita clareza de que o Brasil está à frente do mundo”, afirma o secretário.
“A sociedade talvez não tenha o conhecimento técnico, mas ela já usufrui do benefício de o Brasil ter uma matriz energética limpa. O que nós vamos fazer agora para o Rota 2030 é acentuar esse processo em uma discussão de quais são as rotas tecnológicas mais adequadas para o Brasil que acelerem o processo de descarbonização e mantenham o país na liderança desse processo”, completa.
Para a segunda fase do Rota 2030, o governo vai adotar um modelo diferente para calcular a eficiência energética dos automóveis. Na etapa inicial do programa, a medição foi feita com base em quanto foi consumido de combustível com o veículo em funcionamento, método conhecido como “do tanque à roda”. Agora, o cálculo vai levar em consideração todo o ciclo de vida da fonte de energia que abastece o carro, desde o momento da produção até o uso efetivo dela. Esse conceito é chamado de “do poço à roda”.
“A ideia é que tenhamos uma melhora de eficiência energética de 12,08% nos próximos cinco anos com esse método e, também, investindo e estimulando todas as rotas tecnológicas. Vamos promover uma concorrência em que as próprias montadoras vão buscar a tecnologia que mais descarboniza, que menos emite gás carbônico”, diz Moreira.
Especialistas em mobilidade avaliam que essa alteração vai ser positiva, sobretudo porque será possível mensurar de uma forma mais precisa o grau de poluição de cada fonte de energia.
“O carro elétrico emite zero de gases de efeito estufa do escapamento, isso é fato. O problema é a questão da produção da bateria, de onde vem sua energia elétrica, como é a sua matriz elétrica. Não adianta nada ter uma matriz elétrica suja, em que há muita poluição na hora de gerar essa energia elétrica, e nos grande centros falar que está emitindo zero, porque para algum lugar essa poluição está indo e para alguma população está sendo prejudicial”, analisa o diretor de produtos da Bright Consulting, Murilo Briganti.
“O Rota 2030 deixa de ser um programa só de eficiência energética e passa a ser um programa de eficiência energética ambiental. Porque ele fala não só quanto se gasta de energia, mas quanto se produz de gás de efeito estufa para produzir e utilizar essa energia. Isso é fundamental, porque o grande problema do mundo hoje não é mais consumo em termos de eficiência. É uma questão de quantidade e de qualidade. Ou seja, temos que gastar pouco de um combustível que polua pouco. Não adianta gastar pouco de um combustível fóssil”, acrescenta o consultor de mobilidade sustentável Ricardo Abreu.
Professor e chefe do laboratório de genômica e bioenergia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Gonçalo Pereira diz que esse método vai possibilitar ao país adotar estratégias para estimular o consumo de biocombustíveis. Para ele, o cálculo do poço à roda vai mostrar, por exemplo, que veículos movidos a etanol podem ser tão eficientes e menos agressivos à atmosfera quanto os elétricos.
Ele ressalta que, como no Brasil o combustível é gerado a partir de plantas, principalmente a cana-de-açúcar, a emissão de dióxido de carbono na produção e na queima do etanol é praticamente neutra. As plantas dependem do gás carbônico para realizar o processo de fotossíntese e crescer. Dessa forma, o que é emitido pelos carros movidos a etanol é absorvido pelas plantas, que removem esse gás da atmosfera.
“É interessante utilizar o motor elétrico? Sem dúvida. Mas ele tem uma bateria metálica como reserva de energia. A bateria demanda lítio, cobalto e metais diversos. E tudo isso depende de mineração, que é altamente danosa ao meio ambiente por várias razões, inclusive emissões de gases de efeito estufa. Se para fazer 1 quilo de lítio for necessário movimentar algumas toneladas de terra, essa carga é movida por um trator, que emite diesel”, explica.
