Eles entram como refugiados e receberiam de quadrilha passaportes europeus falsos
RIO – O Brasil pode ter virado base de atuação de uma quadrilha internacional que está usando o país como rota de sírios que fogem da guerra civil em busca de refúgio na Europa e em outros países. A suspeita passou a ser considerada esta semana pelo Ministério Público federal (MPF), no Rio, depois de analisar as circunstâncias que cercam o caso do sírio Dara Ramadan Youssef, de 45 anos. Ele foi preso no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio, quando tentava embarcar para Istambul (Turquia), com um passaporte turco falso. A guerra civil na Síria começou em 2011, e agravou-se com o crescimento de ações do grupo jihadista Estado Islâmico (EI), matando mais de 250 mil pessoas, provocando fuga em massa e uma comoção mundial com o drama vivido pelas famílias de refugiados.
Cenário repetido
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, revelou ontem ao GLOBO que o assunto já está sendo investigado pela Polícia Federal.
— Há uma investigação em andamento. Um trabalho em curso que está sob sigilo no momento e razão pelo qual não posso comentar — afirmou o ministro.
Usando documentação original, Dara Ramadan entrou legalmente no país por São Paulo, no dia 17 de março de 2015. Alegando condição de refugiado da guerra civil, ele desembarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Aos policiais federais, alegou que queria viver no Brasil, mas mentiu. Três meses depois, no dia 1º de junho, foi flagrado com passaporte turco falso, em nome de Nhat Dogan, tentando embarcar no Rio, no voo AZ706 da Alitalia para Istambul.
Dara Youssef não foi o único: situação semelhante tem sido registrada em outros estados brasileiros. Desde novembro de 2014, dezenas de sírios já foram presos nos aeroportos brasileiros tentando embarcar para países da Europa portando passaportes falsos. Apenas no ano passado, autoridades alfandegárias interceptaram 26 sírios com documentação falsa em Rio, São Paulo, Fortaleza, Natal e Salvador. Também há registros de sírios que passaram pelo Brasil usando os mesmos métodos, tentando embarcar para a Europa e os EUA, partindo de Argentina e Honduras.
Um dos casos que mais chamaram a atenção das autoridades brasileiras foi a de cinco sírios que entraram no país pelo Rio com documentos verdadeiros. Passaram uma semana na cidade até embarcarem num voo doméstico para Fortaleza, e de lá seguiram para Natal, também de avião. Acabaram presos quando tentavam embarcar para a Holanda, usando passaportes holandeses falsificados.
Em junho passado, a situação se repetiu em Salvador. A Polícia Federal prendeu seis sírios que tentavam embarcar pelo Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães para Madri, com passaportes falsos da Bulgária. Todos eram foragidos da guerra. A PF da Bahia revelou que outros sírios foram presos nas mesmas circunstâncias meses antes no aeroporto de Salvador.
indícios de atuação de agentes públicos
Para a procuradora Silvana Batini Cesar Góes, da Procuradoria Regional da República, da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), não há dúvidas: os passaportes europeus falsificados estão sendo confeccionados ou entregues no Brasil para o “fomento de um esquema internacional que coloca o território nacional em verdadeira rota de refugiados sírios”. A procuradora ainda fez um alerta: “Há indícios, inclusive, da participação de agentes públicos na organização.”
Depois do flagrante no Rio, Dara Ramadan Youssef ficou um mês num presídio. Em setembro passado, a Justiça Federal mandou soltá-lo. A procuradora Silvana Batini é quem atua na apelação criminal do Ministério Público federal. Ela questiona a decisão da primeira instância da Justiça Federal. A sentença foi dada pelo juiz Marcelo da Costa Bretas, titular da 7ª Vara Criminal Federal. Atualmente o sírio Youssef está num abrigo municipal, sob a responsabilidade da Secretaria estadual de Direitos Humanos do Rio. O GLOBO tentou falar com ele, mas não obteve autorização.
— Foi precipitado absolvê-lo sem uma investigação mais detalhada. Precisamos saber mais. De como ou onde ele conseguiu o passaporte turco falso. Há indícios de que ele comprou no Brasil. É uma hipótese, uma questão que precisa ser esclarecida — afirmou Silvana Batini.
A procuradoria pede novo julgamento por uso de documento falso. Silvana Batini ressaltou que a Polícia Federal e a 7ª Vara Federal Criminal “negligenciaram elementos de prova em parte dissonantes com a confissão do réu à polícia”.
— Ele, o sírio, pode ser tudo: uma vítima da guerra civil, um terrorista, um falsário. Pode ser tudo. Por isso é preciso investigar o caso e só assim tomar uma decisão — afirmou Silvana Batini.
No inicio do ano, uma investigação da Delegacia de Defraudações, da Polícia Civil do Rio, revelada pela Rede Globo, identificou integrantes de uma quadrilha que falsificava documentos brasileiros para refugiados sírios. Pelos menos 72 sírios teriam recebidos documentos falsos. Entre eles há ex-integrantes das Forças Armadas da Síria.
Fonte: oglobo
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