Mais comum nos meses de inverno, contaminação pelo vírus sincicial respiratório (VSR) cresce de forma expressiva. Doença só é letal em bebês e crianças com comorbidades, justamente o grupo de risco que ficou em maior isolamento durante a pandemia
Passado o momento de maior emergência da pandemia de covid-19, mudanças no comportamento do vírus sincicial respiratório (VSR) têm preocupado especialistas pelos altos registros de casos fora da sazonalidade. Com comportamento similar ao do vírus da gripe, mas com sintomas fatais exclusivamente em bebês e crianças, o VSR tem alta transmissão nos meses mais frios do ano, entre fevereiro a agosto, variando de região para região. O que tem sido observado no Boletim InfoGripe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que monitora a doença desde 2017, é o aumento de casos em novembro, dezembro e janeiro.
O vírus costuma afetar a faixa etária entre 0 e 4 anos, levando à internações por falta de ar, especialmente bebês prematuros ou crianças com comorbidades, como cardiopatia e doenças crônicas. Além do surto fora de época, a comparação ao longo dos últimos três anos, em que o país viveu o pior período pandêmico, tem mostrado saltos nos registros da doença. Entre 2020 e 2021, o crescimento foi de 449%. De 2021 para 2022, o número de casos dobrou. Neste ano, ainda não há dados suficientes para comparação, mas a tendência é que a evolução continue crescente.
Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe, atribui as variações do VSR a dois fatores: a retomada da normalidade pós-pandemia com as ações de controle para mitigação da covid-19, que propicia o retorno da circulação de outros vírus, e a falta de pré-exposição aos ambientes coletivos, já que as medidas de restrição social impedia contatos.
“Encontra uma população que não tinha sido tão exposta, um cenário favorável do ponto de vista da imunidade e sem as ações sociais que diminuíram a transmissão. Isso é, provavelmente, um dos motivos que estamos vendo para os surtos fora de época. Se eles vão voltar a ter o mesmo padrão pré-pandemia — predominando no inverno — é algo que só o tempo vai dizer. É o esperado, um impacto indireto da covid que ainda estamos entendendo as consequências”, indicou o coordenador.
As consequências da transmissão com o relaxamento das medidas restritivas pode ser percebida nos números, já que, em março do ano passado, na semana 16, foram registrados 617 casos de VSR, o pico do ano inteiro. Os números permaneceram altos, acima de 500 casos, até o fim de abril. Esse foi o período em que começou a liberação de uso de máscaras em locais fechados pelo Ministério da Saúde, com diversos estados aderindo à regra.
“O distanciamento, a não convivência das crianças, o uso de máscara durante quase dois anos, as crianças não frequentarem a escola, tudo isso fez com que aquelas infecções respiratórias típicas deixassem de ocorrer, acumulando suscetíveis, como crianças menores de 2 e 3 anos sem nenhuma exposição prévia viral. Esses picos têm acontecido em função do acúmulo de suscetíveis e, em segundo lugar, pelo próprio protagonismo que o coronavírus teve nesse período, ocupando um espaço e não deixando que outros vírus respiratórios concorressem com ele”, detalhou Renato Kfouri, infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Em 2022, os estados fecharam as últimas oito semanas do ano — que compreende o período entre novembro e dezembro — fora da sazonalidade, com aumentos relevantes no registro de VSR. O Distrito Federal registrou aumento de 450% (se contabilizar com os casos já tabelados em 2023, a porcentagem cai para 133%, mas ainda não há parâmetros de comparação). A segunda unidade da Federação em aumento de casos foi Minas Gerais (316%), seguido por Santa Catarina (72%) e Roraima (71%). Os demais registraram aumento inferior a 30%, o que ainda deixa os sistemas de saúde em alerta.
A maior notificação de casos de VSR é outra consequência indireta da covid-19, já que os profissionais de saúde estão mais sensíveis ao registro de doenças com sintomas semelhantes ao da causadora da pandemia mundial. “Questão associada à sensibilidade da rede de notificação que, de fato, pode ter passado a notificar mais esses eventos no sistema nacional. É bem provável que profissionais da saúde não notificavam antes e passaram a fazer por conta da atenção com o covid”, ressaltou Gomes.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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