Diferentes análises têm revelado que, a partir da avaliação do poço à roda, os índices de poluição de automóveis elétricos e a etanol são parecidos. Em março deste ano, a montadora Stellantis divulgou os resultados de um teste que mostraram que, da fabricação da fonte de energia até a rodagem do carro por uma distância de 240,49 km, um veículo elétrico abastecido no Brasil emite 21,45 quilos de dióxido de carbono e um a etanol, 25,79 quilos. A empresa também simulou as emissões de um carro elétrico abastecido na Europa (emissão de 30,41 quilos) e um movido a gasolina (60,64 quilos).
O pesquisador de mobilidade urbana Michele Maselli Filho fez um estudo semelhante, mas calculou as emissões de veículos após uma quilometragem percorrida de 150 mil km na cidade de São Paulo. Ao considerar que um carro elétrico precisa de duas baterias ao longo do seu ciclo de uso, em um cenário de estilo de direção moderada ele emite quase 19,4 mil quilos de gás carbônico equivalente. Isso é pouco menos do que o abastecido a etanol, que polui 21 mil quilos. O movido a gasolina é o mais poluente, com cerca de 39,8 mil quilos.
Maselli Filho observou outro cenário de direção moderada, mas com a reciclagem dos componentes dos veículos ao fim da vida útil de cada um deles. Esse processo resulta em uma queda significativa do nível de poluição dos automóveis elétricos. Segundo os cálculos dele, as emissões de gás carbônico equivalente de um modelo que usa duas baterias são de 12,9 mil quilos. As de um carro abastecido com etanol são de cerca 17,3 mil quilos, enquanto as de um movido a gasolina são de 36 mil quilos.
Na análise, o pesquisador considerou as emissões de gases de efeito estufa durante a fabricação dos veículos e seus componentes. Nesse processo, o elétrico se mostrou 103% mais poluente, ao emitir cerca de 14,2 mil quilos de gás carbônico equivalente, contra quase 7 mil quilos de um carro flex. A maior parte das emissões no caso do elétrico aconteceu na montagem das duas baterias, etapa em que aproximadamente 7,7 mil quilos de gás carbônico equivalente foram expelidos.
“Dados esses resultados, em que não foi observada uma diferença tão grande do elétrico em relação ao etanol, talvez o caminho para o Brasil em um primeiro momento seja investir em mobilidade elétrica para o transporte público e usar o etanol como um combustível de transição e um meio de realmente diminuir e substituir a gasolina. Pensando no fato de que os carros elétricos são mais caros, seria difícil ter uma grande penetração de veículos elétricos em um curto período de tempo. Um incremento do uso de etanol, portanto, seria interessante a fim de reduzir as emissões de automóveis”, diz Maselli Filho.
Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e coordenador do Laboratório de Estratégias para a Mobilidade Urbana, Roberto Marx acompanhou de perto o estudo de Maselli Filho. Na avaliação dele, poder público, fabricantes e importadoras devem sim buscar a ampliação da frota de veículos elétricos no país, mas não podem se esquecer de estimular o consumo de etanol.
“Não há nenhum problema com o carro elétrico. Ele emite pouco e é uma tecnologia que está gradativamente sendo mais usada nos automóveis. Mas não faz muito sentido, por exemplo, o governo incentivar esses modelos por meio de subsídios e renúncias fiscais, pois são veículos muito caros. Como temos o etanol, seria mais importante melhorar o desempenho dos carros bicombustíveis no Brasil. É uma modalidade que ainda tem um espaço bastante grande para ser desenvolvida. Seria um esforço que as próprias empresas podem fazer ou que eventualmente estão fazendo e o governo poderia, de alguma forma, estimular”, ressalta.
Além de seguir os parâmetros de eficiência energética determinados pelo Rota 2030, as empresas precisam se atentar ao que é definido pelo Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve), criado em 1986, com o objetivo de reduzir a poluição do ar por veículos automotores no Brasil, ao estabelecer quais são os limites para emissão de monóxido de carbono, óxido de nitrogênio, hidrocarbonetos, álcoois, aldeídos, fuligem, material particulado e outros compostos poluentes nos modelos comercializados no país.
