Única voz divergente até agora no Superior Tribunal Militar (STM) contra a concessão de liberdade aos nove militares acusados de disparar mais de 83 tiros contra o carro de uma família – matando o músico Evaldo Rosa e o catador de papel Luciano Macedo -, a ministra Maria Elizabeth Rocha afirma ao GLOBO ter percebido de imediato que a ação, ocorrida no dia 8 de abril, tratou-se de um duplo homicídio e destacou o fato de os acusados terem apresentado uma versão falsa dos fatos a seus superiores no primeiro momento. No último dia 8, enquanto ela votou para que a prisão preventiva seja mantida, quatro ministros, e também o subprocurador-geral do Ministério Público Militar, Roberto Coutinho, se posicionaram a favor da liberdade para os acusados.
– Minha convicção veio da temeridade do ato perpetrado. Do horror de uma esposa e de um filho de 7 anos verem o pai e marido ser fuzilado na sua frente sem nenhuma razão, de um humilde catador de resíduos perder a vida para tentar ajudar outro ser humano, na falta de misericórdia dos réus – disse a ministra numa entrevista exclusiva ao GLOBO.
A intervenção da ministra, única mulher de um colegiado dominado por homens, pode mudar a história do caso que, até então, caminhava para a soltura dos investigados. Logo depois da participação dela, um pedido de vista suspendeu a votação. Não há prazo para o caso voltar à pauta. A corte do STM é formada por 15 ministros – 10 são militares da ativa, e cinco, civis. Nesta terça-feira, acontece na Auditoria Militar do Rio uma audiência com sete testemunhas do Ministério Público e uma das vítimas sobreviventes. A seguir, a íntegra da entrevista concedida por e-mail pela ministra.
A senhora abriu forte divergência com o relator e votou pela permanência na prisão dos nove militares acusados de matar o músico Evaldo Rosa. Por que a senhora entende que eles devem permanecer presos?
Primeiramente por entender que a juíza de 1ª instância fundamentou adequadamente a prisão preventiva dos militares, com base nas informações que possuía até aquele momento. Depois, porque vi presentes os requisitos próprios das medidas cautelares: o perigo na concessão da liberdade e a fumaça do cometimento do crime. Desde o primeiro momento, percebi que se estava diante de um duplo homicídio e de uma tentativa, e não, de mera inobservância de lei, regulamento ou instrução, razão pela qual a custódia provisória jamais ultrapassaria o tempo da pena se os réus viessem ou vierem a ser condenados. Neste ponto, o Ministério referendou meu entendimento no oferecimento da denúncia. Pesaram, ainda, na formação do meu convencimento, o alto potencial ofensivo da ação praticada que, além de alvejar três civis desarmados com uma descarga de tiros desproporcional, foi realizada em meio à população que transitava no local e que poderia vir a ser atingida e lesionada. A insensibilidade dos agentes, que se recusaram a prestar socorro em momento tão dramático, e a indignação popular, que eu também compartilho e que pode ser juridicamente traduzida como a preservação da ordem pública, igualmente norteou o meu voto. Por último, a versão inverídica engendrada pelos militares ao Comando do Leste, obrigado a se desdizer rapidamente, me fez temer pela instrução processual. Evidentemente todo o acusado tem direito ao silêncio e a mentira está nele acobertada. Porém, cabe ao juiz valorar o comportamento do réu que mente e não colabora e os riscos que podem advir deste comportamento para a ação judicial no momento de deferir ou não a liberdade.
FONTE: EXTRA
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