Operação na Suíça já descobriu mais de mil contas bancárias envolvidas em irregularidades
A extensão das investigações da Lava Jato na Suíça já fazem do caso um dos mais “excepcionais” da história do país, segundo a Procuradoria Geral da Suíça. Até o momento, já foram descobertas mais de mil contas em pelo menos 40 bancos implicados em irregularidades, totalizando US$ 800 milhões e mobilizando uma força-tarefa exclusiva.
“No caso Petrobras estamos certamente enfrentando um perfil excepcional de complexidade, de quantidade de pessoas envolvidas, bem como de informações bancárias processadas” afirmou à BBC Brasil, via e-mail, o porta-voz da procuradoria, André Marty.
— Certamente é um dos procedimentos criminais mais intensos que a procuradoria está lidando.
Segundo Marty, há uma equipe especificamente focada na Lava Jato na Suíça, composta por profissionais de diversos setores: analistas financeiros forenses, técnicos forenses ligados à tecnologia, especialistas em assistência legal, além de uma equipe administrativa e da PF (Polícia Federal).
— A Petrobras é certamente uma das prioridades de topo de lista da procuradoria.
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Somente as investigações relacionadas à Federação Internacional de Futebol, FIFA, recebem atualmente tanta atenção do governo.
“É um dos maiores e mais vastos escândalos que já envolveram a Suíça. É impressionante”, disse à BBC Brasil Martin Hilti, diretor executivo da organização não governamental anti-corrupção Transparency International.
— O caso da Petrobras é sem dúvida um dos maiores que já vimos. É espetacular. E levanta todos os tipos de perguntas sobre o que os banqueiros deveriam estar fazendo.
“É um grandíssimo escândalo, verdadeiramente” avalia Mark Pieth, professor de criminologia da Universidade de Basel e diretor da organização não governamental voltada ao estudo da corrupção Basel Institute on Governance.
Lavagem de dinheiro
Segundo a Procuradoria Geral da Suíça, relatos de 340 atividades suspeitas reportadas foram contabilizadas pelo órgão de combate à lavagem de dinheiro, o MROS, Money Laundering Report Office, em conexão à Lava Jato. Nos próximos meses o órgão deverá emitir seu relatório anual e é esperado que a investigação esteja presente nos números.
Desde abril de 2014, relatos de lavagem de dinheiro geraram cerca de 60 investigações, das quais duas já foram repassadas ao Brasil — relacionadas ao deputado Eduardo Cunha
O sistema bancário suíço é o que mais abriga recursos estrangeiros em todo o mundo. A Suíça hospeda US$ 5,2 trilhões de dólares de patrimônio privado em seus bancos, dos quais US$ 2,7 trilhões pertencem a contas “offshore”, de pessoas não residentes no país, de acordo com o relatório da Boston Consulting Group, Global Wealth de 2015.
Desde abril de 2014, esses relatos de lavagem de dinheiro geraram cerca de 60 investigações, das quais duas já foram repassadas ao Brasil — relacionadas ao deputado Eduardo Cunha — e outras deverão ser remetidas em breve.
A Finma, agência reguladora do sistema financeiro, também abriu levantamento contra três bancos por conta da Lava Jato. A agência ainda não anunciou as conclusões da sondagem, mas reconhece que o escândalo acarretou em questionamentos internos sobre padrões de controle e conformidade dos bancos.
De acordo com Pieth é inédita a ramificação de um escândalo em tantas contas diferentes. Nos casos anteriores, tratavam-se de famílias de governantes que escondiam valores privados nos bancos alpinos. Já na vez da Petrobras observa-se uma sofisticada teia com amplas conexões.
“Nos outros episódios era sempre uma família. Aqui está espalhado. Você tem muitas outras pessoas que estão recebendo propinas: são os líderes do partido governista, são os deputados, são os funcionários. Há bastante recipientes, não há apenas um regime autocrático. Todo mundo recebeu propina”, observa Pieth.
Congelamento
O valor de US$ 800 milhões de ativos congelados até o momento corresponde a 14,5% do total de US$ 5,6 bilhões retidos em todas as investigações em andamento no país.
Autoridades afirmam que caso Petrobras é um dos maiores já observados no país
O valor é expressivo, mas não chega a ser superado pelos recursos retidos relacionados a políticos ligados à Primavera Árabe.
Em 2011, a Suíça bloqueou valores superiores em contas de Hosni Mubarak, do Egito; Zine El Abdine Ben Ali, da Tunísia; Muammar Gaddafi, da Líbia, e Bashar Al-Assad, da Síria.
“Na Primavera Árabe houve mais de 860 milhões de Francos congelados. No caso do Egito foram 700 milhões, da Tunísia 60 milhões e Líbia 100 milhões. Frente a esses valores podemos constatar que o caso Petrobras é mesmo um dos maiores já observados”, disse à BBC Brasil Hilti, da Transparência Internacional.
Resgate
Parte desses US$ 800 milhões já foi resgatada. Em 2015, o governo suíço remeteu US$ 120 milhões de volta ao Brasil e na semana passada o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, recuperou outros US$ 70 milhões durante sua visita a Berna.
Na ocasião foi anunciada também a criação de uma força-tarefa binacional de investigação para apurar as contas da Lava Jato na Suíça. A parceria que foi costurada por Janot e seu colega, o Procurador Geral suíço Michael Lauber, ocorrerá por meio de teleconferências.
Em 2015, o governo suíço remeteu US$120 milhões de volta ao Brasil e na semana passada o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, recuperou outros US$70 milhões durante sua visita a Berna
“Esclarecemos alguns pontos para agilizar essa ação conjunta”, disse Janot aos repórteres que o interpelaram em Berna. O número exato de participantes e a composição dos especialistas será definida em breve por meio da troca de notas diplomáticas.
Segundo Marty, o recurso de uma equipe de investigação é um “instrumento raro”, o que ressalta ainda mais a prioridade dada pelos procuradores suíços à Lava Jato.
Cooperação
O advogado Sérgio Vilela, especialista em direito tributário baseado em Zurique, acredita que a criação de uma força-tarefa “deverá acelerar ainda mais investigações que envolvam recursos não declarados no país”.
Segundo a professora de direito internacional da USP, Maristela Basso, uma cooperação ágil entre os dois países é possível porque desde o dia 18 de março vigora o novo código de processo civil, onde está previsto cooperações internacionais diretas.
“Esse novo código entrou em vigor agora, mas já foi promulgado há um ano. No código está (prevista) a comunicação direta entre juiz e Ministério Público no exterior em busca de provas”. “Hoje, com a nova lei brasileira, esses contatos diretos estão previstos, portanto, passarão a ser feitos corriqueiramente”, estima Basso.
Tempo
“É surpreendente que tenha levado tanto tempo para todos esses casos relacionados à Petrobras virem à luz”, se admira Pieth. “Por que eles não acharam o dinheiro relacionado à Petrobras mais cedo?”, indaga.
Para que um episódio como esse não se repita “o desafio é fazer com que eles identifiquem a origem do dinheiro e não o aceitem”. “Não é uma questão da existência de leis (anticorrupção), mas sim de se acompanhar de perto (as movimentações irregulares)”, aposta o especialista.
Pieth estima que, apesar da extensão do escândalo atual, a Suíça não deixará de ser uma praça financeira onde transações relacionadas a atos de corrupção voltarão a ocorrer. “Não acredito que o caso Petrobras fará alguma diferença”, lamenta Pieth. “É muito tarde quando o escândalo explode”, conclui.
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