O Proconve é coordenado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Desde a elaboração do programa, o órgão lançou sete fases. A política reduziu paulatinamente os níveis de poluição no setor de transportes. Segundo o Ibama, com o Proconve houve uma queda de 98% na emissão de poluentes por automóveis. Antes do programa, a emissão média de monóxido de carbono de um veículo leve, em gramas por quilômetro, era de 54. Agora, o instituto diz que essa emissão está por volta de 0,4.
Em todas as fases do Proconve, as metas foram atendidas de forma individual. Ou seja, cada novo modelo teve de cumprir o teto definido pela fase em questão. Contudo, a partir da oitava fase para carros de passeio e comerciais leves, que vale a partir de 2025, o limite de emissões vai levar em consideração a média de todos os carros oferecidos por uma empresa. Dessa forma, uma instituição pode até ter veículos que extrapolem o limite exigido, desde que ela também conte com automóveis mais eficientes para compensar a emissão dos outros.
Entretanto, a oitava fase terá limites máximos de emissão mais rígidos de 2027 em diante, o que vai exigir das fabricantes e importadoras um esforço maior para disponibilizar carros cada vez menos poluentes.
Dirigentes do setor automotivo reconhecem que o Rota 2030 e o Proconve são programas fundamentais para que o país tenha uma frota cada vez mais sustentável, mas admitem que as regras mais duras de eficiência energética e poluição serão um desafio.
“Temos que desenvolver um produto para atender a duas legislações distintas, que são positivas para o meio ambiente, mas não é uma coisa automática. Quando apresentamos os targets de emissão e de eficiência energética, é um trabalho complexo das engenharias com os fornecedores de componentes, porque é preciso desenvolver componentes específicos. Para as duas legislações conversarem, não é tão fácil”, observa o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Marcus Vinicius Aguiar.
Na avaliação dele, a tendência é que as novas regras favoreçam a fabricação ou a importação de modelos híbridos, que são compostos de fontes de potência diferenciadas (um motor elétrico e um de combustão interna) para propulsionar o veículo. Aguiar também vê espaço para mais carros 100% elétricos. A busca por esses dois tipos de carro tem crescido nos últimos anos. De acordo com a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), no ano passado foram emplacados no país quase 38,4 mil híbridos e 7.100 elétricos. No ano anterior, tinham sido vendidos 31,9 mil híbridos e 2.600 elétricos.
“A tendência é melhorar a tecnologia do powertrain [sistema que fornece energia ao carro]. Vamos ter um maior volume de veículos híbridos, elétricos e flex com sistemas mais sofisticados de controle de emissão, além de catalisadores, filtros e motores com tecnologia maior. É um combo de fatores que os dois programas trazem de positivo para a mobilidade. O Rota 2030 e o Proconve são legislações que se complementam.”
Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), “o Brasil não pode e não vai ficar de fora da corrida pela eletrificação da frota, um caminho sem volta no mundo”.
“O país tem uma vantagem que outros países não têm para fazer essa transição de forma segura, que são os biocombustíveis. Uma maior utilização do etanol para carros leves é fundamental para reduzir o uso de gasolina e cumprir as metas de descarbonização. Não só em modelos flex, mas também em híbridos flex que possam combinar motor elétrico com outro que usa etanol”, diz a instituição.
A grande maioria dos carros de passeio e comerciais leves negociados no Brasil atualmente é de modelos flex, movidos tanto a gasolina quanto a etanol. No ano passado, conforme estatísticas da Fenabrave, dos quase 10,2 milhões de seminovos e usados vendidos, 7 milhões eram automóveis bicombustíveis. Ainda segundo a instituição, do 1,9 milhão que foram emplacados em 2022, 1,6 milhão eram veículos flex.
A preferência por esse tipo de carro, no entanto, não é garantia de que o consumidor vai optar por abastecê-lo com etanol. É mais comum, inclusive, que o motorista priorize a gasolina, seja porque esse combustível tem mais energia, seja porque o preço do etanol é menos competitivo. De todo modo, pensando na sustentabilidade do setor automotivo, analistas cobram do poder público medidas para favorecer o consumo de etanol.
