Ontem foi celebrado o Dia Mundial da Mulher Muçulmana. Neste ano, a data coincide com o Ramadã, mês que obedece ao calendário lunar. No período, a comunidade islâmica faz jejum diariamente. A prática é considerada um dos cinco pilares do islã. Os demais são a Shahada, uma afirmação que se repete a cada oração; as orações, feitas cinco vezes por dia; o Zakat, que consiste em uma doação; e o Hajj, peregrinação a Meca, que deve ser feita pelo menos uma vez na vida, por quem tem condições financeiras.
De acordo com o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no país, apenas 35 mil pessoas declararam ser muçulmanas, quantidade bastante inferior ao número de católicos apostólicos romanos (123 milhões), evangélicos (42 milhões), outras religiões cristãs (1,4 milhão) e testemunhas de Jeová (1,3 milhão). Em todo o mundo, há, pelo menos, em torno de 2 bilhões de muçulmanos.
Independentemente de os muçulmanos estarem em um país no qual, em relação à quantidade, são minoria ou maioria, a islamofobia os acompanha. Por esse motivo, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou evento para marcar, no início deste mês, pela primeira vez, o Dia Internacional contra a Islamofobia. Quando se trata de mulheres que seguem o Alcorão, as reações contra muçulmanos são ainda piores.
Uma das tradições básicas e que mais causam estranhamento é o uso do lenço, que pode reforçar, entre quem não busca entender a religião, o estereótipo de que toda mulher muçulmana sofre forte repressão. A professora e antropóloga Francirosy Campos Barbosa comenta que há uma contradição em certas perspectivas em torno das muçulmanas, como o fato de que outras mulheres se consideram completamente livres de opressão, na comparação com elas, o que não é verdade. Ela completa 25 anos de pesquisa sobre o tema, também este mês.
Francirosy foi a responsável por coordenar os estudos que resultaram no Primeiro Relatório de Islamofobia no Brasil e foram desenvolvidos ao longo de uma década, aproximadamente. A obra foi disponibilizada no formato de e-book gratuito, pela editora Ambigrama.
“O que acontece com os ocidentais? Só conseguem olhar pra quem não é da sua cultura. Então, quando você vê uma muçulmana vestida, liga uma chavinha na cabeça das pessoa, que diz, bom, se você está vestida desse jeito, só pode ser oprimida, só pode apanhar do marido, só pode estar em sofrimento. Então, preciso salvá-la. Essa é uma ideia imediata, porque o Ocidente construiu a ideia de liberdade a partir da ideia de você estar vestido como você quer, você estar nu, queimar sutiã”, diz.
“Você tem toda uma retórica que foi construída de forma positiva, em alguns pontos, mas que acaba anulando outros grupos sociais. Não é a vestimenta, eu tenho repetido isso há muito tempo, que vai definir se a pessoa tem mais ou menos liberdade, se está mais ou menos protegida”, completa a docente, que coordena o Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos (Gracias), da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto.
“Eu posso ter uma mulher muçulmana, toda coberta e que sofre agressões, eu posso estar de biquíni e sofrer agressões. O que perpassa aí não é a questão da religião, porque as pessoas gostam muito de atrelar a violência contra a mulher à religião islâmica”, acrescenta a professora, que, em seu perfil do Twitter, explica as diferenças entre burca, niqab, hijab e xador.
Com respostas de 653 pessoas muçulmanas, o estudo do Gracias mostra que a maioria das vítimas de islamofobia é do gênero feminino (68%). Embora também sofram intolerância e discriminação, os homens relatam mais casos de resistência quanto a se reconhecerem como os agentes que promovem tal preconceito. As mulheres, por sua vez, descrevem mais situações de agressões físicas, sexualização, perda de oportunidades e sofrimento psíquico que deriva das hostilidades.
Algo que atinge homens e mulheres, quase indistintamente, são as agressões verbais. No total, 82% dos homens e 92% das mulheres já foram vítimas desse tipo de violência, sendo a rua o principal local onde os casos aconteceram: 54,5% quando os agredidos eram homens e 72% entre as mulheres. O fato de a rua concentrar tantos episódios pode indicar que os agressores se sentiram à vontade para cometer a violência.
Os ambientes de trabalho e estudo também são aparecem no levantamento. Quase metade dos homens (46,4%) contou ter sofrido violências no trabalho e 42,7% na escola ou universidade. Já os percentuais das mulheres são, respectivamente, de 39,9% e 31,8%.
Reação ao preconceito
A policial civil Haudrey Aparecida Ferragonio, que adotou o nome islâmico Yasmine, diz que, logo que começou a usar hijab, colegas de trabalho viram fotos suas com o acessório, postadas nas redes sociais. De cara, fizeram brincadeiras, que ela deixou de lado.
Ela é a única muçulmana de sua família, que segue a linha católica. Já foi evangélica e se interessou pelo islamismo quando pesquisou mais a fundo a relação entre as mulheres da religião e violência de gênero. “Via bastante esses enganos, a questão de terrorismo, maus-tratos com mulheres”, comenta.
Para Haudrey, é preciso que as vítimas de preconceito ergam a cabeça e deixem claro que não aceitam ofensas. “As pessoas mais próximas, que trabalham comigo, sabem da minha religião, mas isso nunca foi tema de discussão. até porque eu não dou espaço para discussão. Eu não permito brincadeiras. Não digo que as vítimas são culpadas, não é isso, mas acho que, para não ser vítima, você tem que pegar força de algum lugar e se impor”, declara ela, que também valoriza a imprensa como um dos principais aliados contra equívocos que existem em torno do tema.
Outro aspecto suscitado pela policial é a formalização de denúncias de islamofobia. Como exemplo, ela destaca a Associação Nacional de Juristas Islâmicos, que oferece, atualmente, um canal com essa finalidade, que pode ser acessado por meio do perfil que mantém no Instagram.
FONTE: AGÊNCIA BRASIL
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