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Governo estuda estender classificação indicativa para conteúdos da internet

Vídeos com gritos e ‘trollagem’ no YouTube podem afetar crianças

Quem assiste a pelo menos meia dúzia de vídeos dos youtubers mais populares entre crianças e adolescentes no Brasil nota, facilmente, a grande quantidade de gritos que, vez ou outra, descambam para o palavrão. Pegadinhas e bullying também são comuns. Os chamados “influenciadores digitais”, que conquistaram o público infantojuvenil, ainda têm sido alvo de críticas por estimularem maus hábitos alimentares entre as crianças. Tudo isso tem levado muitos pais e educadores a se preocuparem com o impacto desses youtubers sobre o comportamento de seus espectadores.

O tema ganha destaque nesta semana, com um debate sobre classificação indicativa, que acontece nesta quarta-feira, organizado pelo Ministério da Justiça e pela Procuradoria Geral dos Direitos do Cidadão. A série de discussões, iniciada em março, visa atualizar a atual política em relação ao tema no país. Hoje, os conteúdos exibidos na televisão, no cinema e em videogames são acompanhados de recomendação sobre a faixa etária mais adequada. Vídeos on-line e sites, no entanto, seguem sem qualquer tipo de indicação.

Regina de Assis, doutora em Educação pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e membro do conselho de especialistas do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), participa dos debates desde a primeira edição e conta que o objetivo é levar a sociedade civil a se informar e formar opinião sobre o tema para que, a partir de então, uma atualização da lei seja proposta.

Seguem-se assim, os moldes do debate levantado em 2013, antes da implementação da portaria 368, sobre o processo de classificação indicativa. De acordo com a regra, produtos culturais precisam passar por análise da Secretaria Nacional de Justiça antes de serem veiculados. Uma equipe multidisciplinar — composta por advogados, psicólogos, especialistas em mídia e professores — avalia o conteúdo e aponta a idade indicada, que é informada antes do início do programa, ou do filme e na capa das embalagens de jogos. A ideia é replicar esse formato em vídeos on-line. Assim, representantes das gigantes de tecnologia também estão sendo convidados a participar da discussão.

Para Regina, o caminho seria criar uma comissão vinculada ao Ministério da Justiça para trabalhar diretamente com essas empresas. Ela lembra ter sido essa a estratégia aplicada no caso dos programas de TV e dos filmes: — Os “Zuckerbergs” da vida têm sua responsabilidade sobre o conteúdo que é apresentado para crianças do mundo inteiro — afirma a especialista, em referência ao fundador do Facebook — Quem cria conteúdo para crianças e adolescentes tem uma responsabilidade social.

Liberdade de expressão

Ela lembra que, em 2013, durante as discussões, foram levantadas acusações de censura e que hoje, novamente, não é este o caso. Por isso, afirma ser importante um debate extenso, mas que respeite a urgência da situação: — Não dá para fazer uma previsão linear de quando teremos essa proposta em mãos. Não se consegue organizar isso de uma hora para outra porque é algo que mexe com valores, com a relação entre adultos e crianças, com artistas que querem ter sua liberdade de expressão respeitada e com o público infantil que também deve ter sua ingenuidade respeitada. Mas precisamos agir logo. A criança que navega na internet sem controle parental está na selva sozinha.

Será necessário construir um aparato que se mantenha atual, pois os meios e formatos de conteúdo on-line estão em constante processo de atualização; e que tenha suporte internacional, já que a audiência na internet não respeita fronteiras físicas. Regina aponta organizações internacionais, entre elas a Unesco, como potenciais parceiros na luta por uma rede on-line de proteção às crianças.

Nádia Rebouças, consultora de comunicação e membro da Rede Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc), concorda com a necessidade de classificação indicativa: — As crianças já nascem com o polegar na tela, e muitas vezes os pais não conseguem assistir junto a todo o conteúdo que chega até elas. Eu costumo dizer que detestaria ser mãe de crianças pequenas neste momento, porque é de fato um desafio imenso para os pais. Eles, mais do que nunca, precisam estar atentos, mas precisam também ser ajudados pelas regulamentações do país.

“Trollagem” e bullying

Com mais de 20 milhões de inscritos em seu canal, Felipe Neto é famoso por gritar em seus vídeos. Em alguns casos, há dez segundos ininterruptos de um grito agudo, seguido de dois ou três palavrões usados para comentar um filme ou fazer uma piada. Em muitos dos vídeos de youtubers que são queridos pelo público infantil pratica-se também a “trollagem”, quando os jovens pregam peças em amigos. A prática, que pode ser considerada inocente por alguns, em vários casos constitui bullying. Regina afirma considerar agressivo o conteúdo de muitos dos vídeos, tanto pela linguagem utilizada quanto pelo alto tom das falas. Para a educadora, é quase inevitável que tais publicações influenciem o modo como os pequenos se comportam.

O psicanalista Pedro de Santi, estudioso do consumo, considera que, uma vez que os youtubers representam o ideal de fama aos olhos do público infantil, tudo o que fizerem será de alguma forma absorvido por esse público: — Antes, as crianças queriam ser jogadoras de futebol ou artistas. Agora, se você perguntar a qualquer uma, a chance de ouvir “quero ser youtuber” é alta. Os pais precisam ganhar consciência de que ver conteúdo audiovisual na internet não é igual a ver TV. Não se pode deixar os filhos soltos na rede, nem proibir. É importante mostrar outras fontes de prazer.

Santi recomenda que, pelo menos até os 12 anos de idade, crianças não sejam autorizadas a ter celular com acesso a internet. E é fortemente recomendado que naveguem monitoradas pelos pais ou responsáveis: — A internet é muito sedutora, estimulante, luminosa. Então, não importa o conteúdo, os pais e mães têm que monitorar. As famílias nunca tiveram tão pouco poder sobre o conteúdo que chega até a criança. Por outro lado, paradoxalmente, as famílias estão sendo cada vez mais cobradas para controlar isso.

Para Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, é natural que as crianças se sintam atraídas pelos youtubers, que em geral falam de forma exagerada, propõem desafios e provocam o riso: — É uma questão de desenvolvimento infantil: elas gostam do inusitado, de ver alguém fazendo algo que não veem com frequência.

FONTE: O GLOBO

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