“Precisamos ter políticas de redistribuição desse combustível e também de incentivo para a utilização dele, visto que é um combustível limpo. Um veículo híbrido flex abastecido só com etanol emite cerca de 34 gramas de gás carbônico equivalente por quilômetro. Um elétrico emite cerca de 21 gramas. Ou seja, sem fazer nada, sem mudar a infraestrutura de recarga que temos aqui, sem ter que instalar postos de recarga, que são extremamente caros, conseguimos tornar a nossa frota extremamente limpa e quase tão boa quanto se rodássemos só com veículos elétricos”, afirma Murilo Briganti, da Bright Consulting.
Para o consultor de mobilidade sustentável Ricardo Abreu, também seria fundamental que a sociedade se conscientizasse sobre como cada um pode contribuir para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
“É uma mudança que tem que ser cultural. Cada pessoa precisa começar a entender outras coisas além daquilo que acontece no bolso e na conveniência dela. Se todos pensassem um pouco mais com a cabeça ambientalista, tomariam uma decisão diferente. A reflexão deveria ser: ‘Vou abastecer com etanol. Vai me dar um pouco mais de trabalho, mas eu estou emitindo muito menos. Então, todos esses problemas que eu estou vendo acontecer no clima, vou estar colaborando para diminuir’.”
Entre as diretrizes do Rota 2030, está a promoção do uso de biocombustíveis e de formas alternativas de propulsão e valorização da matriz energética brasileira. O professor Gonçalo Pereira, da Unicamp, reforça que o país precisa se movimentar para garantir o cumprimento desse critério, sobretudo para contribuir com a preservação do meio ambiente.
“O momento é auspicioso. O meio ambiente preocupa a todo mundo porque é o meio ambiente de alteração da composição da atmosfera, que é igual em tudo que é lugar do mundo. É um problema altamente democrático, talvez o mais democrático que o mundo já tenha vivido. O Brasil tem que ter a vontade e a ambição de liderar esse momento, em que todos percebem a importância da economia verde e a importância de a gente descarbonizar, para mostrar que os biocombustíveis são uma saída viável e uma solução efetiva”, afirma.
Uma das apostas do governo para ampliar a produção e o consumo de biocombustíveis é o programa Combustível do Futuro. A iniciativa vai instituir um marco legal para regulamentar a integração de iniciativas públicas voltadas à promoção da mobilidade sustentável de baixo carbono, como o Rota 2030 e o Renovabio, a atual política nacional de biocombustíveis, que tem como um dos objetivos assegurar previsibilidade para o mercado de combustíveis, ao induzir ganhos de eficiência energética e de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa na produção, na comercialização e no uso de biocombustíveis.
A regulamentação proposta pelo Combustível do Futuro vai ser formalizada em um projeto de lei, que ainda está em elaboração pelo governo. Segundo o Ministério de Minas e Energia, com a integração do Rota 2030 e o Renovabio, “a proposta é que essas duas iniciativas ajudem a reduzir a intensidade de carbono da matriz de combustíveis com maior utilização de biodiesel, biometano e etanol e também melhorar a eficiência energético-ambiental dos motores com metas que reduzem consumo de combustíveis”.
“A iniciativa prevê um conjunto de ações que convergem para a descarbonização da matriz energética de transporte do Brasil, para a industrialização do país e para o incremento da eficiência energética dos veículos. Dentre os temas, inclui-se, também, a avaliação da ampliação do limite máximo do teor de mistura de etanol anidro à gasolina para 30%, condicionado à constatação da sua viabilidade técnica”, frisa o ministério.
A busca pela sustentabilidade, segundo especialistas, exige mais iniciativas além do Rota 2030. Devido à idade avançada da frota de carros do país, representantes do setor automotivo defendem um programa de inspeção veicular com a finalidade de retirar de circulação modelos ultrapassados, que representam um perigo não só ao meio ambiente mas à saúde humana.
“Carros menos eficientes não só poluem, como causam acidentes e mortes no trânsito. O Brasil tem cerca de 40 mil mortes no trânsito por ano e gasta cerca de R$ 50 bilhões de forma direta ou indireta só com essas mortes. Não é só um ganho de eficiência energética. Com uma inspeção técnica veicular e uma política de renovação de frota, conseguimos melhorar a frota lentamente e torná-la cada vez mais segura e mais eficiente”, observa Murilo Briganti, da Bright Consulting.
“Quando se tira um carro antigo da rua, melhoramos a condição de poluição nas vias públicas. Por mais que esse carro tenha a manutenção correta, ele tinha requisitos ambientais inferiores ao que estamos hoje. Ao trocar um carro usado por um novo, colocamos um carro com melhor condição na rua, cujos sistemas estão todos sob controle. Melhorando a circulação na via com segurança veicular, reduzimos acidentes e a emissão de poluentes”, reforça Marcus Vinicius Aguiar, presidente da AEA.
O secretário Uallace Moreira diz que o governo busca garantir que os novos modelos de automóveis sejam mais seguros. As empresas que aderem ao Rota 2030 assumem o compromisso de ampliar o desempenho estrutural dos carros e as tecnologias assistivas à direção dos condutores, aprimorando desde requisitos gerais, como aviso de não afivelamento do cinto e sistema de alerta ou visibilidade traseira, a aspectos mais inovadores, como sistema de frenagem automático de emergência e monitor de sonolência ou distração do motorista.
De acordo com levantamento feito pela Bright Consulting, de 2018 a 2022 as montadoras e importadoras que operam no Brasil ampliaram a participação dos veículos com mais sistemas de segurança no volume de vendas. O indicador referente a automóveis que cumpriram requisitos gerais passou de uma média de 50% para 76%, enquanto o relativo aos requisitos inovadores cresceu de uma média 1% para 22%.
Moreira afirma, ainda, que um programa de renovação da frota depende da melhoria das condições econômicas do país, o que pode demorar. Segundo o secretário, o Brasil precisa ir atrás de soluções que entreguem resultados de forma mais rápida, e isso passa por aproveitar melhor o potencial da matriz energética nacional.
“Temos uma dinâmica de sustentabilidade e de fontes de energias renováveis diferente da do restante do mundo. O Rota 2030 não prioriza nenhum tipo de rota tecnológica. O principal foco, agora, vai ser a difusão de novas tecnologias de produção de baixo carbono. O que cabe ao governo é estabelecer parâmetros para que as empresas se orientem e decidam suas estratégias de investimento”, ressalta Moreira.
Especialistas salientam que também é preciso aperfeiçoar o sistema de transporte público. “Temos que tentar tudo que puder ser feito em termos de melhoria do meio ambiente, como priorizar a eletrificação na parte de mobilidade urbana e as formas de fazer isso. Combustíveis fósseis não são renováveis e têm um limite, isso sem falar dos problemas que eles têm trazido. É uma questão global. Julho foi o mês mais quente da história da humanidade. A preocupação ambiental é legítima e deve ser levada em conta”, diz o professor Roberto Marx, da USP.
“O Brasil tem como virar um exemplo de veículos elétricos, com energia relativamente limpa, por meio das hidrelétricas já construídas. Se mostrarmos que dá para ter inovação veicular com transporte coletivo elétrico, conectado e confortável, reduzindo o número de carros nas ruas, cria-se um círculo virtuoso que dará impacto positivo nessa indústria mundial”, complementa o professor e urbanista Fábio Duarte, cientista pesquisador principal do MIT Senseable City Lab, ligado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT).
O consultor de mobilidade sustentável Ricardo Abreu conclui que o Brasil precisa de um plano integrado para o setor de transportes. “Todo caminho é ruim quando você não sabe aonde você quer chegar. Não adianta só falar, por exemplo, que o país vai reduzir em 50% as emissões até 2030. Mas como isso vai ser feito? Qual é o caminho? Esse programa integrado tem que pensar no transporte como um todo, na melhor combinação de soluções. Isso pode ser tirando uma parte dos veículos da rua e incrementando o uso de transporte público. Pode ser usando o transporte de cargas de forma mais efetiva, escolhendo o caminhão mais adequado para fazer o transporte de determinados bens. Temos de olhar todas as etapas, inclusive a que acontece quando acaba a vida útil do veículo.”
FONTE: R7.COM
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